Acórdão nº 227/15 de Tribunal Constitucional (Port, 28 de Abril de 2015

Magistrado ResponsávelCons. João Pedro Caupers
Data da Resolução28 de Abril de 2015
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 227/2015

Processo n.º 269/14

  1. Secção

Relator: Conselheiro João Pedro Caupers

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I – Relatório

  1. A Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal do Trabalho de Setúbal interpôs, ao abrigo do disposto nos artigos 280.º, nº.1, alínea a), e n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP), e 70.º, n.º 1, alínea a), 72.º, n.º 1, alínea a), e n.º 3, da Lei n.º 28/82, de 15de Novembro (LTC), recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional da sentença daquele tribunal que julgou inconstitucional a interpretação conjugada das normas contidas no artigos 334.º do Código do Trabalho (doravante CT) e no artigo 481.º, n.º 2, proémio, do Código das Sociedades Comerciais (doravante CSC), «na parte em que impedem a responsabilidade solidária de sociedades com sede fora do território nacional, por créditos emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, de empregadores com as quais se encontrem em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, por violação do princípio da não discriminação em razão da nacionalidade e da igualdade de tratamento, contido no artigo 13.º, n.ºs 1 e 2, da CRP», recusando a sua aplicação (fls. 498).

  2. Também a Ré no processo decidido pelo Tribunal de Trabalho de Setúbal – A. – interpôs recurso da sentença para o Tribunal Constitucional, desta feita ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º e dos artigos 72.º, n.º 1, alínea b), 75.º, e 75º-A, todos da LTC (fls. 500-501).

  3. Não existindo razões que obstassem ao conhecimento do recurso, o relator mandou notificar para alegações (fls. 508). O que foi feito pelo Representante do Ministério Público junto deste Tribunal (fls.511 a 525), por aquela empresa (fls. 531 a 554) e por B., vencedor no processo decidido no Tribunal de Trabalho de Setúbal e beneficiário da desaplicação da norma por este considerada inconstitucional (fls.559 a 591).

  4. Nas suas alegações, o Ministério Público concluiu da seguinte forma:

    O Ministério Público interpôs recurso obrigatório, para este Tribunal Constitucional, do teor da douta sentença de fls. 463 a 491, proferida pelo Tribunal de Trabalho de Setúbal, “(…) ao abrigo do disposto nos artigos 280º nº 1, a) e nº 3 da Constituição da República Portuguesa, artigo 70º nº 1, a) da Lei nº 28/82 de 15/11 e com a legitimidade que lhe é conferida pelo artigo 72º, nº 1 a) e nº 3 da mesma Lei (…)”.

    Este recurso tem por objeto a decisão “(…) que julgou inconstitucional a conjugação das normas contidas nos artºs 334º do Código do Trabalho e artº 481º nº 2, proémio, do Código das Sociedades Comerciais, (na parte em que impedem a responsabilidade solidária de sociedades com sede fora do território nacional, por créditos emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, de empregadores com as quais se encontrem em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo(…) ”.

    O fundamento declarado é o da “(…) violação do princípio da não discriminação em razão da nacionalidade e da igualdade de tratamento, contido no artº 13º nºs 1 e 2 da Constituição (…)”.

    A interpretação normativa desaplicada – a resultante da conjugação entre o artigo 334.º do Código do Trabalho e o proémio do n.º 2, do artigo 481.º, do Código das Sociedades Comerciais – cria um distinto regime de garantias creditícias laborais conforme os trabalhadores estabeleçam uma relação com um empregador coligado com uma sociedade sediada em Portugal ou com um empregador coligado com uma sociedade sediada fora de Portugal.

    Este tratamento diferenciado é, em primeira linha, penalizador dos trabalhadores que estabeleçam a sua relação laboral com um empregador dominado por uma sociedade não sediada em Portugal, os quais - distintamente dos que estabeleçam relação laboral com empregador dominado por uma sociedade sediada em Portugal – se encontram (na interpretação legal adotada pelo tribunal “a quo”) impossibilitados de responsabilizarem as sociedades dominantes dos seus empregadores pelo pagamento dos créditos emergentes das relações laborais, com estes, estabelecidas.

    Isto é, sem que invoque um motivo racional atendível, omisso nos trabalhos preparatórios, o legislador ordinário estabelece uma discriminação intolerável entre trabalhadores postados em situações substantivamente idênticas, desprotegendo, infundadamente, aqueles que, por força de uma circunstância que não controlam e que, eventualmente, podem desconhecer, contratem com um empregador dominado por sociedade sediada fora de Portugal.

    Ou seja, a interpretação normativa desaplicada - a resultante da conjugação entre o artigo 334.º do Código do Trabalho e o proémio do n.º 2, do artigo 481.º, do Código das Sociedades Comerciais, na parte em que impede a responsabilidade solidária de sociedades com sede fora do território nacional, por créditos emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, de empregadores com as quais se encontrem em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo -, é violadora do princípio da igualdade, plasmado no n.º 1 do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.

    Acresce que, no domínio da responsabilidade por créditos emergentes de contrato de trabalho, da sua violação ou da sua cessação, o legislador ordinário também trata de forma arbitrária as sociedades empregadoras entre si – conforme sejam dominadas por sociedades com sede em Portugal ou no estrangeiro – e, bem assim, as sociedades dominantes – conforme tenham, ou não, sede em Portugal.

    Esta diferença de tratamento, que beneficia, flagrante e intoleravelmente, as sociedades dominantes com sede fora de Portugal e prejudica as sociedades dominadas coligadas com estas, não resulta de qualquer fundamento que, racional e proporcionalmente, justifique tal desigualdade regulatória.

    Ou seja, também nesta ótica, se nos afigura que a interpretação normativa desaplicada se perspetiva como violadora do princípio da igualdade, plasmado no n.º 1 do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.

    Em face do exposto, deverá ser julgada materialmente inconstitucional a interpretação normativa resultante da conjugação das normas contidas nos artigos 334.º do Código do Trabalho e 481.º n.º 2, proémio, do Código das Sociedades Comerciais, na parte em que impede a responsabilidade solidária de sociedades com sede fora do território nacional, por créditos emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, de empregadores com as quais se encontrem em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, por violação do princípio da igualdade, plasmado no artigo 13.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, negando-se, em consequência, provimento ao presente recurso.

    Nos termos do acabado de explanar, deverá o Tribunal Constitucional julgar materialmente inconstitucional a interpretação normativa sob escrutínio, negando provimento ao presente recurso, assim fazendo a costumada JUSTIÇA.

  5. A., pelo seu lado, nas suas alegações sustentou, em conclusão:

    a) No caso dos autos, o Recorrido veio peticionar o pagamento de alegados créditos laborais decorrentes da cessação do contrato de trabalho que teria celebrado com a C., Lda., a qual foi declarada insolvente, com a qual a Apelante tinha uma relação de domínio.

    b) Para além de contestar a natureza laboral da relação estabelecida entre o Recorrido e a C., Lda. e dos invocados créditos, a Recorrente defendeu-se invocando a exceção constante do número 2 do artigo 481º do CSC, já que tem sede na Alemanha.

    c) O tribunal a quo recusou a aplicação do preceito resultante da conjugação das normas contidas nos artigos 334.º do CT e 481.º, n.º 2, proémio, do CSC, na parte em que impede a responsabilidade solidária de sociedades com sede fora do território nacional, por créditos emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, de empregadores com as quais se encontrem em relação de domínio ou de grupo, por considerar encontrar-se violado o princípio da não discriminação em razão da nacionalidade, previsto no artigo 12.º do Tratado de Roma, e da igualdade de tratamento, contido nos números 1 e 2 do artigo 1 3.º da CRP.

    d) Não pode, no entanto, a Recorrente conformar-se com esta decisão, porquanto, independentemente da bondade ou justiça da norma contida no proémio do número 2 do artigo 418.º do Código das Sociedades Comerciais, questão diferente será a da sua compatibilidade com a Constituição da República Portuguesa.

    e) Para que uma determinada ato seja considerado inconstitucional, é necessário que se verifique um defeito ou uma deformidade nos pressupostos ou elementos do ato, gerada pela desconformidade deste com um parâmetro constitucional.

    f) Para aferir se em determinada situação se encontra violado o princípio da igualdade, haverá que ter em conta a sua dupla vertente, traduzida no brocardo habitualmente utilizado segundo o qual se deve “tratar de forma igual o que é igual, e de forma diferente o que é diferente”.

    g) A vinculação jurídico-material do legislador ao princípio da igualdade não elimina a sua liberdade de conformação legislativa, já que apenas ao legislador caberá, dentro dos limites constitucionais, definir ou qualificar as situações que devem funcionar como elementos de referência a tratar de forma igual ou desigual.

    h) No caso que para efeitos dos presentes autos releva, não se verifica qualquer violação do princípio da igualdade, porquanto não estão em causa situações comparáveis que se possam considerar como iguais.

    i) Tendo como ponto de partida para esta comparação duas situações em que numa delas um grupo societário tem a sua sociedade-mãe situada em Portugal, e na outra um grupo semelhante tem a sua sociedade-mãe situada fora do território português, não se podem considerar tais situações como iguais, desde logo porque o ordenamento jurídico aplicável a ambas as sociedades-mãe é distinto.

    j) O regime regra do direito português é o da...

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