Acórdão nº 219/15 de Tribunal Constitucional (Port, 08 de Abril de 2015

Magistrado ResponsávelCons. Ana Guerra Martins
Data da Resolução08 de Abril de 2015
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 219/2015

Processo n.º 1104/2014

  1. Secção

Relator: Conselheira Ana Guerra Martins

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

  1. Relatório

  1. Nos presentes autos, em que é recorrente o Ministério Público e recorrida a A., CRL, foi interposto recurso, em 25 de setembro de 2014 (fls. 481 e 482), ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional («LTC»), do acórdão proferido pelo Tribunal de Trabalho de Lisboa, em 27 de agosto 2014 (fls. 462 a 474), que julgou inconstitucional e, por essa razão, não aplicou as normas constantes dos artigos 26.º, n.º 1, alínea i), e n.º 6, e 186.º-K a 186.º-R, todos do Código de Processo do Trabalho («CPT»), e, em consequência, absolveu a Ré da respectiva instância.

  2. Notificado para o efeito, o recorrente produziu alegações, das quais se extraem as seguintes conclusões:

    “VIII - Conclusões

  3. O Ministério Público interpôs recurso obrigatório, para este Tribunal Constitucional, do teor do douto despacho de fls. 462 a 474 dos presentes autos, proferido pela 1.ª Secção de Trabalho da Instância Central da Comarca de Lisboa, “(…) ao abrigo do disposto nos arts. 70.º, n.º 1, al. a), 72º, n.º 3, 75.º-A e 79.º da Lei 85/89, de 15 de Novembro (com as alterações introduzidas pela Lei 13-A/98, de 26 de Fevereiro (…)”.

  4. O recurso tem como objecto:

    “(…) a decisão proferida a fls. 462 e ss., a qual (…) recusou a aplicação das normas constantes da alínea i) do nº 1 e nº 4 do artigo 26º e artigos 186ºK a 186ºR todos do Código do Processo de Trabalho – com fundamento na sua inconstitucionalidade material”.

  5. Os parâmetros constitucionais da desconformidade declarada, embora não expressos no requerimento de interposição de recurso, são os invocados na douta sentença recorrida, a saber, o “Princípio Fundamental do Estado de Direito Democrático consagrado no art. 2º da C.R.P, na sua vertente do princípio da segurança jurídica e do princípio da confiança”; o “Princípio Fundamental da Liberdade de Escolha do Género de Trabalho, consagrado no art. 47º/1 da C.R.P.”; e o “Princípio Fundamental da Igualdade, consagrado no art. 13º da C.R.P.”.

  6. As conclusões sobre a inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 26.º, n.º 1, alínea i), e n.º 6; e 186.º-K a 186.º-R, do Código de Processo do Trabalho, alcançadas pelo Mm.º Juiz “a quo”, fundaram-se num argumentário ideológico de que discordamos e que contestamos, sinteticamente, nos termos que em seguida se discriminam.

  7. O Mm.º Juiz “a quo”, desprezando os potenciais desequilíbrios (e mesmo desigualdades) entre os contratantes-patrões e os contratantes-trabalhadores, que constituem a razão de ser do desenvolvimento do direito do trabalho enquanto ramo especial do direito privado, trata o contrato de trabalho como se de um qualquer contrato celebrável entre contraentes colocados no mesmo plano fáctico-jurídico - um contrato do âmbito do direito civil – se tratasse.

  8. Desvaloriza, igualmente, o Mm.º Juiz “a quo”, que, por via da regulamentação laboral estatuída, se propõe o legislador ordinário compatibilizar a liberdade contratual, corolário do princípio da autonomia privada, com o princípio da igualdade nas suas vertentes de proibição do arbítrio e de obrigação de diferenciação.

  9. Concretizando o seu pensamento, e lançando os fundamentos da decisão de não aplicação das normas dos artigos 26.º, n.º 1, alínea i), e n.º 6; e 186.º-K a 186.º-R, do Código de Processo do Trabalho, por inconstitucionalidade, defendeu, o Mm.º decisor “a quo”, que o regime legal criado por estas normas jurídicas, representa uma intromissão ilegítima do Estado numa relação jurídica de natureza absolutamente privada, impondo aos contraentes a resolução judicial de um litígio inexistente e a desnecessária conformação de interesses convergentes ou não conflituantes, sem que se verifique qualquer interesse público cuja prossecução justifique tal intervenção, o que não se aceita.

  10. Ora, contrariamente ao afirmado pelo Mm.º Juiz “a quo”, entendemos que o bloco normativo desaplicado não limita a liberdade contratual ou a autonomia das partes, uma vez que não as inibe de celebrarem quaisquer tipos de contratos, nomeadamente contratos de prestação de serviços.

  11. Para além disso, também não aceitamos que a acção especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho promove um litígio onde o conflito era inexistente e os interesses contratuais eram convergentes, uma vez que, se o nomen juris atribuído ao contrato não corresponder aos seus objecto e conteúdo, em fraude à lei, então é seguro que inexiste tal convergência de interesses e que o litígio só não é espoletado porque o contraente mais frágil se encontra económica, social e juridicamente constrangido.

  12. Contestados estes pressupostos ideológicos, contesta-se, igualmente, a consequência abusiva retirada pela douta decisão impugnada, no sentido de que a introdução, pelo legislador, de uma nova forma processual sem qualquer alteração legislativa do direito substantivo privado, constituiria uma mutação da ordem jurídica com a qual os destinatários não poderiam contar.

  13. A previsibilidade da actuação dos poderes públicos, ínsita nos princípios da segurança jurídica e da confiança, reporta-se a expectativas, legitimamente criadas pelos cidadãos, resultantes de comportamentos dos poderes públicos e não, conforme resulta do sustentado na douta decisão recorrida, do desejo privado de imutabilidade da ordem jurídica.

  14. Ora, conforme resulta, com evidente clareza, do caso sob escrutínio, nunca o Estado criou, nos cidadãos – trabalhadores ou empregadores -, qualquer expectativa de imutabilidade da ordem jurídica no tocante a meios processuais de defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores, que os levasse a prever, conformando, assim, as suas acções, que não seria criado um tipo processual que permitisse reconhecer se um contrato estabelecido entre privados, independentemente do seu nomen juris, era, ou não, um contrato de trabalho.

  15. Assim, não ocorreu, pois, qualquer alteração imprevisível da ordem jurídica nem qualquer frustração de expectativas legítimas objectivamente consolidadas e, consequentemente, não se verifica que o bloco normativo desaplicado ofenda o princípio constitucional do Estado de direito democrático, plasmado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, quer na sua vertente de princípio da segurança jurídica, quer na do princípio da confiança.

  16. Não se verifica, igualmente, a ofensa do princípio da liberdade de escolha do género de trabalho, consagrado no artigo 47.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, dado que as normas desaplicadas se revelam insusceptíveis de o violarem, uma vez que não regulam...

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