Acórdão nº 16/15 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Janeiro de 2015

Magistrado ResponsávelCons. Pedro Machete
Data da Resolução14 de Janeiro de 2015
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 16/2015

Processo n.º 115/14

  1. Secção

Relator: Conselheiro Pedro Machete

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório

    1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Cível de Lisboa, em que é recorrente o Ministério Público e recorridas A., S.A., e B., cada um dos três peritos designados para a realização da perícia colegial oportunamente determinada apresentou nota de honorários indicando como remuneração um valor correspondente a 14 unidades de conta (“UC”). A perícia em causa respeitou à avaliação de trabalhos de construção em diversos edifícios. Notificados para fundamentarem o valor indicado para os honorários pretendidos, os peritos esclareceram quais os elementos tidos em conta, nomeadamente o número de horas afetado à perícia e o valor-hora considerado. Sobre tais esclarecimentos, as ora recorridas nada disseram.

      Tendo em conta estes dados, o Mmo. Juiz a quo, por despacho de 25 de novembro de 2013, considerando estar em causa uma “compressão da liberdade de trabalho” consagrada no artigo 47.º da constituição, julgou inconstitucional, por “violação [do] princípio constitucional da proibição de excesso, nas dimensões da adequação e da proporcionalidade – art.º 18.º, n.º 2, da CRP”, a norma extraída do artigo 17.º, n.ºs 2 e 4, do Regulamento das Custas Processuais em articulação com a Tabela IV anexa ao mesmo, segundo a qual, por cada perícia, os peritos não podem auferir mais de 10 UC, ainda que o tipo de serviço, os usos do mercado, a complexidade da perícia e o trabalho necessário à sua realização levem a considerar que a remuneração devida é superior, e, em consequência, fixou aos peritos a remuneração por eles indicada (v. fls. 11 e ss.). É a seguinte a fundamentação do despacho em referência (v. ibidem):

      Resulta do preceito em análise [– o referido artigo 17.º, n.ºs 2 e 4, do Regulamento das Custas Processuais –] e da tabela iv anexa ao RCP, que por cada perícia, os Sr.s peritos não podem auferir mais do que 10 UCs.

      *

      Como decorre do disposto nos atuais artigos 417º n.ºs 1 e 2 e 469º do CPC aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho (antigos artigos 519º n.º 1 e 570 º n.º 1) os Sr.s peritos estão obrigados a prestar a sua colaboração com o tribunal sob pena de multa.

      A fundamentação constitucional desse dever de colaboração resulta de um princípio geral da cooperação cívica nas tarefas públicas, decorrente da própria ideia de Estado de Direito democrático (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 3ª edição, pág. 793, anotação ao, então, art.º 205º, atual art.º 202º).

      Só havendo essa cooperação pode o Tribunal, levar a cargo a administração da justiça que a Constituição lhe impõe com exclusiva sujeição à lei (art.º 203 da Constituição da República Portuguesa).

      É certo que quem seja nomeado pode pedir escusa do cargo invocando motivos pessoais que tornem inexigível o desempenho da tarefa – atual 470º n.º 3 do CPC.

      Não se vislumbra no entanto que possa constituir motivo de escusa o facto de a perícia ser complexa e trabalhosa e de as 10 UC’s estabelecidas legalmente não remunerarem adequada e proporcionalmente o trabalho que se pede seja desenvolvido.

      *

      Sucede que a colaboração como perito tem como sujeito cidadãos que exercem, normalmente, uma atividade profissional da qual obtêm uma determinada remuneração, de acordo com os usos do mercado e a complexidade do serviço.

      A CRP consagra no art.º 47º a liberdade de escolha de profissão.

      “A liberdade de profissão é uma componente da liberdade de trabalho que embora sem estar explicitamente consagrada de forma autónoma na Constituição, decorre indiscutivelmente do princípio do estado de direito democrático. A liberdade de trabalho inclui obviamente, a liberdade de escolha do género de trabalho, não se esgotando todavia aí (liberdade de não trabalhar, proibição de trabalho forçado, etc)”. – Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP Anotada, 3ª edição, pág. 261- 262, anotação ao art.º 47º da CRP).

      A imposição a alguém, que exerce uma atividade profissional privada, do dever de colaboração com o tribunal, nomeadamente para exercer as funções de perito, constitui uma compressão da liberdade de trabalho.

      No entanto, tal compressão, constitucionalmente fundada, não pode ser de tal ordem que não lhe corresponda uma remuneração que não seja adequada e proporcional ao tipo de serviço, aos usos do mercado, à complexidade da perícia e ao tempo despendido e necessário à sua realização, sob pena de violação do princípio constitucional da proibição de excesso, nas dimensões da adequação da proporcionalidade – art.º 18º n.º 2 da CRP.

      Em face do exposto, impor-se a alguém do dever de colaborar com o tribunal, exercendo as funções de perito e limitar a respetiva remuneração a 10 UC’s, conforme resulta do disposto nos n.ºs 2 e 4 do art.º 17º do RCP e da tabela iv anexa ao mesmo, ainda que o tipo de serviço, os usos do mercado, a complexidade da perícia e o tempo necessário à sua realização levassem a considerar que a remuneração devida era superior, viola o princípio constitucional da proibição de excesso, nas dimensões da adequação e da proporcionalidade – art.º 18º n.º 2 da CRP – e por isso e tendo presente o disposto no art.º 204º da CRP, deve ser recusada a sua aplicação.

      *

      Como já referido, os Sr.s peritos peticionam um montante de honorários – 14 Uc’s – superior ao legalmente admitido.

      E justificam tal montante com a alegação de terem despendido 58 horas na realização do trabalho e, de acordo com o estabelecido no art.º 87º n.º 2 do Estatuto da Ordem dos Engenheiros, aprovado pelo decreto-Lei n.º 119/92, de 30 de junho, terem atribuído a cada hora de trabalho o montante de € 25,00.

      Estamos perante uma perícia que envolve aspetos de engenharia civi1 – saber se estão executadas as percentagens de edifícios – e de avaliação – saber-se as percentagens realizadas têm o valor indicado pela autora - o que, obviamente, convoca um saber especial, não acessível a qualquer pessoa, mas a quem dispunha de formação universitária e experiência profissional.

      As partes não colocaram em causa nem o tempo despendido na realização da perícia por cada um dos peritos nem o valor atribuído a cada hora de trabalho.

      Nem o tribunal tem elementos que lhe permitam afirmar que o tempo despendido é excessivo ou desnecessário ou que o montante atribuído a cada hora de trabalho não está em conformidade com os usos do mercado.

      Destarte, impõe-se fixar a remuneração devida a cada um dos Sr.s peritos em € 1.428,00.

    2. O Ministério Público interpôs recurso de constitucionalidade desta decisão ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, adiante referida como “LTC”). Admitido o recurso, e subidos os autos a este Tribunal Constitucional, foi determinada a produção de alegações.

      O recorrente apresentou alegações, concluindo no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso e, em consequência, determinada a reforma do despacho recorrido, no essencial pelas seguintes razões (v. fls. 19 e ss.):

      28.º

      A jurisprudência do Tribunal Constitucional, em matéria de custas judiciais tem-se ocupado, fundamentalmente, do problema de saber se as referidas taxas devem ser consideradas taxa ou imposto e ao problema da fixação de custas em valor considerado excessivo, designadamente por proporcionais ao valor da ação. […]

      29.º

      No caso dos autos, está em causa o pagamento da atividade desenvolvida por peritos.

      Não está, contudo, em causa, por parte do digno magistrado judicial recorrido, a fixação de custas em montante considerado excessivo, mas justamente o inverso, o facto de a remuneração das peritagens efetuadas dever ser, no seu entender, superior ao legalmente fixado.

      Ora, o art. 17º do Regulamento das Custas Processuais determina, […]

      30.º

      Não se conseguiu especificamente encontrar, na jurisprudência constitucional a que atrás se fez referência, nenhum Acórdão relativo a uma situação semelhante à dos autos.

      De qualquer modo, o Acórdão 380/06, de 31 de Agosto (Conselheira Maria dos Prazeres Beleza) aborda uma questão relativa ao pagamento de peritos em diligência que requeira conhecimentos especiais, ou a peritos com habilitação ou conhecimentos especiais, implicando a apresentação de documentos, pareceres, plantas ou outros elementos de informação solicitados pelo tribunal.

      Refere-se, em tal Acórdão (destaques do signatário):

      “6. Está, pois, em causa saber se a norma atrás definida, não tendo um "teto" máximo de remuneração a pagar por cada diligência realizada por um perito viola o direito fundamental de acesso à justiça e ao direito, consagrado no n.º 1 do artigo 20º da Constituição e o princípio da igualdade, "beneficiando a parte mais forte em juízo em prejuízo da parte mais fraca, ofendendo assim as normas dos artºs 13º, n.ºs 1 e 2, 18º e 20º da CRP".

      Segundo o disposto na alínea b) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 34º do Código das Custas Judiciais, conjugados com a Portaria n.º 1178-D/2000, para calcular a remuneração a pagar a um perito que é incumbido de realizar uma perícia para a qual são exigidos conhecimentos especiais, há que atender a dois elementos: à remuneração fixada "por perícia", em primeiro lugar, e ao tempo "razoável" de realização da perícia, medido em "dias de trabalho" e definidos em termos que permitem considerar os elementos atrás referidos (relevo, dificuldade na realização e qualidade do trabalho efetuado). Esse tempo será determinado, para este efeito, com base na "informação prestada por quem a realizar, reduzindo [os dias de trabalho] se lhe parecer que podia ter sido realizada em menos tempo ou aumentando-os quando a dificuldade, relevo ou qualidade do serviço o justifiquem".

      Da conjugação destes dois elementos o acórdão recorrido concluiu que, se a perícia "implicar mais de um dia de trabalho", a remuneração corresponderá, em princípio, à...

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