Acórdão nº 280/15 de Tribunal Constitucional (Port, 20 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelCons. Carlos Fernandes Cadilha
Data da Resolução20 de Maio de 2015
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 280/2015

Processo n.º 1025/2014

  1. Secção

Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

  1. Declarada a insolvência de A., Lda., foi aberto o respetivo incidente de qualificação da insolvência, com caráter pleno, nos termos do artigo 188.º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE).

    O administrador da insolvência emitiu parecer no sentido da qualificação da insolvência como culposa, na pessoa dos sócios e gerentes da insolvente, aí identificados, tendo o requerido B., entre outros, deduzido oposição e requerido, a final, a qualificação da insolvência como fortuita.

    Saneados os autos e condensada a respetiva matéria de facto, com seleção dos factos assentes e elaboração da base instrutória, procedeu-se à realização da audiência de julgamento, que culminou com a prolação de sentença em que, além do mais, se qualificou a insolvência como culposa, considerando afetados por essa qualificação os requeridos C. e B.. Em consequência, decretou-se a sua inibição para a administração do património de terceiros, para o exercício do comércio, ocupação de qualquer cargo de titular de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa, pelo período de 2 anos, e determinou-se a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos pelos mesmos, condenando-os, ainda, na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos.

    O requerido B., inconformado, interpôs recurso da referida sentença para o Tribunal da Relação do Porto, que foi admitido pelo tribunal a quo.

    Subidos os autos ao Tribunal da Relação, foi proferido despacho pelo relator a ordenar a sua devolução à primeira instância, a fim de ser fixado valor à causa, nos termos do artigo 306º do Código de Processo Civil.

    Em cumprimento do determinado, foi proferida a seguinte decisão:

    Atento o disposto no n.º 1, do art. 304.°, do novo C.P.C., que corresponde ao art. 313.°, do anterior C.P.C., aplicável ex vi do art. 17.° do C.I.R.E., o valor do presente incidente em princípio seria o da causa principal, ou seja o valor do processo de insolvência.

    Ora, o valor da ação principal de insolvência, atento o disposto no art. 15.° do CIRE e o que resulta do apenso de liquidação, foi corrigido para € 4.400,OO - cfr. n.° 4 do art. 299.° do novo C.P.C.

    O que obstava à admissibilidade do recurso - cfr. art. 629.°, n.° 1, do C.P.C. Sucede que, a nosso ver, e à semelhança do que já foi decidido no que respeita ao incidente de exoneração do passivo restante (no acórdão do Tribunal Constitucional n.° 328/2012 (DR, 11 Série, n.º222, de 16-11-2012), entendemos que será de recusar a aplicação da norma do artigo 15.° do CIRE, também relativamente à determinação do valor do incidente de qualificação de insolvência, por infringir o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.° da Constituição da República e ser, por isso, inconstitucional.

    O valor do incidente de qualificação de insolvência é, nos termos do artigo 305.°, n.° 1 e 296.°, n.° 1, ambos do novo Código de Processo Civil, determinado de acordo com o valor dos interesses em causa, ou seja, em nosso entender: os interesses imateriais, dado que o objeto do presente incidente não tem valor pecuniário, visa realizar um interesse não patrimonial (a punição daqueles que dolosamente criaram ou agravaram a situação de insolvência), ou seja, o valor do presente incidente deve ser fixado nos termos previstos no art. 303.°, n.°1, do novo C.P.C.

    Ao eleger-se o critério do ativo (que é o critério do art. 15.° do CIRE), sem ligação com os va1ores em jogo neste incidente, o critério torna-se, por isso, arbitrário e pode colocar, como é o caso dos autos, em situação diversa, quanto à utilização do direito ao recurso, situações materialmente iguais, como é o caso de dois afetados com a insolvência cujo passivo seja semelhante, mas o ativo de um seja superior ao valor da alçada do tribunal de 1.ª instância e o outro seja inferior.

    É nesta dimensão que ocorre a infração ao princípio da igualdade consagrado no artigo 13.° da Constituição da República, onde se proclama, no seu n.º1, que «Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei» (…).».

    Cumpre, por conseguinte, recusar a aplicação da norma do artigo 15.° do CIRE relativamente à determinação do valor do incidente de qualificação de insolvência, por infringir o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.° da Constituição da República e ser, por isso, inconstitucional.

    Assim sendo, fixo como valor do presente incidente: € 30.001,00 — cfr. art. 303.°, n.°1, do novo C.P.C., aplicável ex vi do art. 17.° do C.I.R.E.

    O Ministério Público interpôs recurso obrigatório desta decisão, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), que foi admitido pelo Tribunal recorrido.

    O recurso prosseguiu para alegações, tendo o Ministério Público concluído no sentido de que se deverá julgar inconstitucional «a norma extraída do artigo 15.º do Código da insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março, interpretada no sentido de que, no recurso de decisões proferidas no incidente de qualificação da insolvência, o valor da causa para efeitos de relação com a alçada do tribunal de que se recorre é determinado pelo ativo do devedor, por violação do princípio da igualdade, consagrado no n.º 1 do artigo 13.º da Constituição».

    Os recorridos, notificados para o efeito, não contra-alegaram.

    Cumpre apreciar e decidir.

    Objeto do recurso

  2. O Ministério Público integrou no objeto do recurso «a norma extraída do artigo 15.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março, interpretada no sentido de que, no recurso de decisões proferidas no incidente de qualificação da insolvência, o valor da causa para efeitos de relação com a alçada do tribunal de que se recorre é determinado pelo ativo do devedor».

    Indicou, pois, como fonte legal da interpretação sindicada, apenas a norma do artigo 15.º do CIRE, que atribui à ação de insolvência, para efeitos processuais, o valor do ativo do devedor.

    Contudo, analisando o teor da decisão recorrida, que foi proferida num incidente do processo de insolvência, verifica-se que a interpretação cuja aplicação foi recusada, com fundamento em inconstitucionalidade, assenta, ainda que de forma implícita, não apenas na norma do artigo 15.º do CIRE, mas também na primeira parte da norma do artigo 304.º do CPC, que estabelece a regra geral de que o valor dos incidentes é o da causa a que respeitam, e no n.º 1 do artigo 629.º deste último código, que fixa como critério de recorribilidade o valor da causa, na sua relação com a alçada do tribunal de que se recorre.

    Justifica-se, por isso, incluir no objeto do recurso o conjunto de preceitos legais, acima indicado, de que o Tribunal recorrido efetivamente extraiu a interpretação que julgou inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, de modo a fazê-lo coincidir inteiramente com o objeto normativo da decisão de recusa, de que vem interposto o presente recurso obrigatório.

    Incidente de qualificação da insolvência: os efeitos substantivos da qualificação da insolvência como culposa

  3. Havendo indícios de que a situação de insolvência tenha sido criada ou agravada em consequência da atuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência (artigo 186.º, n.º 1, do CIRE), a lei prevê a abertura de incidente tendente a verificar se estão reunidos os pressupostos de facto e de direito da qualificação da insolvência como culposa, matéria que é essencialmente disciplinada por recurso a mecanismos de presunção legal de culpa, que assume caráter absoluto nas situações (mais graves) previstas no n.º 2 do artigo 186.º do CIRE e caráter relativo nos casos contemplados no n.º 3 do mesmo preceito legal.

    O incidente de qualificação da insolvência pode ser declarado aberto pelo juiz, logo no momento da prolação da sentença de declaração da insolvência (artigo 36.º, n.º 1, alínea i), do CIRE), ou posteriormente, por iniciativa do administrador da insolvência ou de qualquer interessado (artigos 188.º, n.º 1, e 191.º, n.º 1, do CIRE). E aplica-se mesmo nas situações em que, inicialmente ou no decurso do processo, se conclua pela...

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