Decisões Sumárias nº 315/15 de Tribunal Constitucional (Port, 18 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução18 de Maio de 2015
EmissorTribunal Constitucional (Port

DECISÃO SUMÁRIA N.º 315/2015

Processo n.º 919/14 3.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

I - Relatório

  1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal de Trabalho de Lisboa, em que é recorrente o Ministério Público e recorrida A., S.A., foi interposto recurso, ao abrigo do disposto no n.º 1, alínea a), do artigo 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), do despacho proferido em 20 de fevereiro de 2014 (cfr. fls. 269-272) que, concluindo pela tempestividade do pedido de revisão de incapacidade formulado pelo sinistrado, manteve o agendamento do exame de revisão, assim formulado (cfr. requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade, fls. 299):

    O Magistrado do Ministério Público vem, aos autos emergentes de acidente de trabalho em epígrafe e em que é sinistrado B. e responsável a "A. S.A.", ao abrigo do disposto nos artigos 70°, n° 1, alínea a) e 72°, n° 1, alínea a) e n° 3, ambos da Lei n° 28/82, de 15 de Novembro, interpor recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional do douto despacho de fls. 269 e segs. que decidiu da não aplicação da norma do n° 2 da Base XXII da Lei n° 2.127, com fundamento na sua inconstitucionalidade por «não deve[r] manter-se uma interpretação restritiva (…) que impeça a reavaliação da incapacidade para situações anteriores à data de entrada em vigor da Lei n° 98/2009, estando em causa o princípio da igualdade».

    Requer, pois, se digne admitir o recurso e fixar-lhe os efeitos e regime de subida, cfr. artigos 76.º e 78.º da referida Lei 28/82.

    As alegações de recurso serão apresentadas pelo Ministério Público junto do Tribunal Constitucional.

    .

  2. Resulta dos autos, com interesse para o caso sub judice, que:

    1. Na presente ação emergente de acidente de trabalho, o sinistrado B., patrocinado oficiosamente pelo Ministério Público, requereu, em 20 de novembro de 2013, a revisão da incapacidade parcial permanente que lhe havia sido fixada desde 15 de maio de 2000, data da alta conferida pelos serviços clínicos da A. Portugal, alegando o agravamento da sua situação clínica.

    2. A Seguradora responsável opôs-se, alegando a extemporaneidade do pedido, por já terem decorrido 10 anos desde a data da fixação da pensão, por aplicação do disposto no n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, de 3 de agosto de 1965.

    3. O Ministério Público pronunciou-se no sentido do deferimento do pedido de revisão, por entender «(…) na senda (…) de Jurisprudência firmada, que tendo a Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro abolido qualquer limite temporal ao direito à revisão das prestações das vítimas de acidentes de trabalho, o que a torna mais conforme com a norma do art.º 59.º, n.º 1 al. f) da Constituição que consagra o direito a uma justa reparação por parte das vítimas de acidentes de trabalho ou doença profissional (…), não é de manter uma interpretação restritiva da referida norma que impeça a reavaliação da incapacidade para as situações anteriores à data da sua entrada em vigor» (cfr. fls. 268).

    4. O Juiz do Tribunal do Trabalho de Lisboa, em 20/02/2014, assim decidiu (fls. 269-272):

    Resulta dos autos que:

    1.º O sinistrado sofreu o acidente dos autos em 15 de Maio de 1999;

    2.º A data da alta clínica foi fixada em 15 de Maio de 2000;

    3.º Por decisão proferida em 6 de Dezembro de 2001 ao sinistrado foi atribuída uma IPP de 22,5% desde a data da alta.

    4.º O requerimento em análise deu entrada em juízo no dia 20 de Novembro de 2013;

    Considerando a data do acidente, é aplicável no caso vertente a Lei n.º 2127, de 3 de agosto de 1965, uma vez que tanto a Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, como a Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro dispõem que apenas são aplicáveis aos acidentes ocorridos após 1 de Janeiro de 2000 e 1 de Janeiro de 2010 (art.º 41.º, n.º 1, al. a) da Lei n.º 100/97, conjugado com o art.º 71.º do D.L. n.º 143/99, de 30 de Janeiro e art° 1° do D.L. n" 382-A/99, de 22 de Setembro e art.ºs 187.º, n.º 1 e 188.º da Lei n.º 98/2009).

    Dispõe o n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127 que a revisão só poderá ser requerida dentro dos dez anos posteriores à data da fixação da pensão.

    A Constituição da República, desde a revisão de 1997, inclui entre os direitos dos trabalhadores reconhecidos no art.º 59.º o direito à assistência e justa reparação, quando vítimas de acidentes de trabalho ou doença profissional (n.º 1, al. f).

    O Tribunal Constitucional foi chamado, por diversas vezes, a pronunciar-se sobre a conformidade da norma contida no citado n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127 com a referida norma constitucional e com o princípio da igualdade consagrado no art.º 13.º, tendo em conta o preceituado pelo n.º 3 relativamente às doenças profissionais de caráter evolutivo e ao disposto pelo art.º 567.º, n.º 2 do CC, relativamente à alteração das circunstâncias no que concerne a danos futuros (em relação à fixação inicial) em casos de indemnização por responsabilidade civil fixada em renda.

    O Acórdão do TC n.º 147/2006 julgou inconstitucional, por violação do direito do trabalhador à justa reparação consagrado no art.º 59.º, n.º 1, al. f) da CRP, a norma do n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, de 03/08/1965, interpretada no sentido de consagrar um prazo absolutamente preclusivo de 10 anos, contado a partir da data da fixação inicial da pensão, para a revisão da pensão devida ao sinistrado por acidente de trabalho, com fundamento em agravamento superveniente das lesões sofridas, nos casos em que desde a fixação inicial da pensão e o termo desse prazo de 10 anos tenham ocorrido atualizações da pensão, por se ter dado como provado o agravamento das lesões sofridas pelo sinistrado.

    Em sentido coincidente foi a decisão tomada no Acórdão do TC n.º 161/2009 relativamente a casos em que tendo sido, ao abrigo da Base IX da mesma lei, judicialmente determinado à entidade responsável a prestação de uma intervenção cirúrgica para além daquele prazo, o sinistrado invoque agravamento da situação clínica derivado dessa intervenção.

    Igual posição foi assumida nos Acórdãos do TC n.º 52/2007 e nas decisões sumárias n.ºs 390/2008, 470/2008 e 36/2009.

    O tribunal também adota este entendimento sobre a inconstitucionalidade da norma que limita temporalmente o pedido de revisão das prestações fixadas, pelas razões invocadas pelo Tribunal Constitucional quanto à justa reparação imposta pela Constituição às vítimas de acidente de trabalho.

    Por outro lado, também constitui motivo de reflexão, a nova alteração inserida nesta matéria pela Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro que, no seu art.º 70.º, veio extinguir o limite dos 10 anos para que as vítimas de acidentes de trabalho possam requerer o obter as revisões das suas prestações.

    Assim, face a esta alteração legislativa e à anterior jurisprudência do tribunal constitucional supra citada, acolhe-se o entendimento de que não deve manter-se uma interpretação restritiva do n.º 2 da Base XXII, da Lei n.º 2127, que impeça a reavaliação da incapacidade para as situações anteriores à data da entrada em vigor da Lei n.º 98/2009, estando em causa o princípio da igualdade.

    Face ao exposto, conclui-se pela tempestividade do pedido de revisão de incapacidade formulado pelo sinistrado.

    Consequentemente, mantenho o agendamento do exame de revisão a que alude o art.º 145.º do CPT.

    .

  3. É deste despacho que se recorre nos presentes autos.

    Cumpre apreciar e decidir.

    II - Fundamentação

  4. O presente recurso foi interposto ao abrigo da alínea a), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, estando a sua admissibilidade dependente da verificação de dois pressupostos: i) que a decisão recorrida tenha recusado efetivamente a aplicação de certa norma ou interpretação normativa, relevante para a resolução do caso; e ii) que tal desaplicação normativa se funde num juízo de inconstitucionalidade do regime jurídico nela estabelecido.

    Tem sido entendido pela jurisprudência do Tribunal Constitucional que, neste tipo de recurso, só são passíveis de recurso as decisões em que o tribunal a quo tenha recusado efetivamente a aplicação de uma norma com fundamento na respetiva inconstitucionalidade.

    Desde logo, a apreciação dos pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade interposto nos termos do artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da LTC – feita a partir do requerimento de interposição de recurso – não prescinde do confronto do requerido ao Tribunal Constitucional com o teor da decisão judicial recorrida. Do mesmo passo, a delimitação do objeto do recurso parte da análise do requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, no confronto com a decisão judicial recorrida.

    De acordo com o teor do requerimento de interposição de recurso in casu, obrigatório para o Ministério Público - é recorrido o despacho do Tribunal do Trabalho de Lisboa «(…) que decidiu da...

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