Decisões Sumárias nº 372/15 de Tribunal Constitucional (Port, 03 de Junho de 2015

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução03 de Junho de 2015
EmissorTribunal Constitucional (Port

DECISÃO SUMÁRIA N.º 372/2015

Processo n.º 517/15

  1. Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Recorrente: Ministério Público

Recorrida: A., Lda.

  1. Relatório

  1. A sociedade A., Lda. intentou ação executiva ordinária contra B. e C., com base num documento particular de confissão de dívida, alegando que o mesmo, à data em que foi celebrado, possuía força de título executivo, dizendo ainda que a disposição do art. 703.º do atual CPC é inconstitucional, citando o Ac. n.º 847/2014, de 03/12/2014. Por sentença de 27/03/2015 do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, foi o requerimento executivo liminarmente indeferido, nos termos do artigo 703.º do Código de Processo Civil e no artigo 6.º da Lei n.º 41/2013, de 26/06, tendo o tribunal considerado que a exequibilidade do documento seria aferida à luz da lei vigente à data da instauração da execução e não à luz da lei vigente à data da constituição do documento, pelo que o documento particular com base no qual fora intentada a execução não possuía força executiva.

  2. Desta decisão veio o Ministério Público interpor recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º “por ter aplicado norma já julgada inconstitucional pelo próprio tribunal Constitucional, através do seu Douto Acórdão n.º 847/2014, de 3-12-2014, que declarou inconstitucional a norma resultante dos artigos 703.º CPC e 6.º, n.º3 da Lei n.º 41/2013 de 26 de junho, na interpretação de que aquele artigo 703.º se aplica a documentos particulares emitidos em data anterior à da entrada em vigor do novo CPC e então exequíveis por força do art.º 46.º, n.º1, al. c) do CPC de 1961”.

    Cumpre apreciar e decidir.

    II – Fundamentação

  3. A questão de inconstitucionalidade objeto do presente recurso já foi apreciada pelo Tribunal Constitucional, tendo este Tribunal julgado inconstitucional a norma objeto do recurso, na dimensão aqui em causa.

    De facto, o Acórdão n.º 847/2014 julgou inconstitucional a norma resultante dos artigos 703.º do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, na interpretação de que aquele artigo 703.º se aplica a documentos particulares emitidos em data anterior à da entrada em vigor do novo Código de Processo Civil e então exequíveis por força do artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil de 1961, (entendimento que foi reiterado na Decisão Sumária n.º 82/15 e no Acórdão n.º 161/15). Invocou-se, em fundamento, o seguinte:

    (...)

    6. A norma que está em causa resulta da conjugação do disposto no artigo 703.º do CPC com o disposto no n.º 3 do artigo 6.º, da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho.

    A redação do artigo 703.º do CPC aprovado em anexo à Lei n.º 41/2013, de 26 de junho é a seguinte:

    1 – À execução apenas podem servir de base:

    a) As sentenças condenatórias;

    b) Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação;

    c) Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo;

    d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva

    .

    A redação do artigo 6.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho é a seguinte:

    O disposto no Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei, relativamente a títulos executivos, às formas de processo executivo, ao requerimento executivo e à tramitação da fase introdutória só se aplica às execuções iniciadas após a sua entrada em vigor

    .

    Por revelar também interesse para a discussão dos autos, reproduz-se, ainda, o texto da alínea c), do n.º 1, do artigo 46.º do Código de Processo Civil, na redação revogada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho:

    1 – À execução apenas podem servir de base:

    (…)

    c) Os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas deles constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto;

  4. O tribunal a quo desaplicou a norma em causa por violação do princípio da segurança e proteção da confiança ínsito na ideia de Estado de Direito Democrático, decorrente do artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

    Fê-lo por considerar que existiu uma alteração na ordem jurídica com a qual o exequente não poderia razoavelmente contar e ausência de razões ponderosas para o bem comum que justifiquem o sacrifício das legítimas expetativas dos titulares de documentos particulares, constitutivos de obrigações, assinados pelo devedor, pelo que se trata de uma alteração demasiadamente violenta e geradora de uma insegurança jurídica inaceitável.

    1. Enquadramento da questão

  5. A questão controvertida nos autos surge na sequência da publicação do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, que eliminou do elenco dos títulos executivos os «documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas deles constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto». Esta alteração resulta das disposições conjugadas do artigo 703.º, do novo Código, com o n.º 3 do artigo 6.º, da lei que o aprovou. Anteriormente, aqueles documentos eram dotados da característica da exequibilidade conferida pela alínea c) do n.º 1 do artigo 46.º, do anterior Código.

    Estamos, assim, diante de um problema resultante da sucessão no tempo de leis processuais, mais concretamente ainda, a questão centra-se na eliminação do elenco legal dos títulos executivos deste tipo de documentos.

  6. Constituindo «a chave que abre a porta da ação executiva», na conhecida expressão de Castro Mendes, o título executivo constitui um pressuposto processual específico da ação executiva. Sem ele não pode ser instaurada, ou prosseguir, a ação executiva para cumprimento coercivo das obrigações.

    O direito à execução é um direito que se dirige contra o Estado, constituindo uma manifestação do direito público de ação, enquanto direito à tutela jurisdicional efetiva. Na expressiva formulação de Crisanto Mandrioli, trata-se do «direito à tutela jurisdicional mediante execução forçada» (v. José Lebre de Freitas, A Ação Executiva - à luz do Código de Processo Civil de 2013, Coimbra Editora, 6.ª ed., p. 83).

    Enquanto direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdade e garantias, o direito de acesso aos tribunais beneficia do regime de proteção do artigo 18.º da Constituição, designadamente do princípio da proibição da aplicação retroativa de leis restritivas (n.º 3).

  7. O regime transitório contante do artigo 6.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, estabelece que o regime relativo a títulos executivos contante do novo CPC apenas se aplica «às execuções iniciadas após a sua entrada em vigor». Tratando-se de uma alteração legislativa que se aplica apenas aos processos de execução iniciados após a sua...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT