Acórdão nº 189/15 de Tribunal Constitucional (Port, 17 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelCons. Ana Guerra Martins
Data da Resolução17 de Março de 2015
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 189/2015

Processo n.º 1096/2013

  1. Secção

Relator: Conselheira Ana Guerra Martins

Acordam, na 2ª Secção, do Tribunal Constitucional

I – Relatório

  1. Nos presentes autos, em que é recorrente A., S.A. e recorrida a Fazenda Pública, foi interposto recurso, em 4 de setembro de 2013 (fls. 514 a 515), ao abrigo do disposto nos artigos 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa (CRP) e 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional («LTC»), do acórdão proferido pelo 2.º Juízo – 2.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul, em 2 de julho 2013 (fls. 453 a 504), pretendendo que o Tribunal Constitucional aprecie:

    · “a inconstitucionalidade material da norma constante do artigo 3.º do Regulamento da Contribuição Especial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 51/95, de 20 de Março, quando interpretada, como o fez o Acórdão a quo, no sentido de que a mesma determina que seja a Recorrente o sujeito passivo onerado com o pagamento da Contribuição Especial, sem que tenha sido a Recorrente – que no caso é a titular do direito de construir em cujo nome foi concedida a licença de construção ou de obra e emitido o respetivo alvará – a usufruir do benefício especial ocasionado pela despesa pública incorrida com a obra pública que justifica o pagamento da Contribuição Especial, por violação do princípio da capacidade contributiva, ínsito no artigo 104.º da Constituição”;

    · “a inconstitucionalidade material da norma constante do artigo 2.º, n.º 1 do Regulamento quando interpretada, como o fez o Acórdão a quo, no sentido de que a mesma admite que a Contribuição Especial liquidada à Recorrente incida sobre um facto tributário que ocorreu em momento anterior à sua entrada em vigor – a saber, a mais-valia dos prédios verificada entre 01.01.1992 e 25.03.1995 –, por violação do princípio da não retroatividade da lei fiscal, previsto no artigo 103.º, n.º 3 da CRP com a redação que lhe foi conferida pela Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro (Quarta Revisão Constitucional)”;

    · “a inconstitucionalidade material decorrente da não previsão das receitas decorrentes da Contribuição Especial nos mapas orçamentais da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, e da Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro (que aprovam os Orçamentos de Estado para 2003 e 2004, respetivamente), por violação do princípio da tipicidade orçamental, previsto no artigo 105.º da CRP”.

  2. Notificada para o efeito, a recorrente produziu alegações, das quais se extraem as seguintes conclusões:

    “A. A primeira questão dos autos e que se pede a este Tribunal que aprecie é o da inconstitucionalidade material da norma de incidência subjetiva constante do artigo 3.º do Regulamento, quando interpretada, como o fez o Acórdão a quo, no sentido de que a mesma determina que seja a Recorrente o sujeito passivo onerado com o pagamento da Contribuição Especial, sem que tenha sido a Recorrente – que no caso é a titular do direito de construir em cujo nome foi concedida a licença de construção ou de obra e emitido o respetivo alvará – a usufruiu do benefício especial ocasionado pela despesa pública incorrida com a obra pública, por violação do princípio da capacidade contributiva, ínsito no artigo 104.º da Constituição.

    1. Está provado nos autos que o Imóvel teve uma espantosa valorização de 340% entre os anos de 1994 e 2000.

    2. Está também provado nos autos que esta extraordinária valorização beneficiou unicamente a anterior proprietária do Prédio, que embolsou a respetiva mais-valia decorrente da venda do Prédio à Recorrente, sem pagar qualquer contribuição Especial.

    3. Está igualmente provado nos autos que, na esfera da Recorrente, o mesmo Prédio valorizou, pelos próprios cálculos da administração tributária, um total de 2%, entre 2000 (data da aquisição) e 2003 (data em que foi requerida a licença).

    4. Ficou também provado que, em data anterior à aquisição do Prédio pela Recorrente, já haviam sido emitidos dois despachos prévios favoráveis à construção de um “Complexo Lúdico” no Prédio, o que permitiu à então proprietária incorporar no preço de venda a valorização decorrente da construção da Ponte.

    5. Não obstante, o artigo n.º 3 do Regulamento impõe à Recorrente o pagamento da Contribuição, como se tivesse sido esta a beneficiar da referida valorização.

    6. Assim, ao exigir o pagamento da Contribuição Especial ao titular do direito de construir, em nome de quem foi emitida a licença de construção (neste caso, a Recorrente), sem atender que, no caso concreto, o beneficiário com a valorização decorrente da construção da Ponte foi um terceiro, a norma de incidência viola o princípio da capacidade contributiva prevista na Constituição.

    7. O Tribunal a quo cometeu um erro cartesiano grave, ao considerar que a jurisprudência deste Tribunal Constitucional sobre a não retroatividade das Contribuições Especiais era aplicável ao caso sub judice.

      I. Com efeito, ao invés de analisar os factos como provados, e confirmar que a valorização beneficiou unicamente o anterior proprietário do Prédio, o Tribunal a quo resolveu decretar que essa valorização beneficiou a Recorrente, apenas porque o Tribunal Constitucional havia indicado, para efeitos de aferição da retroatividade, qual é o momento da valorização.

    8. Estando provado nos autos que a valorização decorrente da construção da Ponte apenas beneficiou um terceiro, é totalmente espúrio argumentar que o momento em que ocorre a valorização, para efeitos de aferição da retroatividade, é o momento da emissão da licença.

    9. São duas questões diferentes e não confundíveis: uma coisa é aferir da eventual retroatividade desta Contribuição Especial; outra coisa diferente é aferir se a Lei efetivamente exige esta Contribuição a quem efetivamente beneficiou com a valorização decorrente da construção da Ponte.

      L. De acordo com este Tribunal Constitucional, “A tributação conforme com o princípio da capacidade contributiva implicará a existência e a manutenção de uma efectiva conexão entre a prestação tributária e o pressuposto económico seleccionado para objecto do imposto”.

    10. No caso sub judice, o artigo 3.º do Regulamento impos uma tributação sem qualquer conexão entre a prestação tributária (o pagamento da Contribuição Especial) e o pressuposto económico (a valorização dos prédios rústicos e dos terrenos para construção situados nos municípios constantes do Regulamento).

    11. Decorre assim do exposto que o artigo 3º do Regulamento, quando aplicado ao presente caso, viola frontalmente o artigo 104.º da CRP.

    12. A segunda questão dos autos e que se pede a este Tribunal que aprecie é o da inconstitucionalidade material, por violação do artigo 103.º n.º 3 da CRP, da norma de incidência objetiva constante do artigo n.º 2 do Regulamento.

    13. A Contribuição Especial incide sobre um facto tributário de formação sucessiva – o aumento de valor (ou mais-valias) dos prédios – que tem início em 01.01.1992 e termina na data em que foi requerida a licença de obra ou construção.

    14. Uma vez que a Contribuição Especial entrou em vigor a 25 de Março de 1995, esta incide sobre um facto tributário sucessivo que ocorreu parcialmente em momento anterior à sua entrada em vigor, a saber, a mais-valia dos prédios verificada entre 01.01.1992 e 25.03.1995.

    15. Esta retroatividade está vedada pelo artigo 103.º n.º 3 da CRP, com a redação que lhe foi conferida pela Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro (Quarta Revisão Constitucional), que tem expressão no n.º 2 do artigo 12.º da Lei Geral Tributária.

    16. A terceira questão dos autos e que se pede a este Tribunal que aprecie é o da inconstitucionalidade material decorrente da não previsão das receitas decorrentes da Contribuição Especial nos mapas orçamentais da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, e da Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro (que aprovam os Orçamentos de Estado para 2003 e 2004, respetivamente), por violação do princípio da tipicidade orçamental, previsto no artigo 105.º da CRP.

    17. A Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, e a Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro (que aprovam os Orçamentos de Estado para 2003 e 2004, respetivamente), não fazem referência à Contribuição Especial, não estando, nos mapas próprios para o efeito, inscritas quaisquer receitas que decorram deste tributo.

    18. Em consequência, (i) a Contribuição Especial em causa é um imposto ineficaz, por não se encontrar inscrita nos orçamentos anuais relevantes e (ii) não pode ser liquidada enquanto não houver previsão orçamental específica.

      V. É, assim, forçoso concluir pela inconstitucionalidade material, por violação do princípio da tipicidade orçamental, consagrado no artigo 105.º da CRP, conforme jurisprudência do Tribunal Constitucional, o que determina a inconstitucionalidade indireta e a ilegalidade do ato de liquidação da Contribuição Especial impugnado.”

  3. Devidamente notificada para o efeito, a recorrida veio aos autos contra-alegar, de onde se extraem as seguintes conclusões:

    1. Foi o presente recurso interposto, pela ora recorrente, A., SA, do Acórdão do TCA Sul de 02/07/13, proferido nos autos de recurso nº 3862/10, o qual veio a conceder parcial provimento ao recurso jurisdicional interposto pela mesma A., com a consequente anulação da liquidação impugnada por vício de falta de fundamentação e de violação do direito de audiência e a absolvição da Fazenda Pública, quanto ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

    2. Pretende a recorrente, face ao deliberado pelo TCA Sul, que seja apreciada a interpretação e aplicação das normas constantes do art. 3º e do art. 2º nº 1 do Regulamento da Contribuição Especial, ao caso em concreto, que a recorrente considera ter sido feita com um sentido que fere os princípios constitucionais da capacidade contributiva, da não retroactividade da lei fiscal e, ainda da tipicidade orçamental.

    3. Ora, antes de mais, não se esquecendo que o presente recurso de constitucionalidade sempre visaria, a final, a obtenção dos referidos juros indemnizatórios, é certo que qualquer juízo...

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