Acórdão nº 50/15 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Janeiro de 2015

Magistrado ResponsávelCons. João Pedro Caupers
Data da Resolução27 de Janeiro de 2015
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 50/2015

Processo n.º 588/14

  1. Secção

Relator: Conselheiro João Pedro Caupers

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I - Relatório

  1. O Representante do Ministério Público junto da Secção Regional da Madeira do Tribunal de Contas recorre para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), da sentença proferida por aquele tribunal em 24 de abril de 2014, que recusou, com fundamento em inconstitucionalidade, a aplicação das normas vertidas:

    (…)

    - no art. 5.º, n.º 8 da Lei n.º 19/2003, na redação que lhe veio a dar a Lei n.º 55/2010, de 24/12 (concretamente na versão interpretativa retroativa consagrada no respetivo art. 3.º, n.º 4.

    Por ofensa:

    - ao princípio do juiz natural ínsito no art. 32.º, n.º 9 da Constituição que dispõe que «nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior» (maxime: ablação retroativa da competência do tribunal) e ainda dos princípios do Estado de direito democrático (art.º 2.º) e da segurança jurídica;

    - nos arts. 23.º, 24.º, 25.º e 26.º da mesma Lei n.º 19/2003 (concretamente na medida em que atribuem a outro Tribunal que não o de Contas a competência fiscalizadora de dinheiros públicos a partidos ou a grupos e representações parlamentares),

    Por ofensa:

    - ao disposto no art.º 214.º, n.º 1 da Constituição da República na medida em que firma a subtração da competência material jurisdicional do Tribunal de Contas para fiscalizar a aplicação de dinheiros públicos;

    - nos arts.66.º, 77.º, n.º 4 e 78.º, n.º 4 da LOPTC e no art. 76.º do Regulamento Geral do Tribunal de Contas (concretamente na parte em que confere ao mesmo juiz a iniciativa de acusar, instruir e sentenciar os processos de aplicação de multa a que se insere o art. 66.º da LOPTC.

    Por ofensa:

    - ao princípio da estrutura acusatória do processo penal consagrado no art. 32.º, n.º 5 da Constituição e do processo equitativo consagrado nos arts. 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 47.º, n.º 2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e 20.º, n.º 4 da Constituição;

    E por ter sido julgado organicamente inconstitucional:

    - do RGTC referido (concretamente na parte em que atribui competência ao tribunal e juízes relatores para decidir a aplicação de multas, e estabelecer o iter processual respetivo):

    - por violação da reserva de competência legislativas da Assembleia da República, consagrada no art. 165.º n.º 1 al. p) da Constituição.

    E ilegal:

    - o art. 76.º do RGTC por violação do disposto no art. 75.º, al. d) da Lei n.º 98/97 de 26/08 (concretamente recusando a aplicação desta norma, com fundamento na sua ilegalidade por violação de lei com valor reforçado/Lei Orgânica do Tribunal de Contas). (...)

  2. Notificado para alegar, nos termos do artigo 79.º, da LTC, o Ministério Público avançou as seguintes conclusões:

    115. O Ministério Público interpôs recurso parcialmente obrigatório, para este Tribunal Constitucional, do teor da douta sentença de fls. 66 a 106, proferida pelo Tribunal de Contas – Secção Regional da Madeira, nos termos do disposto nos “arts. 70º nº 1 al. a) e 71º n.º 1 da Lei acabada de citar [a Lei 28/82 de 15/09]”.

    116. Este recurso tem por objeto a “mui douta sentença do Tribunal proferida no processo autónomo de multa supra referenciado, da qual resulta que foram desaplicadas por terem sido julgadas materialmente inconstitucionais as normas vertidas: no art. 5º n.º 8 da Lei n.º 19/2003, na redação que lhe veio dar a Lei n.º 55/2010 de 24/12 (concretamente na versão interpretativa retroativa consagrada no respetivo art. 3º n.º 3)”; ”nos arts. 23º a 26º da mesma Lei n.º 19/2003 (concretamente na medida em que atribuem a outro Tribunal que não o de Contas a competência fiscalizadora de dinheiros públicos a partidos ou a grupos e representações parlamentares);”nos arts. 66º, 77º n.º 4 e 78º n.º 4. al.ª e) da LOPTC e no art. 76º do Regulamento Geral do Tribunal de Contas (concretamente na parte em que conferem ao mesmo juiz a iniciativa de acusar, instruir e sentenciar os processos de aplicação de multa a que se refere o art. 66º da LOPTC”; e por ter sido julgado organicamente inconstitucional, “o RGTC referido (concretamente na parte em que atribui competência ao tribunal e juízes relatores para decidir a aplicação de multas, e estabelecer o iter processual respetivo)”; e ilegal “o art. 76.º do RGTC por violação do disposto no art. 75º al.ª d) da lei 98/97 de 26/08 (concretamente recusando a aplicação desta norma, com fundamento na sua ilegalidade por violação de lei com valor reforçado/Lei Orgânica do Tribunal de Contas)”.

    117. O Ministério Público interpôs recurso, nos presentes autos, para além do mais, da recusa de aplicação, por parte do Mm.º Juiz “a quo”, das normas contidas no artigo 76.º do Regulamento Geral [Interno] do Tribunal de Contas, por violação de lei de valor reforçado, nomeadamente do disposto no artigo 75.º, alínea d), da Lei n.º 98/97 de 26 de Agosto (Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas).

    118. Uma vez que as normas cuja aplicação foi recusada não constam de ato legislativo e, por força do disposto nos artigos 280.º da Constituição da República Portuguesa e 70.º da Lei n.º 28/82 (LTC), de 15 de Novembro, carece o Tribunal Constitucional de competência para conhecer de recursos de decisões dos tribunais que recusem a aplicação de normas, não constantes de atos legislativos, com fundamento na sua ilegalidade por violação de lei com valor reforçado, não deverá aquele Tribunal Constitucional tomar conhecimento, nesta parte, do objeto do recurso.

    119. O n.º 8, do artigo 5.º da Lei n.º 19/2003, de 20 de Junho, na redação dada pelo artigo 1.º da Lei n.º 55/2010, de 24 de Dezembro, veio atribuir, ao Tribunal Constitucional, a competência para a fiscalização respeitante “às subvenções públicas auferidas por grupos parlamentares ou deputado único representante de um partido e aos deputados não inscritos em grupo parlamentar ou aos deputados independentes na Assembleia da República e nas assembleias legislativas das regiões autónomas, ou por seu intermédio, para a atividade política e partidária em que participem”.

    120. Por sua vez, o n.º 4, do artigo 3.º, da Lei n.º 55/2010, de 24 de Dezembro, decreta que aquela disposição tem natureza interpretativa.

    121. Em ambos os casos estamos perante normas legais sediadas num diploma legislativo não dotado de valor reforçado, que regulam, por um lado, a competência do Tribunal Constitucional, e determinam, por outro, a natureza da norma de competência e o seu regime de aplicação no tempo.

    122. Ora, de acordo com o conjugadamente disposto nos artigos 166.º, n.º 2, com referência ao artigo 164.º, alínea c), e no artigo 168.º, n.º 4, todos da Constituição da República Portuguesa, os atos reguladores das matérias de organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional, designadamente quanto à competência, para além de se integrarem na reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República, devem, ainda, revestir a forma de lei orgânica e ser votados na especialidade pelo Plenário da Assembleia da República.

    123. Acontece que, conforme resulta da mera consulta da Lei n.º 55/2010, de 24 de Dezembro, esta não reveste a forma de lei orgânica dispondo, assim, sobre matéria que só por meio desta espécie de lei de valor reforçado pode ser regulada.

    124. Em face do exposto, as normas legais corporizadas no n.º 8, do artigo 5.º da Lei n.º 19/2003, de 20 de Junho, na redação dada pelo artigo 1.º da Lei n.º 55/2010, de 24 de Dezembro, ao regerem sobre matéria da competência do Tribunal Constitucional; bem como a norma contida no n.º 4, do artigo 3.º, da Lei n.º 55/2010, de 24 de Dezembro, ao, indiretamente, dispor sobre a sua aplicação no tempo, violam a imposição constitucional resultante do disposto, conjugadamente, no artigo 166.º, n.º 2, com referência ao artigo 164.º, alínea c), e no artigo 168.º, n.º 4, todos da Constituição da República Portuguesa, encontrando-se, assim, feridas de inconstitucionalidade formal, como decidido pelo Acórdão 535/14 (ou orgânica, de acordo com o entendimento da Decisão Sumária n.º 566/2014).

    125. Para a eventualidade de, assim, se não entender, dir-se-á que a norma contida no n.º 8, do artigo 5.º da Lei n.º 19/2003, de 20 de Junho, na redação dada pelo artigo 1.º da Lei n.º 55/2010, de 24 de Dezembro, aplicável retroativamente nos termos do disposto no n.º 4, do artigo 3.º, da Lei n.º 55/2010, de 24 de Dezembro, na redação atribuída pela Lei n.º 1/2013, de 3 de Janeiro, não viola materialmente o plasmado no n.º 9, do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, uma vez que esta norma constitucional respeita às garantias do processo criminal, matéria à qual é estranha a interpretação normativa cuja constitucionalidade é questionada.

    126. Todavia, tal interpretação normativa, ao ter sido configurada pelo legislador da Lei n.º 55/2010, de 24 de Dezembro, como retroativamente – ou no mínimo retrospetivamente - modificadora da competência para a fiscalização das contas dos grupos parlamentares/representações parlamentares, é suscetível de violar o princípio da segurança jurídica ínsito no princípio do Estado de direito democrático, plasmado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa.

    127. Já no que concerne à suposta violação do disposto no n.º 1 do artigo 214.º da Constituição da República Portuguesa, imputada às normas constantes dos artigos 23.º, 24.º, 25.º e 26.º da Lei n.º 19/2003, de 20 de Junho, com a redação introduzida pela Lei n.º 55/2010, de 24 de Dezembro, concluímos que estas não foram convocadas no âmbito da decisão recorrida, não tendo constituído ratio decidendi da sentença contestada, não devendo o Tribunal Constitucional conhecer da invocada desconformidade constitucional.

    128. Complementarmente, dir-se-á, igualmente, que não se poderá imputar a violação do...

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