Acórdão nº 117/15 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Fevereiro de 2015

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução12 de Fevereiro de 2015
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 117/2015

Processo n.º 686/12

  1. Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

  1. A A., S.A., requereu no Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa (TAF) que as sociedades B., ACE e a C., S.A., fossem intimadas a facultar-lhe certos documentos explicativos da escolha da proposta apresentada no procedimento pré-contratual de seleção de candidatos à contratação de serviços publicitários.

    O TAF de Lisboa deferiu o pedido, mas em recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul essa decisão foi revogada, com o indeferimento da requerida intimação.

    Desse aresto, foi interposto recurso excecional de revista para o Supremo Tribunal Administrativo que, por acórdão de 30 de maio de 2012, negou provimento ao mesmo, embora por fundamentos diferentes.

  2. A recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional desse acórdão, solicitando a fiscalização da constitucionalidade da interpretação normativa que foi dada aos artigos 3.º e 4.º da Lei de Acesso aos Documentos Administrativos (LADA), por violação do disposto nos artigos 20.º e 268.º, nºs 2 e 4 da Constituição da República Portuguesa (CRP), com a seguinte fundamentação:

    “A interpretação do n.º 1 do artigo 3.º da LADA veiculada no referido acórdão é a de que não são documentos administrativos os detidos por uma pessoa coletiva de direito privado constituída pela C. e por empresas 100% detidas por esta, como o B., respeitantes a um procedimento pré-contratual de contratação de serviços publicitários, para serem prestados diretamente a empresas públicas agrupadas, de entre as quais a C., desenvolvido em nome, por conta e nas condições definidas por estas empresas públicas. O despacho de indeferimento da arguição de nulidades e do pedido de reforma do STA veio manter esta interpretação com base no argumento legal de que entre o ACE supra descrito e as Empresas Públicas beneficiárias dos serviços contratados não existe um mandato com representação ou outra figura jurídica afim.

    Por sua vez, a al. b) do n.º 2 do artigo 3.º da LADA foi interpretada pelo supra referido acórdão do STA no sentido de excluir da noção de documento administrativo aqueles que são detidos por empresas públicas criadas por outras empresas públicas, como o B., com o argumento de que estas não desenvolvem um “atividade administrativa”.

    Quanto à interpretação do artigo 4º da LADA, entendeu o mesmo acórdão que a noção de empresa pública constante da al. d) do n.º 1 do artigo 4.º da LADA deve ser restritivamente interpretada no sentido de apenas abranger as empresas que diretamente emergem do Estado, das regiões autónomas ou autarquias, e não as empresas que provenham de outras empresas públicas, como o B. em relação às suas agrupadas.

    Estas interpretações padecem de inconstitucionalidade porque resultaram na denegação do direito à informação não procedimental de acesso aos registos e arquivos administrativos, consagrado no artigo 268.º n.º 2 da CRP, relativamente a um procedimento pré-contratual de montante invulgarmente vultuoso no mercado publicitário português, face ao qual se comprovaram existir indícios da prática de irregularidades que levaram à preterição da proposta da ora Recorrente. Essa denegação de informação resultou na impossibilidade da Recorrente exercer o direito de acesso aos tribunais, consagrado nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP, para tutela da sua posição jurídica e controlo jurisdicional da atuação das empresas públicas em respeito pelas limitações jurídico-públicas aplicáveis.

    A questão da inconstitucionalidade aqui em causa foi suscitada pela ora Recorrente:

    i) No artigo 13º das contra-alegações apresentadas no recurso interposto pela C. da sentença do TAC de Lisboa para o TCAS;

    ii) Nos artigos 1.º, 15.º a 17.º, 23.º e 24.º, 66.º e 67.º, e Conclusões D), G) e K), S), das alegações do recurso excecional de revista por si interposto do Acórdão do TCAS para o STA”.

  3. Após decisão sumária que não tomou conhecimento do recurso por falta de cumprimento dos pressupostos processuais, foi decidido em Conferência, através do Acórdão n.º 130/2013, ordenar o prosseguimento dos autos, tendo o objeto do recurso sido definido nos seguintes termos:

    “Impõe-se, no entanto, que se proceda desde já à delimitação do respetivo objeto. O recurso de constitucionalidade tem uma função instrumental o que exige, desde logo, que exista uma coincidência entre a norma ou normas apreciadas e o que tenha constituído ratio decidendi da decisão recorrida. Sendo certo que a recorrente integra, no seu requerimento de interposição, três questões de constitucionalidade, apenas uma delas atinge aquele que foi o fundamento normativo da decisão do Supremo Tribunal Administrativo. Esse fundamento reside, precisamente, na interpretação do artigo 4.º da Lei n.º 46/2007, mais concretamente do artigo 4.º, n.º 1, alínea d).

    Efetivamente, quanto à C. a improcedência da pretensão da requerente resultou da circunstância de não ser detentora dos documentos em causa. Não entraram aqui considerações sobre a natureza do documento ou sobre o regime jurídico ou a área de atuação da empresa.

    E quanto ao B., o acórdão começa por dizer que o pretendido acesso aos documentos requeridos depende de eles poderem ser qualificados como “documentos administrativos”. Adianta, porém, que esta qualificação não depende da natureza ou função desses documentos, mas sim da qualidade do ente que titula a respetiva posse ou detenção. Assim, essa qualificação vai depender do modo como o artigo 4.º da LADA seja interpretado de modo a abranger ou excluir uma entidade como o recorrido B.. Quanto ao n.º 1 do artigo 4.º da LADA, o Tribunal concentrou o seu esforço hermenêutico na concretização do sentido da respetiva alínea d), em moldes que vieram a desencadear a conclusão de que a mesma não abrange entidades empresariais do tipo das do recorrido.

    E, passando a apreciar se o pedido poderia caber no n.º 2 do artigo 4.º da LADA, o acórdão, embora reconhecendo que o B. é dominado por uma empresa pública – a C. - conclui que aquela entidade não foi criada para “satisfazer de um modo específico necessidades de interesse geral, sem caráter industrial ou comercial”. Porém, esta norma não é visada no presente recurso.

    Verifica-se, assim, que o acórdão recorrido interpretou o artigo 4.º, n.º 1, alínea d), da LADA, no sentido de que o conceito de empresa pública ali previsto deve ser restritivamente interpretado (em relação ao disposto no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de dezembro), abrangendo apenas aquelas que “como primeira emanação do Estado (e das regiões ou autarquias), devem seguramente incluir-se numa noção lata de administração, aqui indireta.” Ou seja, tal “não abrangerá sociedades criadas por empresas públicas (…)” (cfr. fl. 523). Pelo que, das questões de constitucionalidade enunciadas no requerimento de interposição, o recurso só pode prosseguir relativamente à norma da alínea d) do n.º 1 do artigo 4.º da LADA.

    Nestes restritos termos, com o objeto assim delimitado, a reclamação é parcialmente procedente”.

  4. Notificada para o efeito, a recorrente apresentou alegações, onde concluiu o seguinte:

  5. Os presentes autos nascem da recusa – administrativa e posteriormente jurisdicional – de uma pretensão que a Recorrente dirigiu à C. e ao B. no âmbito de um procedimento contratual jurídico-privado de “disponibilização da informação que permita conhecer as circunstâncias factuais e legais que determinaram a decisão final do procedimento de Consulta supra referido”.

  6. A Recorrente aduziu que tal informação se destinava a “escrutinar a legalidade da decisão de adjudicação, designadamente no que toca ao respeito pelos princípios de bom governo que norteiam as decisões das empresas detidas pelo Estado, como sejam os da transparência, concorrência, igualdade de oportunidades, racionalidade, economia e eficiência”.

  7. Em causa estava apurar as razões da escolha do adjudicatário da contratação de serviços no valor de 3.405.000,00 €, cuja decisão foi assim comunicada à Recorrente: “No seguimento do concurso e das vossas propostas, o B., ACE, em nome e representação das suas agrupadas C., SA, D., SA e E., SA, vem informar, pela presente, que após análise às propostas recebidas, informa-se não caber a essa empresa a respetiva adjudicação. Aproveitamos, no entanto, para agradecer a atenção dispensada ao assunto”.

  8. Tanto a C., como o B. recusaram à Recorrente o acesso à informação requerida, decisão que foi contrariada pelo Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa mas subsequentemente revertida pelo Tribunal Central Administrativo e pelo Supremo Tribunal Administrativo.

  9. O Tribunal Constitucional delimitou o objeto deste recurso à parte do acórdão recorrido (Acórdão do STA de 30.05.2012) que negou o pedido de intimação jurisdicional das Requeridas com base na interpretação de que o conceito de empresa pública previsto do artigo 4.º, n.º 1, alínea d), da LADA deve ser restritivamente interpretado em relação ao disposto no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de dezembro.

  10. Segundo interpretação restritiva veiculada pelo acórdão recorrido, a norma do artigo 4.º, n.º 1, alínea d) da LADA abrange apenas aquelas empresas púbicas que “como primeira emanação do Estado (e das regiões ou autarquias), devem seguramente incluir-se numa noção lata de administração, aqui indireta. O que já não abrangerá sociedades criadas por empresa públicas, ainda que merecedoras deste qualificativo à luz do art. 3.ºdo DL n.º 558/99, de 17/12.(cfr. fls. 523).

  11. O fundamento desta decisão é o de que as empresas públicas criadas por outras empresas públicas, e não diretamente pelo Estado, não gozam da presunção de que desenvolvem “uma atividade administrativa, ao menos «lato sensu»”, admitindo o STA que podem “perfeitamente atuar à margem de quaisquer interesses públicos, gerais ou coletivos, ficando-se por áreas de atividade indiferentes à noção geral e ampla de administração...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
8 temas prácticos
9 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT