Acórdão nº 79/15 de Tribunal Constitucional (Port, 28 de Janeiro de 2015

Magistrado ResponsávelCons. Fernando Vaz Ventura
Data da Resolução28 de Janeiro de 2015
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 79/2015

Processo n.º 495/13

  1. Secção

Relator: Conselheiro Fernando Ventura

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional

  1. Relatório

    1. Nos presentes autos, o arguido A. foi acusado pelo Ministério Público, que lhe imputou a prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º, alínea a), do D.L. n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência à tabela anexa I-C.

      Procedeu-se a julgamento no 3ª Juízo Criminal do Porto, vindo o Tribunal a absolver o arguido da prática do crime de tráfico de estupefacientes que lhe havia sido imputado e a condená-lo, como autor material, pela prática de um crime de detenção de produto estupefaciente para consumo pessoal, previsto e punido pelo artigo 40.º, n.º 2, do D.L. 15/93, de 22 de janeiro, com referência à tabela anexa I-C, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de €5,00.

    2. O arguido interpôs recurso dessa decisão para o Tribunal da Relação do Porto, impugnação julgada improcedente, confirmando-se a condenação imposta.

    3. Novamente inconformado, o arguido A. interpôs recurso desse acórdão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, através de requerimento com o seguinte teor:

      1. No recurso interposto da sentença proferida na primeira instancia, para o Tribunal da Relação, o arguido suscitou a inconstitucionalidade da aplicação do artigo 40.º, 2 da Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, pelo facto de tal preceito incriminador ter sido revogado pelo artigo 28.º da Lei n.º 30/2000, “exceto quanto ao cultivo”, pelo que, salvo melhor e mais doutra opinião, se operou uma descriminalização, pelo que a interpretação efetuada pelas instância, de condenar o arguido tendo como fundamento legal um preceito incriminar que se encontra revogado pela Lei n.º 30/2000, de 29 de novembro, constitui uma violação do princípio nulem crimem sine lege, ou seja, por condenar o arguido sem que exista lei anterior que puna a sua conduta, padecer de inconstitucionalidade material, por violação do disposto nos artigos

      2. A interpretação dos artigos 40.º, 2 da Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, e do artigo 28.º da Lei n.º 30/2000, de 29 de novembro, quando interpretados no sentido de considerarem que a detenção de produto estupefaciente para consumo pessoal é criminalmente punível, tal como fizeram ambas as instancias, não obstante a derrogação operada pelo artigo 28.º da citada Lei 30/2000, de 29.11, não seguem as regras de interpretação das normas previstas no artigo 9.º do Código Civil, pelo que a interpretação destas normas enferma de inconstitucionalidade material, na medida em que a condenação crime e a pena respetiva estão subordinadas ao princípio da legalidade e da tipicidade previstas no artigo 29.º da Constituição da República Portuguesa, na vertente de nullem crimem sine lege scripta, praevia, certa, o qual condiciona, entre o mais, a interpretação dos preceitos incriminadores citados supra, proibindo o recurso à analogia e a integração de lacunas, o que, aliás decorre também da dimensão normativa ao nível da interpretação do artigo 28.º da Lei n.º 30/2000, sendo que sobre a inconstitucionalidade de dimensões interpretativas resultantes de interpretações dos Tribunais, tem-se pronunciado favoravelmente esse Tribunal, designadamente, no seu aresto n.º 412/2003.

      3. O vertido nos artigos anteriores resulta do teor das conclusões formuladas no recurso para o Tribunal da Relação (...)

      .

    4. Admitido o recurso pelo Tribunal a quo e determinado o seu prosseguimento, quer o recorrente, quer o Ministério Público, vieram apresentar alegações, pugnando o primeiro pela procedência do recurso e o segundo pela sua improcedência.

      4.1. O arguido extraiu das alegações as seguintes conclusões:

      1. Por acórdão da Relação proferido a fls. dos autos, foi o arguido condenado pela prática de um crime de consumo de produtos estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 40.º, 2 e tabela I - C do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, na pena de sessenta dias de multa, à taxa diária de cinco euros, ou, em caso de incumprimento, na pena de quarenta dias de prisão subsidiária.

      2. O aresto recorrido deliberou pela conformidade com a Lei Fundamental do citado artigo 40.º, 2 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, isto apesar do mesmo ter sido expressamente revogado pelo artigo 28.º da Lei n.º 30/2000 "exceto quanto ao cultivo", pelo que, no entendimento do recorrente, se operou uma descriminalização, pelo que a interpretação efetuada pela Relação, deliberando pela condenação do recorrente, tendo como fundamento legal um preceito incriminador que se encontra revogado por um ato normativo posterior, constitui uma violação do princípio nullem crimem sine lege, ou seja, por condenar o recorrente sem que exista lei anterior que puna a sua conduta, tal interpretação padece de inconstitucionalidade material, por violação do disposto nos artigos 2.º; 3.º, 3; 8.º; 16.º; 18.º e 29.º, 1 da Constituição da República Portuguesa, bem como do artigo 7.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

      3. A interpretação dos artigos 40.º, 2 da Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, e do artigo 28.º da Lei n.º 30/2000, de 29 de novembro, quando interpretadas no sentido de considerarem que a detenção de produto estupefaciente para consumo pessoal é criminalmente punível, tal como deliberou a Relação, não obstante a derrogação operada pelo artigo 28.º da citada Lei 30/2000, de 29.11, não segue as regras de interpretação das normas previstas no artigo 9.º do Código Civil, pelo que a interpretação destas normas enfermam de inconstitucionalidade material, na medida em que a condenação crime e pena respetiva estão subordinadas ao princípio da legalidade e da tipicidade previstas no artigo 29.º da Constituição da República Portuguesa, na vertente de nullem crimem sine lege scripta, praevia, certa, o qual condiciona, entre o mais, a interpretação dos preceitos incriminadores citados supra, proibindo o recurso à analogia e integração de lacunas, o que, aliás decorre expressamente do artigo 1.º, 3 do Código Penal, que consagra o princípio da legalidade penal, sendo que a inconstitucionalidade de tais normas decorre também da dimensão normativa ao nível da interpretação do artigo 28.º da Lei n.º 30/2000.

      4. Tendo em consideração o enquadramento anterior à Lei n.º 30/2000, importa considerar o disposto no artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 15/93, agora parcialmente revogado, no qual estava tipificado o crime de aquisição e detenção de estupefacientes para consumo próprio.

      5. No mesmo estabelecia-se, no seu número um, que aquelas condutas tipificadas eram punidas com pena de prisão até três meses ou com pena de multa até 30 dias. Mais se estabelecia, no seu número dois, que se a quantidade da substância detida ou adquirida excedesse a necessária para o consumo médio individual durante o período de três dias, a pena seria de prisão até um ano ou multa até 120 dias.

      6. Nestas situações, o agente não seria punido pelo crime de tráfico previsto no artigo 21.º, mas pelo crime previsto no artigo 40.º do citado diploma, sendo que o próprio artigo 21.º estabelece que só se verifica o crime de tráfico quando a situação não se enquadrar no disposto no artigo 40.º.

      7. A Lei n.º 30/2000 introduziu alterações na regulamentação jurídica, tendo por escopo definir o regime aplicável ao consumo de estupefacientes, tendo estabelecido que o consumo, a aquisição e a detenção de estupefacientes para consumo próprio constituem contraordenação, da mesma forma que revogou o artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 15/93, exceto quando ao cultivo (artigo 28.º da Lei n.º 30/2000), verificando-se uma descriminalização do consumo de estupefacientes, mais concretamente da aquisição e detenção para consumo próprio - a própria Lei n.º 30/2000, no seu artigo 29.º, confirma que a mesma aprova uma descriminalização.

      8. Porém, nos termos do disposto no artigo 2.º, 2 da Lei n.º 30/2000, para efeitos deste diploma, as substâncias adquiridas ou detidas não poderão exceder a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de dez dias.

      9. Daqui parece resultar que a detenção e aquisição de estupefacientes para consumo, em que a quantidade excedesse a necessária para o consumo médio individual durante o período de dez dias, não constituiria contra - ordenação, mas antes crime, porém, o preceito legal em que vinham previstas e punidas estas condutas foi revogado pelo artigo 28.º da Lei n.º 30/2000, exceto quanto ao cultivo, pelo que as condutas em questão seriam punidas pelos artigos 21.º ou 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, porém, esta não parece ter sido a intenção do legislador, nem parece que seja a solução mais adequada, do ponto de vista legal.

      10. Com efeito, para o preenchimento do tipo, é necessário que o cultivo, a aquisição e a detenção das substâncias aí previstas não tenham como finalidade o consumo pessoal do agente, conforme decorre do texto legal, apesar do artigo 40.º ter sido parcialmente revogado, pois não foi introduzida qualquer alteração no artigo 21.º, nem o espírito da norma assim o impõe, sendo certo que a moldura penal abstrata aplicável ao crime de tráfico previsto no artigo 21.º é substancialmente mais elevada do que a que era aplicável ao crime de consumo previsto no artigo 40.º, 2 do mesmo diploma legal.

      11. Não é plausível que o legislador pretendesse, com a Lei n.º 30/2000, agravar a punição do consumo de estupefacientes, tanto mais numa altura em que a estratégia nacional de luta contra a droga indicava que o rumo adotado foi o de descriminalizar o consumo de drogas.

      12. Assim, não se vislumbra no espírito do legislador, nem na leitura global do regime jurídico da droga, que a aprovação da Lei n.º 30/2000 tenha presidido a intenção de agravar a punição dos agentes que adquiram ou detenham para consumo próprio quantidade de estupefaciente superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de dez dias - em...

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