Acórdão nº 231/15 de Tribunal Constitucional (Port, 29 de Abril de 2015

Magistrado ResponsávelCons. João Pedro Caupers
Data da Resolução29 de Abril de 2015
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 231/2015

Processo n.º 53/15

  1. Secção

Relator: Conselheiro João Pedro Caupers

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório

    1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente A., foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (doravante, “LTC”), do acórdão daquele Tribunal de 29 de maio de 2014 (fls. 661-669), sucedendo-se novo recurso, desta feita interposto do acórdão do mesmo Tribunal de 11 de setembro de 2014 (fls. 682-688).

      No requerimento de interposição de recurso do acórdão de 29 de maio de 2014 lê-se, entre o mais, o seguinte:

      18. O Tribunal da Relação de Lisboa enquadrou os factos objeto dos presentes autos no âmbito do RAU, em particular, nas normas que previam a transmissão do arrendamento por morte do primitivo arrendatário e as respectivas categoriais de transmissários (cfr. artigo 85.º).

      19. O Tribunal da Relação de Lisboa decidiu com base em normas que, à data dos factos relevantes, se encontrarem revogadas pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro – cfr. artigos 60.º, n.º 1, e 65.º, n.º 2, do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU).

      20. O Tribunal da Relação de Lisboa, apesar de ciente dessa circunstância, limitou-se a concluir, em jeito de mera hipótese académica, que mesmo que se entendesse aplicável o regime da transmissão do arrendamento do NRAU a sua decisão seria idêntica.

      21. Nada mais é dito a propósito do NRAU, não sendo aduzido qualquer fundamento no sentido de justificar a não aplicação do regime em vigor aos presentes autos.

      22. A decisão do Tribunal da Relação de Lisboa vertida no Acórdão suscita três questões distintas, embora entre si conexas:

      a. Não aplicação do regime em vigor à data dos factos relevantes (o NRAU);

      b. Por consequência, a desconsideração, no caso concreto, do regime transitório especial previsto no NRAU para a transmissão por morte do direito ao arrendamento nos contratos estabelecidos antes da vigência do RAU e das alterações que as normas vigentes importaram na categoria dos transmissários – cfr. artigos 26.º, n.º 2, ex vi artigo 28.º, n.º 1, 57.º, n.º 1, alínea a), todos do NRAU.

      c. A aplicação ao caso concreto de normas revogadas à data dos factos relevantes para a verificação do efeito jurídico pretendido – transmissão do direito ao arrendamento;

      23. Questões que surgem como consequência da aplicação, no caso concreto, de uma norma ferida de inconstitucionalidade, enquanto tal determinante da invalidade do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa.

      24. Norma essa extraída por interpretação conjugada dos artigos 26.º, n.º 2, ex vi artigo 28.º, n.º 1, 57.º, n.º 1, alínea a), 59.º, n.º 1, 60.º, n.º 1, e 65.º, n.º 2, do NRAU, de acordo com a qual:

      Falecendo o primitivo arrendatário de um contrato de arrendamento – celebrado em data anterior à da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro – em data posterior a 27 de Junho de 2006, à transmissão por morte do contrato de arrendamento são aplicáveis as normas previstas no RAU, em particular o disposto no seu artigo 85.º.

      Norma que é inconstitucional por violação (i) do princípio da proteção da confiança e do princípio da segurança jurídica, ínsitos no princípio do Estado de Direito, estabelecido no artigo 2.º da Constituição, (ii) do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição, (iii) do princípio da proteção da propriedade privada, no qual se integra a tutela do direito ao arrendamento, estabelecido no artigo 62.º da Constituição e, mais genericamente, por violação (iv) do princípio do exercício da função jurisdicional pelos Tribunal e da sua sujeição à lei, consagrados nos artigos 202.º e 203.º, da Constituição.

      No requerimento de interposição de recurso do acórdão de 11 de setembro de 2014 lê-se, entre o mais, o seguinte:

      15. Sob pena de, assim, não sucedendo, o Tribunal da Relação de Lisboa estar a aplicar uma norma extraída por interpretação conjugada dos artigos 154.º, 607.º, n.ºs 2 e 3, e 663.º, n.º 2, do CPC, de acordo com a qual O Tribunal de recurso não está obrigado a observar o dever de fundamentação das suas decisões, podendo, na sua decisão, limitar-se a afirmar que ao caso não são aplicáveis as normas em vigor à data dos factos objeto dos autos e aplicar normas que, naquele momento, já se encontravam revogadas.

      Norma que é inconstitucional por violação do princípio da proteção da confiança e do princípio da segurança jurídica, ínsitos no princípio do Estado de Direito, estabelecido no artigo 2.º da Constituição, e por violação do dever de fundamentação das decisões judiciais pelos Tribunais consagrado no artigo 205.º, n.º 1, da Constituição.

    2. Pela Decisão Sumária n.º 101/2015 decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso (fls. 719-723). Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

      9. Nos termos do artigo 76.º, n.º 1, da LTC, compete ao tribunal que tiver proferido a decisão recorrida apreciar a admissão do respetivo recurso (…).

      Em qualquer dos recursos a recorrente não se limita a apresentar o requerimento de interposição de recurso, acrescentando-lhe (extensas) alegações. Ora, nos termos do artigo 78.º-A, n.º 5, da LTC, as alegações de recurso apenas devem ser apresentadas pelo recorrente após prolação de despacho do relator nesse sentido, o que não sucedeu, sendo por isso prematura a apresentação de alegações (cfr., nesse sentido, os Acórdãos n.ºs 39/99, 15/01, 61/09, e a Decisão Sumária n.º 238/2011, disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt).

      Nestes termos, não serão as mesmas consideradas, não se ordenando o desentranhamento, por não ser possível, in casu, autonomizá-las do requerimento de recurso.

      Feitos estes esclarecimentos, detenhamo-nos sobre os pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.

      Um dos requisitos de admissibilidade deste tipo de recurso é a suscitação prévia da questão de constitucionalidade cuja apreciação é requerida a este Tribunal, «em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (artigo 72.º, n.º 2, da LTC).

      Ora, relativamente ao recurso interposto do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29 de maio de 2014, era nas contra-alegações de recurso para este Tribunal que a recorrente deveria ter suscitado ou renovado a suscitação da questão que pretenderia apresentar em ulterior recurso de constitucionalidade.

      A questão erigida pela recorrente em objeto do recurso respeita a uma «norma extraída por interpretação conjugada dos artigos 26.º, n.º 2, ex vi artigo 28.º, n.º 1, 57.º, n.º 1, alínea a), 59.º, n.º 1, 60.º, n.º 1, e 65.º, n.º 2, do NRAU», alegadamente adotada naquela decisão.

      Porém, analisando aquela peça processual (fls. 583-605), verifica-se que não foi suscitada qualquer questão de constitucionalidade normativa relativa aos preceitos indicados, de modo a criar para o Tribunal da Relação um dever de se pronunciar.

      A própria recorrente admite que não o fez, argumentando, com vista à dispensa do ónus da suscitação prévia da questão de inconstitucionalidade, designadamente, que a decisão recorrida constituiu uma «decisão surpresa» e que não teve oportunidade para se pronunciar antes da decisão.

      Esta argumentação não pode, contudo, proceder. Desde logo, porque a recorrente teve oportunidade de se pronunciar nas contra-alegações, sendo este o momento adequado para suscitar a questão de constitucionalidade.

      Depois porque basta atentar no objeto do processo - estava em causa saber se a autora (recorrente) goza do direito à transmissão do arrendamento de que era titular o seu cônjuge, falecido em 1 de abril de 2007, e, em caso afirmativo, se goza igualmente do direito de preferir na alienação da fração – para concluir que era previsível que viesse a ser aplicado à situação dos autos o Regime do Arrendamento Urbano (RAU), em particular o artigo 85.º, que, aliás, tinha sido o regime aplicado pela 1.ª instância. Acresce que, contrariamente ao que a recorrente pretende fazer crer, o Tribunal não se limitou a aplicar o regime do RAU, ponderou também a aplicação do Novo Regime do Arrendamento Urbano, NRAU, concluindo que ainda que este regime fosse aplicável a recorrente não beneficiaria do regime de transmissão do arrendamento.

      Neste contexto e independentemente de saber se a questão suscitada reveste natureza normativa, não é razoável que a recorrente não tivesse antecipado a questão de constitucionalidade que depois veio suscitar e que se prende precisamente com a aplicação ao caso dos autos do artigo 85.º do RAU (com a consequente não aplicação do regime do NRAU).

      A não verificação do requisito da suscitação prévia da questão de constitucionalidade é bastante para obstar ao conhecimento do objeto do recurso.

      No que respeita ao recurso do Tribunal da Relação de Lisboa, de 11 de setembro de 2014, mais uma vez, ainda que estivesse em causa uma verdadeira norma, a mesma não integraria a ratio decidendi da decisão recorrida. Naquele aresto em momento algum se expressou o entendimento que a recorrente aponta como inconstitucional ou tão-pouco se afirmou algo de semelhante. Não se afirmou - nem se vê como se...

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