Acórdão nº 139/15 de Tribunal Constitucional (Port, 24 de Fevereiro de 2015

Magistrado ResponsávelCons. João Pedro Caupers
Data da Resolução24 de Fevereiro de 2015
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 139/2015

Processo n.º 480/14

Plenário

Relator: Conselheiro João Pedro Caupers

Acordam em Plenário no Tribunal Constitucional,

I − Relatório

  1. Recorrendo ao disposto no artigo 281.º, n.º 2, alínea g), da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP), o Presidente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira veio requerer a «declaração de inconstitucionalidade e de ilegalidade, com força obrigatória geral, dos artigos 77.º e 78.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, na parte que se considera aplicável aos titulares dos órgãos de governo próprio» daquela Região.

    Para imputar aos artigos 77.º e 78.º da Lei do Orçamento de Estado para 2014 (doravante, LOE2014) a «ilegalidade formal» decorrente da «violação da norma constante do artigo 75º, nº 19, do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira», bem como a «inconstitucionalidade procedimental» resultante da «violação de reserva procedimental de lei estatutária regional» e a «inconstitucionalidade material» decorrente da «violação do princípio constitucional da proteção da confiança, inerente à cláusula geral do Estado de Direito, constante do artigo 2.º da Constituição», o requerente aduziu os fundamentos seguintes:

    [...]

    C) Ilegalidade formal dos arts. 77.º e 78.º da LOE2014 por violação da norma do art. 75.º, n.º 19, do Estatuto Político- Administrativo da Região Autónoma da Madeira

    11) No plano material, o primeiro vício de invalidade no tocante aos arts. 77.º e 78.º da LOE2014 diz respeito ao facto de essas disposições violarem o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, o qual, no seu art. 75.º, n.º 19, inclui o regime das subvenções vitalícias, assim o tornando matéria estatutária.

    12) Sucede, porém, que as normas dos arts. 77.º e 78.º da LOE2014, na parte em que conflituam com aquela norma estatutária madeirense, não têm força de lei estatutária regional, integrando uma lei comum.

    13) Havendo um conflito entre uma norma estatutária regional e uma norma legislativa comum, ambas emanadas do Estado, este deve resolver-se pela aplicação de um critério funcional, segundo o qual a norma estatutária regional prevalece sobre a norma legislativa comum.

    14) Nem se diga que a matéria das subvenções vitalícias, não obstante mencionada no EPARAM, não é matéria regional.

    15) Essa afirmação não resiste à observação da realidade, que é o facto de ter havido uma remissão material feita pelo art. 75.º, n.º 19, do EPARAM, para a legislação então vigente neste domínio, e que assim se cristalizou no texto legislativo estatutário madeirense.

    D) Inconstitucionalidade procedimental dos arts. 77.º e 78.º da LOE2014 por violação da reserva de lei estatutária regional

    16) Outra razão para se afirmar a invalidade das normas dos art. 77.º e 78.º da LOE2014 é de natureza procedimental e cifra-se na inconstitucionalidade de uma lei estadual comum pretender interferir com matéria estatutária sem respeitar o procedimento para o efeito estabelecido

    17) Na verdade, ainda que do mesmo modo do foro estadual, as alterações aos estatutos político-administrativos regionais só podem fazer-se respeitando a regra da iniciativa legislativa externa, que compete exclusivamente à Assembleia Legislativa respetiva.

    18) Certo é que nunca esse procedimento legislativo de alteração estatutária se iniciou, pelo que a aprovação de normas de índole estatutária fora desse procedimento específico fere de morte a validade de tais preceitos, por inconstitucionalidade procedimental manifesta.

    19) Por outro lado, não apenas a CRP o diz inequivocamente no seu art. 231.º, n.º 7, como é o próprio Tribunal Constitucional a reiterá-lo em diversos arestos, designadamente o Acórdão n.º 382/2007, de 3 de julho de 2007, além dos Acórdãos n.º 637/1995, n.º 251/2011 e 613/2011 do Tribunal Constitucional, nos quais se confirma a distinção entre a atribuição de direitos e regalias e a sua quantificação, havendo ali a reserva de lei estatuária, no presente caso violada pela suspensão das subvenções vitalícias realizada pelos arts. 77.º e 78.º da LOE2014, que não é uma lei estatutária.

    E) Inconstitucionalidade material dos arts. 77.º e 78.º da LOE2014 por violação do princípio da proteção da confiança, ínsito na cláusula geral do Estado de Direito, constante do art. 2.º da Constituição

    20) Do ponto de vista material, os arts. 77.º e 78.º da LOE2014, no que bolem com as subvenções vitalícias atribuídas, são ainda inválidas, desta feita por inconstitucionalidade material ocorrendo a violação do princípio da proteção da confiança.

    21) Efetivamente, o Estado não está propriamente autorizado a legislar por capricho, mesmo esse alto poder normativo se submetendo a diversas constrições que decorrem do Estado de Direito.

    22) Uma dessas limitações traduz-se na necessidade de as novas leis terem de respeitar o clima de confiança em que os cidadãos têm o direito de acreditar na sua relação com os poderes públicos, designadamente o Estado-Legislador.

    23) Nesta perspetiva, é ilegítima uma alteração abrupta das leis que se repercuta negativamente nas expectativas que os legitimamente os cidadãos construíram quanto à estabilidade e à durabilidade das mesmas das leis e da Ordem Jurídica.

    24) Essa alteração abrupta só se afigura constitucionalmente lícita, na sua ligação à cláusula geral do Estado de Direito prevista no art. 2.º da CRP, quando exista um fundamento substancial bastante.

    25) Ora, não é isso o que se passa porque as subvenções vitalícias que são eliminadas já foram atribuídas e já se consolidaram, por vezes há muitos anos, na esfera jurídica dos seus beneficiários.

    26) Nem sequer se vislumbra o alcance dessa medida, com estes contornos drásticos, na correção dos desequilíbrios macroeconómicos, sendo certo que dela apenas beneficiam algumas dezenas de pessoas no âmbito regional.

    27) Essa ablação é tanto mais violenta quanto é certo contar com uma limitação estatutária específica, a qual se exprime naquilo que se pode ler no art. 75.º, n.º 20, do EPARAM, no qual se veda o legislador - seja ele regional, seja ele estadual – de “… lesar direitos adquiridos” dos ex-titulares dos órgãos de governo próprio da Região Autónoma da Madeira.

    Aditando aos acima reproduzidos os fundamentos constantes de dois Pareceres para o efeito anexados, o requerente conclui o pedido requerendo ao Tribunal Constitucional «a declaração de inconstitucionalidade e de ilegalidade, com força obrigatória geral, dos arts. 77.º e 78.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, na parte em que se aplica aos ex-titulares de órgãos de governo próprio da Região Autónoma da Madeira».

  2. Notificada para se pronunciar, querendo, sobre o pedido, a Presidente da Assembleia da República veio oferecer o merecimento dos autos.

  3. Por ofício de 15 de maio de 2014, o Presidente da Assembleia Legislativa da Madeira em exercício veio solicitar que se considerasse «sem efeito» o pedido, «porque entretanto já não se verificam os pressupostos que estiveram na base da sua suscitação».

    Dado que, nos termos do artigo 53.º da LTC «só é admitida a desistência do pedido nos processos de fiscalização preventiva da constitucionalidade», a solicitação foi indeferida, por despacho do Presidente do Tribunal Constitucional, pelo que prosseguiu a tramitação dos autos.

    II - Fundamentação

  4. O Presidente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira pretende ver declaradas a ilegalidade formal dos artigos 77.º e 78.º da LOE2014, por violação da norma constante do artigo 75.º, n.º 19, do Estatuto Político-Administrativo daquela Região (doravante, EPARAM), a respetiva inconstitucionalidade procedimental, por violação de reserva procedimental de lei estatutária regional, e, por último, a respetiva inconstitucionalidade material, por «violação do princípio constitucional da proteção da confiança, inerente à cláusula geral do Estado de Direito, constante do art. 2.º da Constituição».

    O pedido foi formulado ao abrigo do disposto na alínea g) do n.º 2 do artigo 281.º da CRP, preceito que atribui aos Presidentes das Assembleias Legislativas das regiões autónomas dos Açores e da Madeira legitimidade para requerer a fiscalização da constitucionalidade de normas com fundamento na violação dos direitos das regiões autónomas, bem como a fiscalização da legalidade de normas com fundamento na violação dos respetivos Estatutos Político-Administrativos.

    Conforme este Tribunal tem reiteradamente feito notar, ao contrário do que sucede com o poder de iniciativa atribuído aos demais órgãos enumerados no n.º 2 do artigo 281.º da CRP, aquele que é conferido às entidades mencionadas na respetiva alínea g) é, não geral, mas limitado, resultando essa limitação dos específicos requisitos a que se encontra sujeita a respetiva causa de pedir.

    O poder de requerer a fiscalização abstrata da constitucionalidade de normas conferido aos Presidentes das Assembleias Legislativas das regiões autónomas dos Açores e da Madeira pressupõe, assim, que esteja em causa uma eventual violação de direitos das regiões autónomas consagrados na Constituição, isto é, dos «direitos constitucionalmente reconhecidos às regiões face à República» (cf. Gomes Canotilho / Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, 4.ª edição, Coimbra, 2010, p. 967).

    Quanto aos Presidentes das Assembleias Legislativas das regiões autónomas dos Açores e da Madeira, o poder de impugnação encontra-se, deste modo, «constitucionalmente circunscrito», pressupondo «uma legitimidade qualificada pela violação de direitos da região», ou seja, «aqueles que, no próprio texto constitucional, configuram e concretizam o princípio da autonomia regional» (cf. Jorge Miranda / Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra, 2007, p. 807), aí conformando «de modo direto a autonomia político-administrativa das regiões» (cf. o Acórdão n.º 634/2006; cf. igualmente os Acórdãos n.ºs 403/1989, 198/2000, 615/2003, 75/2004, 491/2004, 239/2005 e...

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