Acórdão nº 122/15 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Fevereiro de 2015

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução12 de Fevereiro de 2015
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 122/2015

Processo n.º 179/2013

  1. Secção

Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

  1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), em que é recorrente A., S.A. e recorrida a fazenda pública, foi interposto recurso, ao abrigo do disposto no n.º 1, alínea b), do artigo 70.º, da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão proferido pelo TCAN em 27 de Setembro de 2012 (fls. 1784-1798), para que seja apreciada a «inconstitucionalidade material e orgânica do artigo 49º nº 1, nº 2 e nº 3 da LGT (na redação anterior à da Lei n.º 53-A/2006, de 29.12), na interpretação segundo a qual a apresentação de impugnação judicial protela o início do prazo de prescrição para o momento em que a impugnação judicial transitar em julgado, e de que a subsequente pendência de processo de execução fiscal, por sua vez, protela ainda mais o início do prazo de prescrição, para o momento em que o processo de execução fiscal terminar, quando tenha sido neste processo de execução fiscal que se verificou o facto com efeito interruptivo da prescrição que ainda perdura» (cfr. requerimento de interposição de recurso, fls. 1859-1860).

  2. O recurso de constitucionalidade foi admitido pelo TCAN em 25/01/2013 (fls. 1864).

  3. Convidada a aperfeiçoar o requerimento de interposição de recurso com a indicação das normas ou princípios constitucionais que considera violados (fls. 1871), veio a recorrente responder (cfr. fls. 1873), indicando:

    (i) o princípio da legalidade, consagrado no artigo 103º nº 2 da CRP; (ii) o direito à obtenção de uma decisão em prazo razoável, consagrado no artigo 20º nº 4 da CRP; (iii) os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança e legítimas expectativas dos administrados, ínsitos no primado do Estado de Direito Democrático, consagrado no artigo 2º da CRP; (iv) a respetiva Lei de Autorização Legislativa nº 87-B/98, de 31/12 (artigos 112º nº 2 e 198º nº 1 b) da CRP) e a reserva de lei da AR (artigos 103º nº 2 e 165º nº 1 p) da CRP).

    .

  4. Com interesse para o caso sub judice:

    4.1. A., S.A. reclamou junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto do despacho proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Matosinhos, que indeferira o pedido para que fosse declarada extinta, com fundamento na prescrição de dívidas exequendas provenientes do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) do ano de 1997 e do ano de 1999, a execução fiscal que contra si corria.

    O TAF do Porto julgou improcedente a reclamação.

    Desta decisão recorreu a A., S.A. para o Tribunal Central Administrativo Norte que, por acórdão proferido a 27 de Setembro de 2012, negou provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.

    A., S.A. interpôs recurso para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, com base em oposição de Acórdãos, tendo este recurso sido julgado findo em 6/12/2012 por se concluir não ocorrer a oposição de julgados.

    Em sequência A., S.A. interpôs recurso de constitucionalidade para o Tribunal Constitucional do Acórdão do TCAN de 27/09/2012, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), visando:

    a apreciação da inconstitucionalidade material e orgânica do artigo 49º nº 1, nº 2 e nº 3 da LGT (na redação anterior à da Lei n.º 53-A/2006, de 29.12), na interpretação segundo a qual a apresentação de impugnação judicial protela o inicio do prazo de prescrição para o momento em que a impugnação judicial transitar em julgado, e de que a subsequente pendência de processo de execução fiscal, por sua vez, protela ainda mais o início do prazo de prescrição, para o momento em que o processo de execução fiscal terminar, quando tenha sido neste processo de execução fiscal que se verificou o facto com efeito interruptivo da prescrição que ainda perdura, questões, estas, de inconstitucionalidade normativa, suscitadas, designadamente, em 135. e 201. das alegações de recurso para o TCAN, e respetivas conclusões 56., 110. e 131., e concretamente apreciadas no douto Acórdão recorrido.

    4.2. Já no Tribunal Constitucional, foram notificadas as partes para a produção de alegações, com a advertência da possibilidade de não conhecimento do objeto do recurso quanto à norma contida no n.º 3 do artigo 49.º da LGT, na redação anterior à Lei nº 53-A/2006, de 29/12, uma vez que o disposto no n.º 3 do mesmo artigo não fora aplicado pela decisão recorrida (fls. 1880). A recorrente veio responder, reiterando que a norma em causa constituiu também ela ratio decidendi do Acórdão recorrido (fls. 1885-1886).

  5. Apresentaram a recorrente A., S.A. e a recorrida fazenda pública, respetivamente, as suas alegações (fls. 1890-2088 e 2089-2287) e contra-alegações (2321-2336 e 2342-2358), nos seguintes termos:

    5.1. Conclusões da recorrente:

    CONCLUSÕES

    1. As normas e princípios constitucionais e legais violados foram os seguintes: (i) o princípio da legalidade, consagrado no artigo 103º nº 2 da CRP; (ii) o direito à obtenção de uma decisão em prazo razoável, consagrado no artigo 20º nº 4 da CRP; (iii) os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança e legítimas expectativas dos administrados, ínsitos no primado do Estado de Direito Democrático, consagrado no artigo 2º da CRP; (iv) a Lei de Autorização Legislativa nº 87-B/98, de 31/12 (artigos 112º nº 2 e 198º nº 1 b) da CRP), ao abrigo da qual foi aprovada e publicada a LGT; (v) o princípio da reserva de lei da AR em matéria tributária (artigos 103º nº 2 e 165º nº 1 i) da CRP); (vi) o princípio da irretroatividade fiscal, consagrado no artigo 103º nº 3 da CRP; (vii) a garantia fundamental do direito de defesa e proteção jurisdicional efetiva, constitucionalmente assinalados nos artigos 20º nº 1 e 268º nº 4 da CRP; e (viii) os princípios constitucionais da justiça, igualdade, proporcionalidade e interesse público, consignados no artigo 266º nº 2 da CRP.

    2. Nos termos do artigo 51º nº 5 da LTC, o Tribunal Constitucional pode declarar a inconstitucionalidade ou a ilegalidade de normas com fundamento na violação de normas ou princípios constitucionais diversos daqueles cuja violação foi invocada pelo interessado - ou seja, o Tribunal Constitucional, na apreciação da inconstitucionalidade normativa, não está restringido às normas e princípios constitucionais cuja violação foi alegada pelo interessado.

    3. Tal como resulta da factualidade provada, os factos tributários concretamente em questão ocorreram em 1997 e 1999 - ou seja, há praticamente 17 anos e 15 anos, respetivamente.

    4. Tal como igualmente resulta da factualidade provada, o processo de impugnação judicial das liquidações exequendas, apresentado em 28.02.2002, esteve parado entre 16.01.2006 e 24.07.2008 (ou seja, esteve parado por mais de um ano), por motivo não imputável ao contribuinte (cfr. pontos 1. e 2. da factualidade provada).

    5. Tendo ainda sido dado por provado que a Recorrente foi citada para o processo de execução fiscal em 11.07.2002 (cfr. 4. da factualidade provada).

    6. A matéria em causa nos presentes autos é a prescrição da obrigação tributária.

    7. E não se pode olvidar que a prescrição é questão de direito material, substantivo, e não meramente adjetivo ou processual.

    8. A consagração legal do regime da prescrição assenta, essencialmente, em razões de certeza, de segurança e de paz jurídicas, quer para o Estado, quer para os cidadãos.

    9. E esses princípios essenciais construíram o regime da prescrição da obrigação tributária como uma garantia dos contribuintes.

    10. Extinguindo-se o direito de exigir o pagamento da dívida de imposto, a prescrição incide sobre um aspeto essencial da relação jurídica tributária, sendo generalizado, na Doutrina, o entendimento de que o respetivo regime consubstancia uma garantia material dos contribuintes.

    11. A ser assim, como é, trata-se, indubitavelmente, de matéria sujeita a reserva de lei parlamentar.

    12. De resto, o próprio Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre a inclusão no âmbito da reserva de lei parlamentar de matéria que, para este efeito, pode ser equiparada à prescrição, porque os interesses em conflito são os mesmos - que é a matéria da caducidade do direito à liquidação - cfr. Acórdão do TC nº 168/02, publicado no Diário da República, II Série, de 01.06.2002.

    13. Na verdade, ninguém pode ser obrigado a pagar impostos cuja cobrança não se faça nos termos da lei (cfr. artigo 103º nº 3 da CRP),

    14. e sendo a finalidade das garantias dos contribuintes, precisamente, protege-los contra pretensões de liquidação e cobrança de tributos fora das condições previstas na lei, tem de concluir-se, forçosamente, que respeitam às garantias dos contribuintes as normas de que resulte, para os mesmos, a extinção do dever de pagamento de tributos.

    15. Consequentemente, a sua regulação exige lei parlamentar ou decreto-lei autorizado.

    16. Não é possível considerar, como considerou o douto Acórdão recorrido, que, por aplicação do disposto no artigo 327º nº 1 do Código Civil, o artigo 49º da LGT, na redacção em causa, deve ser interpretado no sentido de que o prazo de prescrição reinicia a sua contagem apenas partir do fim do processo de execução fiscal (ou a partir do trânsito em julgado da decisão proferida sobre a Impugnação Judicial).

    17. Nem a letra do disposto no artigo 49º da LGT, nem qualquer outro normativo tributário, permitem semelhante interpretação.

    18. Com efeito, em lugar algum do direito tributário, tão pouco no artigo 49º da LGT, se afirma que, no caso de impugnação judicial e subsequente citação para o processo de execução fiscal, o reinício in totum do prazo de prescrição ocorre apenas a partir do fim do último dos processos interruptivos da prescrição.

    19. Sendo certo que, nos termos do artigo 9º nº 2 do CC, ex vi do artigo 11º nº 1 da LGT, não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de...

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