Acórdão nº 170/15 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução04 de Março de 2015
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 170/2015

Processo n.º 1083/14

  1. Secção

Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I - Relatório

  1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que é recorrente A. e recorridos o Ministério Público e B., o relator proferiu decisão sumária de não conhecimento do objecto do recurso, com os seguintes fundamentos (cfr. Decisão Sumária n.º 52/2015, fls. 54-64):

    II – Fundamentação

    4. No presente caso, a decisão judicial recorrida é a decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto, em 6/11/2014, que indeferiu a reclamação deduzida contra a não admissão, pelo relator na 1ª instância, do recurso interposto pelo ora recorrente para o Tribunal da Relação do Porto da sentença do Tribunal Judicial de Vale de Cambra (2º Juízo) de 15/07/2014.

    Com interesse para o caso sub judice, resulta dos autos que:

    a) O recorrente foi condenado, por sentença do Tribunal Judicial de Vale de Cambra (cfr. fls. 10-25-verso), pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alíneas b) e c) e n.º 2, do Código Penal, na pena de três anos e seis meses de prisão e pela prática de um crime de dano, previsto e punido pelo artigo 212.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de três meses de prisão, fixando-se, em, cúmulo jurídico, a pena de três anos e sete meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, e no pagamento, à assistente no processo, da quantia de €199,00, a título de danos patrimoniais e da quantia de €800,00, a título de danos morais (no total de €999,00).

    b) A sentença foi proferida em 15/07/2014 e lida em audiência de julgamento na mesma data, perante o arguido e os defensores deste e da assistente (cfr. fls. 26), tendo sido também nessa data depositada na secretaria judicial do Tribunal Judicial de Vale de Cambra.

    c) Dessa sentença o ora recorrente interpôs recurso, em 11/09/2014 (com a data de receção de 12/09/2014), para o Tribunal da Relação do Porto, com vista à alteração da medida da pena fixada pelo crime de violência doméstica e consequente revisão da pena estabelecida em cúmulo jurídico e à redução do montante indemizatório (cfr. fls. 27-verso e fls. 28-29-verso).

    d) Após audição do arguido (fls. 30-verso), foi proferida decisão de não admissão do recurso interposto, por extemporaneidade, com a seguinte fundamentação (cfr. Decisão do Tribunal Judicial de Vale de Cambra de 14/10/2014, fls. 31-verso):

    Nos presentes autos, A. foi condenado, entre o mais, pela prática de um crime de violência doméstica (…) por sentença de 15 de Julho de 2’014.

    Nesse mesmo dia procedeu-se ao depósito da sentença – cfr. fls. 355.

    Tratando-se de um processo-crime por violência doméstica, o mesmo reveste carácter urgente, nos termos do artigo 28.º, n.º 1, da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro.

    Tal significa, portanto, que os prazos judiciais em curso correm durante as férias judiciais..

    Ora, se assim é, o prazo de que o Arguido dispunha para recorrer esgotou-se no dia 14 de Agosto de 2014.

    O recurso de fls. 356 e seguintes foi interposto em 11 de Setembro de 2014 (data do registo postal), ou seja, muito para além do termo do prazo legal previsto.

    (…)

    Por conseguinte, o Tribunal não admite o recurso interposto, por manifesta extemporaneidade.

    1. Dessa decisão de não admissão de recurso, deduziu o ora recorrente reclamação para o Tribunal da Relação do Porto, tendo a reclamação sido indeferida em 6/11/2014 (fls. 37-39), com a seguinte fundamentação (cfr. fls.38-39):

    Sustenta o reclamante que, quanto ao crime de dano, o prazo não corre nas férias judiciais, pelo que “ deve beneficiar do prazo mais favorável de forma a garantir-lhe todos os meios de defesa sob pena de violação do princípio da igualdade consagrado no art.º 13 n.º l e 2 da Constituição, de limitação do direito ao recurso, art.º 32 da Constituição, e não aplicação do regime mais favorável, violando o art.º 29º n.º4 da Constituição".

    A leitura da lei efetuada pelo reclamante é ilógica e violadora do que de mais básico há no processo penal: não se compreenderia que a natureza urgente dos processos por crime de violência doméstica deixasse de existir pela circunstância de nesse processo se proceder contra o arguido também por outro crime.

    O processo onde se procede pelo crime de violência doméstica tem, todo ele, natureza urgente. A correta ponderação dos interesses em causa leva a solução contrária à pretendida pelo reclamante: se no mesmo processo se procede por crime de violência doméstica e outro ilícito, o processo continua a ter a natureza urgente, ainda que não haja arguidos presos.

    Quanto às meramente alegadas violações do princípio da igualdade, limitação do direito ao recurso e não aplicação do regime mais favorável violando o art.º 29.º n.º 4 da Constituição, diremos que o reclamante não concretiza as violações ou limitações.

    Mesmo assim diremos que a qualquer arguido na posição do reclamante se aplica o mesmo direito. Depois o direito ao recurso não limitado pois não foi encurtado o respetivo prazo que se manteve nos trinta dias consagrados para todos os recorrentes.

    Finalmente a "violação" da não aplicação da lei mais favorável não existe. O reclamante não identifica a lei que não foi aplicada, pela razão simples que ela não existe, é uma mera ficção que o reclamante bem vistas as coisas explica na sua reclamação: a solução legal é uma, mas o reclamante entende que devia ser diversa.

    Sendo assim não temos sequer uma questão normativa.

    Se o reclamante pretende questionar a constitucionalidade das normas dos nºs 1 e 2 do art.º 28º da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, quando interpretadas no sentido de que os processos por crime de violência doméstica têm natureza urgente, ainda que não haja arguidos presos, ou se proceda por outro crime, não se suspendendo no período de férias judiciais o prazo de para interposição de recurso de decisões neles proferidas, por violação das garantias de defesa e do princípio da igualdade, ínsitos nos art.º.s 13.º, 20.º e 32.º da Constituição, dado o efeito prático ou indireto de encurtamento do prazo de recuso, o resultado é o mesmo.

    Como vimos o prazo de recurso é sempre o mesmo, trinta dias, art.º 411.º n.º l do Código de Processo Penal. A proceder a pretensão do reclamante é que o princípio da igualdade poderia ser vulnerado, pois o reclamante beneficiaria de prazo mais alargado do que os arguidos cujo prazo de recurso não decorresse no período de férias judiciais.

    Como o Tribunal Constitucional já teve oportunidade de dizer Acórdão n.º 158/2012, in D.R. n.º 92, Série II de 2012-05-11, não são inconstitucionais as normas do artigo 28.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, quando interpretadas no sentido de que os processos por crime de violência doméstica têm natureza urgente, ainda que não haja arguidos presos, não se suspendendo no período de férias judiciais o prazo para interposição de recurso de decisões neles proferidas.

    Nenhuma censura a fazer à decisão reclamada, que se mantém.

    Decisão:

    Indefere-se a reclamação.

    .

    E é desta decisão de indeferimento da reclamação deduzida contra a decisão da 1ª instância de não admissão de recurso interposto para o Tribunal da Relação do Porto que se recorre para o Tribunal Constitucional.

  2. Mesmo tendo o presente recurso sido admitido por despacho do tribunal “a quo” (cfr. fls. 46), com fundamento no artigo 76.º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito, pelo que se deve começar por apreciar se estão preenchidos todos os pressupostos, cumulativos, de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75.º-A e 76.º, n.º 2, da LTC.

    Se o Relator verificar que algum, ou alguns deles, não se encontram preenchidos, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC.

  3. Desde logo se verifica que o requerimento de interposição de recurso não identifica expressamente a alínea do n.º 1 do artigo 70.º da LTC ao abrigo da qual o recurso é interposto. Todavia, resultando do requerimento que o recorrente pretende recorrer de uma decisão judicial – «decisão proferida pelo Exmº Sr. Presidente do Tribunal da Relação do Porto de não admissão do recurso interposto pelo arguido» (cfr. requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, fls. 44); identificando a norma impugnada por referência a uma determinada interpretação perfilhada pelo Tribunal recorrido – «a interpretação da norma do artigo 28º, nº 1 da lei 112/2009 de 16 de Setembro, conjugada com o artigo 103º, nº 2 Do CPP. No sentido de que os prazos judiciais para interposição de recurso referentes a sentença condenatória por um crime urgente e outro não urgente, correm nas férias judiciais» (cfr. idem); alegadamente inconstitucional por violação dos princípios e direitos contidos nos artigos 13.º, números 1 e 2, 32.º, n.º 1 e 29.º, n.º 4, todos da Constituição; e referindo expressamente o recorrente ter suscitado «esta questão de constitucionalidade no âmbito da reclamação que apresentou junto do exmº sr. Presidente do Tribunal da Relação do Porto» (idem), conclui-se ter o recurso sido interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º, nos termos da qual «cabe recurso para o Tribunal Constitucional, em secção, das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo», pelo que se afigura desnecessário o exercício da faculdade prevista no artigo 75.º-A, n.º 5, da LTC com vista ao aperfeiçoamento do requerimento de recurso interposto.

    Ora, segundo jurisprudência constante do Tribunal Constitucional a admissibilidade do recurso apresentado nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC depende da verificação, cumulativa, dos seguintes requisitos: ter havido previamente lugar ao esgotamento dos...

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