Decisões Sumárias nº 417/15 de Tribunal Constitucional (Port, 30 de Junho de 2015

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução30 de Junho de 2015
EmissorTribunal Constitucional (Port

DECISÃO SUMÁRIA N.º 417/2015

Processo n.º 569/15

  1. Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Recorrente: Ministério Público

Recorrida: A., S.A.

  1. Relatório

  1. No âmbito de ação executiva interposta pelo exequente A., S.A., o mesmo apresentou como título executivo um documento particular, assinado pelos executados, que consubstancia um contrato de crédito pessoal, através do qual estes declaram que receberam do exequente a quantia de 19.000 Euro, obrigando-se a reembolsar a mesma em 60 prestações mensais e sucessivas. Por sentença de 20/05/2015, o Tribunal de Comarca de castelo Branco decidiu não aplicar, por inconstitucionalidade, o artigo 703.º do Código de Processo Civil, na redação introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, quando conjugado com o artigo 6.º, n.º 3, daquele diploma legal, interpretado no sentido de aquele artigo 703.º se aplicar a documentos particulares emitidos em data anterior à vigência do Novo Código de Processo Civil, exequíveis no momento da emissão, face ao disposto no anterior artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil. Mais decidiu, em consequência que, o documento particular junto à execução como título executivo era exequível, pelo que a ação executiva devia prosseguir os seus termos.

  2. Desta decisão veio o Ministério Público interpor recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos dos artigos 70.º, n.º 1, al. a), “na parte em que recusou a aplicação da norma ínsita no artigo 703.º do C.P.Civil (da nova redação do Código de Processo Civil introduzida pela Lei n.º 41/2013 de 26 de junho, e retificada pela Declaração de Retificação n.º 36/2013 de 12 de agosto), conjugado com o art. 6.º, n.º 3 da Lei n.º 14/2013 de 26 de junho, por considerar que a mesma é inconstitucional, quando interpretada no sentido de deverem ser excluídos do elenco dos títulos executivos os documentos particulares a que aludia a al. c) do art. 41.º do C.P. Civil, na versão anterior à entrada em vigor da referida Lei n.º 14/2013 de 26 de junho, constituídos antes da entrada em vigor desse diploma, por violação da segurança e da proteção da confiança integradores do Estado de Direito Democrático, previsto no art. 2.º da Constituição da República Portuguesa”.

    Cumpre apreciar e decidir.

    II – Fundamentação

  3. A questão de inconstitucionalidade objeto do presente recurso já foi apreciada pelo Tribunal Constitucional, tendo este Tribunal julgado inconstitucional a norma objeto do recurso, na dimensão aqui em causa.

    De facto, o Acórdão n.º 847/2014 julgou inconstitucional a norma resultante dos artigos 703.º do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, na interpretação de que aquele artigo 703.º se aplica a documentos particulares emitidos em data anterior à da entrada em vigor do novo Código de Processo Civil e então exequíveis por força do artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil de 1961, (entendimento que foi reiterado na Decisão Sumária n.º 82/15 e no Acórdão n.º 161/15). Invocou-se, em fundamento, o seguinte:

    (...)

    6. A norma que está em causa resulta da conjugação do disposto no artigo 703.º do CPC com o disposto no n.º 3 do artigo 6.º, da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho.

    A redação do artigo 703.º do CPC aprovado em anexo à Lei n.º 41/2013, de 26 de junho é a seguinte:

    1 – À execução apenas podem servir de base:

    a) As sentenças condenatórias;

    b) Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação;

    c) Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo;

    d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva

    .

    A redação do artigo 6.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho é a seguinte:

    O disposto no Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei, relativamente a títulos executivos, às formas de processo executivo, ao requerimento executivo e à tramitação da fase introdutória só se aplica às execuções iniciadas após a sua entrada em vigor

    .

    Por revelar também interesse para a discussão dos autos, reproduz-se, ainda, o texto da alínea c), do n.º 1, do artigo 46.º do Código de Processo Civil, na redação revogada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho:

    1 – À execução apenas podem servir de base:

    (…)

    c) Os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas deles constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto;

  4. O tribunal a quo desaplicou a norma em causa por violação do princípio da segurança e proteção da confiança ínsito na ideia de Estado de Direito Democrático, decorrente do artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

    Fê-lo por considerar que existiu uma alteração na ordem jurídica com a qual o exequente não poderia razoavelmente contar e ausência de razões ponderosas para o bem comum que justifiquem o sacrifício das legítimas expetativas dos titulares de documentos particulares, constitutivos de obrigações, assinados pelo devedor, pelo que se trata de uma alteração demasiadamente violenta e geradora de uma insegurança jurídica inaceitável.

    1. Enquadramento da questão

  5. A questão controvertida nos autos surge na sequência da publicação do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, que eliminou do elenco dos títulos executivos os «documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas deles constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto». Esta alteração resulta das disposições conjugadas do artigo 703.º, do novo Código, com o n.º 3 do artigo 6.º, da lei que o aprovou. Anteriormente, aqueles documentos eram dotados da característica da exequibilidade conferida pela alínea c) do n.º 1 do artigo 46.º, do anterior Código.

    Estamos, assim, diante de um problema resultante da sucessão no tempo de leis processuais, mais concretamente ainda, a questão centra-se na eliminação do elenco legal dos títulos executivos deste tipo de documentos.

  6. Constituindo «a chave que abre a porta da ação executiva», na conhecida expressão de Castro Mendes, o título executivo constitui um pressuposto processual específico da ação executiva. Sem ele não pode ser instaurada, ou prosseguir, a ação executiva para cumprimento coercivo das obrigações.

    O direito à execução é um direito que se dirige contra o Estado, constituindo uma manifestação do direito público de ação, enquanto direito à tutela jurisdicional efetiva. Na expressiva formulação de Crisanto Mandrioli, trata-se do «direito à tutela jurisdicional mediante execução forçada» (v. José Lebre de Freitas, A Ação Executiva - à luz do Código de Processo Civil de 2013, Coimbra Editora, 6.ª ed., p. 83).

    Enquanto direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdade e garantias, o direito de acesso aos tribunais beneficia do regime de proteção do artigo 18.º da Constituição, designadamente do princípio da proibição da...

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