Acórdão nº 292/15 de Tribunal Constitucional (Port, 20 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução20 de Maio de 2015
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 292/2015

Processo n.º 990/14

  1. Secção

Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

  1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), em que é reclamante A., S.A. e reclamados Centro Hospitalar de Lisboa, EPE e B., S.A., a primeira vem reclamar, ao abrigo do artigo 76.º, n.º 4, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), do despacho proferido em 2/10/2014 pelo TCAS, que não admitiu recurso para o Tribunal Constitucional interposto pela ora reclamante.

  2. A ora reclamante A., S.A. interpôs, em 16/05/2014, recurso para o TCAS do acórdão proferido em 9 de abril de 2014 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, relativo a Processo de Contencioso Pré-Contratual, tendo o TCAS, por acórdão datado de 29/08/2014 (cfr. fls. 8-19), julgado improcedente o recurso então interposto, confirmando o Acórdão proferido em 1ª Instância.

  3. Desse Acórdão do TCAS foi interposto recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da LTC (cfr. fls. 20-21), em requerimento remetido ao TCAS em 26/09/2014 (cfr. fls. 22).

  4. Por despacho datado de 2/10/2014, o TCAS não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional, com base nos seguintes fundamentos (cfr. fls. 23-verso):

    Não admito o recurso interposto para o Tribunal Constitucional por se encontrar ultrapassado o prazo de 10 dias referido no art.º 75/1 da Lei do TC.

    .

  5. Inconformada com o teor de tal despacho A., S.A. reclamou, em 10/10/2014, para o Tribunal Constitucional. É do seguinte teor a reclamação apresentada (cfr. fls. 3-6):

    A., S.A., Recorrente no processo que corre termos no 2.° Juízo da 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul sob o n.º 11412/14, tendo sido notificada, no passado dia 6 de outubro, do Despacho através do qual "não [se] admit[iu] o recurso interposto para o Tribunal Constitucional por se encontrar ultrapassado o prazo de 10 dias referido no art.º75.°/1 da Lei do TC", vem, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro) apresentar

    RECLAMAÇÃO PARA O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL,

    o que faz nos termos o com os fundamentos seguintes:

    1.º

    Através do Acórdão de 29 de agosto de 2014, veio o Tribunal Central Administrativo Sul "julgar improcedente o Recurso Jurisdicional" que havia sido interposto pela ora Reclamante, no âmbito do processo n.º 11412/14, em que é Recorrido o CENTRO HOSPITALAR DE LISBOA CENTRAL, E.P.E e contrainteressada a B., S.A. (cfr. Doc. n.º 1).

    2.º

    Remetido por ofício datado de 1 de setembro de 2014, o referido Acórdão foi recebido pela ora Reclamante em 2 de setembro de 2014.

    3.º

    Deste Acórdão veio a ora Reclamante interpor Recurso de Fiscalização Concreta para o Tribunal Constitucional nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.° da LOFPTC, apresentando, para o efeito, Requerimento de Interposição de Recurso junto do Tribunal Central Administrativo, no qual poderão ser conferidas as razões da interposição de tal Recurso, e às quais não cabe por agora retomar (cfr. Doc. n.º 2).

    4.º

    Tal Requerimento foi enviado à Secretaria do Tribunal Central Administrativo Sul, através de mensagem de correio eletrónico, no passado dia 26 de setembro de 2014 (cfr. Doc. n.º 3).

    5.º

    No passado dia 6 de outubro de 2014, foi a ora reclamante notificada do Despacho do Tribunal Central Administrativo Sul através do qual se decidiu "não [se] admit[r] o recurso interposto para o Tribunal Constitucional por se encontrar ultrapassado o prazo de 10 dias referido no art.º 75.°/1 da Lei do TC" (cfr. Doc. n.º 4).

    6.º

    Decisão que encerra, porém, um patente erro na determinação do modo de contagem do referido prazo de 10 dias.

    7.º

    Com efeito, parece à partida claro que entre o dia 2 de setembro de 2014 (data da notificação do Acórdão Recorrido) e o dia 26 de setembro de 2014 (data de apresentação do Requerimento de Interposição de Recurso) se compreende um lapso temporal superior aos 10 dias fixados no n.º 1 do artigo 75.° da LOFPTC.

    Este raciocínio - que parece ter estado na base do Despacho objeto da presente Reclamação - encerra, no entanto, uma evidente falha na determinação do termo a quo do referido prazo de 10 dias.

    9.°

    Na verdade, o Despacho não levou em linha de conta a necessidade de conjugar a leitura do n.º 1 do artigo 75.° com os n.ºs 2 e 4 do artigo 70.°, todos da LOFPTC.

    10.°

    Como se retira da jurisprudência do Tribunal Constitucional desde a alteração à LOFPTC promovida pela Lei n.º 13-A/98, de 28 de fevereiro, a conjugação daqueles normativos implica que, nas hipóteses de recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.° da LOFPIC - como é o caso do que se interpôs perante o Tribunal Central Administrativo Sul (cfr. Doc.. n.º 2) -, o prazo de 10 dias apenas se inicie a partir do momento em que já tenham "sido esgotados todos os [recursos ordinários] que no caso caibam" (cfr. n.º 2 do artigo 70.° da LOFPIC).

    11.º

    No entanto, este esgotamento não implica a efetiva utilização de todas as vias de recurso abstratamente possíveis, já que, como refere o n.º 4 do artigo 70.° da LOFTC, "entende-se que se acham esgotados todos os recursos ordinários, nos termos do n.º 2, quando tenha havido renúncia, haja decorrido o respetivo prazo sem a sua interposição ou os recursos interpostos não possam ter seguimento por razões de ordem processual" (sublinhado nosso).

    12.º

    A exata compreensão da articulação de todos estes normativos pode fazer-se com apelo às palavras do próprio Tribunal Constitucional, retiradas do Acórdão n.º 112/04, de 13 de fevereiro de 2004 (Proc. n.º 18/04):

    “A Lei n.º 13-A/98, de 28 de Fevereiro, veio resolver uma divergência jurisprudencial quanto ao sentido do "esgotamento dos recursos ordinários". Para uma posição (cfr. ac. n° 8/88, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11° vol., 1988, pp. 1065 e segs.) esse pressuposto do recurso de constitucionalidade não impunha a efetiva utilização de todos os recursos previstos na lei: consideravam-se esgotados todos os recursos ordinários também quanto já não pudesse interpor-se o recurso ordinário por ter havido renúncia, por ter decorrido o respetivo prazo sem a sua interposição ou quando não pudessem tais recursos ter seguimento por razões de ordem processual. Para a outra corrente (cfr. Ac. n.º 282/95, in Diário da República, II Série, de 24 de Maio de 1996), tal pressuposto impedia, nas hipóteses a que tinha aplicação, que se interpusesse recurso de constitucionalidade de decisões relativamente às quais estivesse previsto na lei recurso ordinário. O legislador optou por aquele primeiro sentido.

    Ora, esta solução implica - não de um ponto de vista puramente lógico, mas para que a opção legislativa tenha efeitos práticos e porque só assim cobra sentido face aos antecedentes de que historicamente emergiu - que o termo inicial do prazo de recurso de constitucionalidade seja diferido para o momento em que ocorre o evento que a lei fez equivaler ao esgotamento dos recursos ordinários." (sublinhados nossos).

    13.º

    Daqui resulta, com clareza, que o termo inicial do prazo de 10 dias fixado no n.º 1 do artigo 75.º da LOFPTC não é, necessariamente, o da notificação da decisão recorrida.

    14.º

    Nas hipóteses em que, abstratamente, tais decisões sejam ainda suscetíveis de recurso ordinário, tal prazo apenas se inicia a partir do momento em que se ache esgotado o prazo para a interposição de tais recursos (cfr. exatamente neste sentido, LOPES DO REGO, Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na jurisprudência do Tribunal Constitucional, Coimbra: Almedina, 2010, p. 191).

    15.º

    Ora, da decisão do TCA Sul notificada à ora Reclamante no passado dia 2 de setembro de 2014 caberia ainda recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do artigo 150.° do CPT A, recurso que, apesar do seu caráter especial, apresenta natureza ordinária.

    16.°

    Na medida em que o Recurso Jurisdicional que corre termos no TCA Sul tem na sua base uma ação de contencioso pré-contratual, o prazo para a interposição do referido recurso de revista para o STA seria de 15 dias, contados desde a data da notificação do acórdão recorrido (cfr. n.º 1 do artigo 36.° e artigo 147.° do CITA).

    17.º

    O que significa que, na realidade, o prazo de 10 dias fixado no n.º 1 do artigo 75.° da LOFITC apenas se iniciou, in casu, no dia 18 de setembro de 2014, isto é, apenas após o decurso do prazo de 15 dias no qual poderia ter sido interposto recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo.

    18.º

    Nesta medida, tendo o Requerimento de Interposição de Recurso de Fiscalização Concreta da Constitucionalidade sido apresentado, junto do Tribunal Central Administrativo, no dia 26 de setembro de 2014, não restam dúvidas quanto à sua tempestividade: este dia corresponde ao 9.° dia do prazo de 10 dias de que a ora Reclamante dispunha para a interposição do referido Recurso.

    Nestes termos, peticiona-se a V. Exas. que:

    (i) Revoguem o Despacho do Tribunal Central Administrativo Sul que não admitiu o Recurso de Fiscalização Concreta da Constitucionalidade interposto pela ora Reclamante; e

    (ii) Por consequência, admitam o referido Recurso, procedendo à abertura do respetivo processo de fiscalização concreta no Tribunal Constitucional.

    .

  6. Neste Tribunal, os autos foram com vista ao Ministério Público, que se pronunciou no sentido do indeferimento da reclamação (cfr. fls. 56-57).

  7. Tendo em conta o disposto no artigo 77, n.º 4, da LTC, foi ainda a recorrente convidada a pronunciar-se, querendo, sobre a possibilidade de não conhecimento do objeto do recurso por não estarem preenchidos os pressupostos cumulativos de que depende a sua admissibilidade (cfr. fls. 60 a 61), tendo apresentado a seguinte resposta (cfr. fls...

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