Acórdão nº 360/15 de Tribunal Constitucional (Port, 09 de Julho de 2015

Magistrado ResponsávelCons. Fernando Vaz Ventura
Data da Resolução09 de Julho de 2015
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 360/2015

Processo n.º 280/2014

  1. Secção

Relator: Conselheiro Fernando Ventura

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional

  1. Relatório

    1. A. intentou ação contra B. e C., pedindo que se declare a denúncia de contrato de arrendamento e que sejam os RR condenados a despejar a fração autónoma dele objeto e entregá-la ao A, livre e devoluta de pessoas e bens, com fundamento na necessidade do local arrendado para a sua habitação e do seu agregado familiar.

    2. Distribuída a ação ao 3.º Juízo Cível do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Portimão, os RR apresentaram contestação (individual), na qual ambos excecionaram que se mantêm no local arrendado por período superior a 30 anos e, por esse facto, o direito de denúncia não se verificava, atento o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 107.º do Regime do Arrendamento Urbano (doravante RAU), aplicável por força dos artigos 26.º, n.º 4, alínea a), e 28.º, ambos da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro.

    3. Por sentença proferida em 14 de novembro de 2013, foi julgada improcedente a ação e absolvidos os RR do pedido.

      No essencial, o raciocínio jurídico expendido pelo Tribunal a quo assentou no apuramento de que os RR se mantêm no locado desde 1975 – ou seja, como alegado, há mais de 30 anos, considerando a entrada da ação em 2011 – o que, face ao regime legal anterior à Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, impedia o direito de denúncia do arrendamento pelo senhorio para habitação própria. Porém, com a edição da referida Lei, foi eliminada tal proteção do arrendatário – e inviabilizada a defesa por exceção com esse fundamento, já deduzida nos autos -, infringindo desse modo os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima, ínsitos no artigo 2.º da Constituição, e ainda o princípio da não retroatividade das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias, consignado no artigo 18.º, n.º 3, da Constituição. E, com fundamento na sua inconstitucionalidade, desaplicou a norma com esse sentido.

      Diz-se na sentença referida, a esse propósito:

      No caso dos autos não está em causa um contrato que foi celebrado depois da entrada em vigor da lei n.º 6/2006. Também não está em causa um contrato em que a previsão da norma de proteção ainda não [se] tivesse verificado à data da entrada da ação, por exemplo, se o inquilino estivesse na casa há 10 anos. Está em causa um contrato de 1975, sendo que à data da entrada da ação (na vigência da lei n.º 6/2006) tinham já decorrido os 30 anos que conferiam ao inquilino a proteção de não poder ver o contrato de arrendamento denunciado, impossibilitando os autores de exercerem com sucesso o direito de denúncia do contrato de arrendamento para habitação do senhorio.

      Com a norma transitória do art. 26.º da lei de 2006, o inquilino confiou que mantinha o direito de manter vivo o contrato de arrendamento ainda que perante um pedido de denúncia por parte do senhorio.

      Só depois de decorrido esse prazo de 30 anos é que a norma transitória é alterada e por essa via formal o direito do inquilino desaparece. Tratava-se já de um direito ou de uma mera expectativa não tutelada pelo direito?

      Uma vez tendo decorrido o prazo para proteção e tendo o réu invocado o decurso desse prazo na ação judicial, cremos estar já não perante uma mera expectativa. Se, como vimos, as normas dispõem para o futuro e se o direito estava já constituído na esfera jurídica do inquilino, a norma transitória que deita por terra esse direito não deve ser aplicada.

      A jurisprudência constitucional (já citado acórdão n.º 201/2007) acolheu o que anteriormente já se afirmara no Acórdão n.º 259/98, julgando "inconstitucional - por violação do artigo 2º da Constituição - a norma constante do artigo 107º, n.º 1, alínea b)" dessa versão originária do Regime do Arrendamento Urbano, que alargara de 20 para 30 anos o prazo que permitia ao arrendatário opor-se ao exercício do direito de denúncia, "interpretada no sentido de abranger os casos em que já decorrera integralmente, no domínio da lei antiga, o tempo de permanência do arrendatário, indispensável, segundo essa lei, para impedir o exercício do direito de denúncia pelo senhorio.

      Nesse acórdão n.º 259/98 (…), foi julgada inconstitucional, por violação do artigo 2º da Constituição da República, a norma do artigo 107º, nº 1, alínea b), do Regime do Arrendamento Urbano, interpretada no sentido de abranger os casos em que já decorrera integralmente, no domínio da lei antiga, o tempo de permanência do arrendatário, indispensável, segundo essa lei, para impedir o exercício do direito de denúncia pelo senhorio.

      Ao contrário, a norma adquiriria uma dimensão de imprevisibilidade e arbitrariedade contrária às diretivas do artigo 2º da Constituição. Mesmo o domínio do direito privado não é um domínio livre dessas diretivas (idem). Violar-se-iam os princípios da segurança jurídica e da confiança impostos pelo Estado de Direito.

      Por outro lado, a aplicação da norma transitória (na redação de 2012) à situação dos autos violaria o princípio de não retroatividade das leis restritivas de direitos, consignado no art. 18º, nº 3, da Constituição da República Portuguesa, já que o direito à habitação (art. 65.º) é configurado como um direito fundamental e o art. 17.º prescreve que [o] regime dos direitos, liberdades e garantias aplica-se aos enunciados no título II e aos direitos fundamentais de natureza análoga.

      Em face do exposto, ao abrigo do disposto do art. 204.º, da CRP, deve ser recusada a aplicação da norma que a seguir refiro com fundamento na respetiva inconstitucionalidade nos termos infra enunciados:

      - Inconstitucionalidade material da norma constante do art. 28.º, n.º 2, da lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro (na redação dada pela lei n.º 31/2012, de 14 de agosto) quando interpretada no sentido de ser aplicável o seu dispositivo a situações em que o arrendatário, à data da entrada em vigor da lei n.º 31/2012 se mantivesse no local arrendado há 30 anos ou mais anos e no decurso da ação de despejo tivesse já alegado a exceção que tornaria inoperante o direito de denúncia, isto por violação do disposto nos arts. 2.º e 18.º, n.º 3, estes da Constituição da República Portuguesa.[…]

    4. Dessa decisão interpôs o Ministério Público o presente recurso, nos termos dos artigos 280.º, n.ºs 1, alínea a), e 3, da Constituição, 70.º, n.º 1, alínea a), e 72.º, n.º 3, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (doravante LTC), peticionando a apreciação da constitucionalidade da “norma constante do art. 28.º, n.º 2, da lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro (na redação dada pela lei n.º 31/2012, de 14 de agosto) quando interpretada no sentido de ser aplicável o seu dispositivo a situações em que o arrendatário, à data da entrada em vigor da lei n.º 31/2012 se mantivesse no local arrendado há 30 anos ou mais anos e no decurso da ação de despejo tivesse já alegado a exceção que tornaria inoperante o direito de denúncia, isto por...

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