Acórdão nº 204/15 de Tribunal Constitucional (Port, 25 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelCons. João Cura Mariano
Data da Resolução25 de Março de 2015
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 204/2015

Processo n.º 1054/14

  1. Secção

Relator: Conselheiro João Cura Mariano

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

Relatório

O Ministério Público instaurou no Tribunal do Trabalho do Porto ação declarativa de reconhecimento de existência de contrato de trabalho contra A., S.A., pedindo que fosse reconhecido que a Ré assumiu e mantém com a trabalhadora B. um verdadeiro contrato de trabalho, enquadrável no conceito definido no artigo 12.º do Código do Trabalho.

Após redistribuição dos autos ao Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Instância Central – 1.ª Secção do Trabalho – Juiz 1, foi proferido despacho em 21 de outubro de 2014, no qual, conhecendo da questão da inconstitucionalidade dos artigos 26.º, n.º 1, al. i) e n.º 6, e 186.º-K a 186.º-R do Código de Processo do Trabalho, suscitada pela Ré, se decidiu recusar a aplicação das referidas normas com fundamento na sua inconstitucionalidade e, em consequência, absolver a Ré da instância.

O Ministério Público recorreu desta decisão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:

O Ministério Público vem, ao abrigo do disposto nos arts. 70º nº 1 a), 71º nº 1, 72º nº 1 e 3, 73º, 74º, 75º nº 1, 75º-A e 76º nº 1, todos da Lei nº 28/82 de 15-11, que aprova a Lei Orgânica do Tribunal Constitucional;

interpor recurso para o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL da douta decisão que, ao abrigo do disposto no art. 204º da Constituição da República Portuguesa, recusou a aplicação das normas constantes dos art. 26º nº 1 i) e 6, 186ºK a 186ºR do Código do Processo do Trabalho, com as alterações introduzidas pelados Lei nº 63/2013 de 27-08, por violação dos princípios do Estado do Direito, da Liberdade de escolha do género do trabalho, da Igualdade, da Autonomia do Ministério Público e do Direito a um processo equitativo, recurso esse a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

O Ministério Público apresentou alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:

132. O Ministério Público interpôs recurso obrigatório, para este Tribunal Constitucional, do teor do douto despacho de fls. 387 a 396 dos presentes autos, proferido pela 1.ª Secção de Trabalho da Instância Central da Comarca do Porto, “(…) ao abrigo do disposto nos artigos 70º nº 1 a), 71º nº 1. 72º nº 1 e 3, 73º, 74º, 75º nº 1, 75º-A e 76º nº 1, todos da Lei nº 28/82 de 15/11, que aprova a Lei Orgânica do Tribunal Constitucional”.

133. O recurso tem por objeto a “(…) douta decisão que (…) recusou a aplicação das normas constantes dos art. 26º nº 1 i) e 6, 186ºK a 186ªR do Código do Processo de Trabalho, com as alterações introduzidas pela (…) Lei nº 63/2013 de 27-08”.

134. Os parâmetros constitucionais, cuja violação é invocada, são os “princípios do Estado do Direito, da Liberdade de escolha do género do trabalho, da Igualdade, da Autonomia do Ministério Público e do Direito a um processo equitativo (…)”.

135. Louvando-se a douta decisão agora impugnada, ao menos parcialmente, na argumentação expendida pelo Mm.º Juiz do Tribunal de Trabalho de Lisboa nos Processos n.ºs 2202/14.3TTLSB e 1333/14.4TTLSB (nos quais tramitam os recursos n.ºs 814/14 e 822/14 deste Tribunal Constitucional, tomámos a liberdade de reproduzir o por nós alegado nos mencionados recursos, sempre que a matéria tratada não apresentava qualquer novidade, circunscrevendo o tratamento inovatório exclusivamente às questões jurídicas que aqui mereceram apreciação original.

136. Começámos por analisar a, identificada na douta decisão recorrida, violação dos “(…) Princípios Fundamentais do Estado de Direito Democrático, da Liberdade e da Iniciativa Privada consagrados respetivamente nos arts. 2º, 27.º e 61.º da C.R.P.”.

137. O douto despacho impugnado parece pretender inferir de uma alegada restrição da liberdade contratual, imputável às normas legais acima mencionadas, a violação do Direito à Liberdade, consagrado no n.º 1, do artigo 27.º, da Constituição da República Portuguesa, e a violação da Liberdade de Iniciativa Privada, prevista no n.º 1, do artigo 61.º, da mesma Constituição, das quais decorreria, por sua vez, a ofensa ao Princípio Fundamental do Estado de Direito Democrático, plasmado no artigo 2.º do Texto Fundamental.

138. Desde logo, no que concerne ao direito à liberdade, reconhecido pelo n.º 1, do artigo 27.º, da Constituição da República Portuguesa, não nos restam quaisquer dúvidas de que o mesmo respeita à liberdade física, ou seja, à possibilidade de movimentação sem constrangimentos, sendo a suposta violação da liberdade de contratar, invocada pela Mm.ª juiz “a quo” na sua douta decisão, totalmente estranha ao bem jurídico protegido e prosseguido por tal norma constitucional, a saber, a liberdade física.

139. Também no que concerne à alegada violação da Liberdade de Iniciativa Privada, proclamada no n.º 1, do artigo 61.º, da Constituição da República Portuguesa (e, também por sua interposição, do Princípio do Estado de Direito Democrático), entendemos que a referência que lhe é feita no douto despacho recorrido se revela desadequada, uma vez que a liberdade cuja violação é imputada, na douta decisão impugnada, às normas legais nela identificadas, é alheia à problemática da alegada ofensa da liberdade de celebrar contratos de prestação de serviços.

140. Há que concluir, assim, que, não só as normas legais mencionadas não violam o direito à liberdade, reconhecido pelo n.º 1, do artigo 27.º, da Constituição da República Portuguesa, nem a liberdade de iniciativa privada, consagrada no n.º 1, do artigo 61.º, da Constituição da República Portuguesa, como, também se revelam insuscetíveis de violarem, por interposição daquelas, o Princípio do Estado de Direito Democrático, plasmado no artigo 2.º do Texto Fundamental.

141. No que respeita ao direito a um processo equitativo (e, bem assim, do direito à tutela jurisdicional efetiva que, todavia, não foi levada ao segmento decisório), não podemos, igualmente, deixar de inferir que não se verifica a violação do direito a um processo equitativo, com assento constitucional no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, tanto mais que não se vislumbra qualquer ofensa dos sub-direitos em que é possível decompor tal direito fundamental.

142. Também no que toca à alegada violação, por parte das normas legais ínsitas nos artigos 26.º, n.º 1, alínea i), e n.º 6; e 186.º-K a 186.º-R, do Código de Processo do Trabalho, do princípio da autonomia do Ministério Público, com assento no artigo 219.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, relembrámos que tal princípio tem-se definido e densificado no exercício da ação penal, função que justifica a sua consagração, enquanto garante da legalidade e da objetividade na ação do Ministério Público e, indiretamente, da promoção dos direitos de defesa dos arguidos.

143. Concluímos, assim, que atuando o Ministério Público fora do campo do processo criminal e do exercício da titularidade da ação penal, no âmbito da prossecução de interesses públicos de que, contudo, não é titular, não se verificam os motivos – ou, pelo menos, não se verificam com as mesmas acuidade e intensidade – que justificam a consagração constitucional do princípio da autonomia, quer na sua dimensão interna, quer, fundamentalmente, na sua dimensão externa.

144. Isto é, mesmo que admitíssemos, como o faz a Mm.ª Juiz “a quo”, que a atuação processual do Ministério Público, no caso vertente, se encontra absolutamente determinada pela ação da A.C.T. (premissa que, conforme já referimos, não aceitamos), ainda assim não poderíamos concluir, atenta a natureza dos interesses em confronto e o âmbito de intervenção do mesmo Ministério Público, em sede de jurisdição laboral, que o princípio da autonomia teria sido violado.

145. Todavia, este axioma, no qual se fundamenta a conclusão extraída pela Mm.ª Juiz “a quo”, a saber, o de que a “entidade administrativa é quem, em bom rigor, determina a propositura de uma ação declarativa ao Ministério Público”, ao qual “está vedada qualquer margem de apreciação da viabilidade da ação”, não só não tem qualquer correspondência na letra e no espírito da lei como, para além disso, não teve aplicação no caso presente e, ainda que o tivesse tido, tal aplicação não seria imputável à Mm.ª decisora (cuja declaração sobre esta matéria constitui mero obter dictum) mas, exclusivamente, ao Ministério Público subscritor da petição inicial, pelo que nunca poderia constituir ratio decidendi da presente decisão.

146. Em consequência, e apesar de defendermos que a douta decisão recorrida não teve oportunidade de aplicar qualquer das normas jurídicas contestadas na dimensão julgada lesante do princípio da autonomia do Ministério Público, plasmado no n.º 2, do artigo 219.º, da Constituição da República Portuguesa, não poderemos deixar de entender que, independentemente de tal consideração, não se verifica a violação do referido princípio constitucional por parte de qualquer das normas legais ínsitas nos artigos 26.º, n.º 1, alínea i), e n.º 6; e 186.º-K a 186.º-R, do Código de Processo do Trabalho.

147. Quanto aos restantes princípios constitucionais cuja arguição de violação foi aduzida pela Mm.ª Juiz “a quo”, porque reproduzem os invocados pelo Mm.º Juiz da 2.ª Secção, do 2.º Juízo, do Tribunal do Trabalho de Lisboa, nos Processos n.ºs 814/14 e 822/14 deste Tribunal Constitucional, e, por outro lado, emulam os argumentos ali apresentados, parafraseámos o por nós alegado em tais autos, nos termos que passamos a replicar.

148. A decisão impugnada, desprezando os potenciais desequilíbrios (e mesmo desigualdades) entre os contratantes-patrões e os contratantes-trabalhadores, que constituem a razão de ser do desenvolvimento do direito do trabalho enquanto ramo especial do direito privado, trata o contrato de trabalho como se de um qualquer contrato...

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