Acórdão nº 363/15 de Tribunal Constitucional (Port, 09 de Julho de 2015

Magistrado ResponsávelCons. Pedro Machete
Data da Resolução09 de Julho de 2015
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 363/2015

Processo n.º 185/15

  1. Secção

Relator: Conselheiro Pedro Machete

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório

    1. Nos presentes autos, interpôs A., ao abrigo do artigo 70.º, n.º1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (adiante referida como “LTC”), recurso de constitucionalidade do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2 de dezembro de 2014 para apreciação da inconstitucionalidade do artigo 13.º, n.º 2, do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas (adiante referido como “RCEEP”), aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, segundo o qual o pedido de indemnização fundado em responsabilidade por erro judiciário deve ser fundado na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente (fls. 142-143).

    2. O recorrente patrocinou, ao abrigo do regime de apoio judiciário, vários executados junto da 11.ª Vara Cível de Lisboa. Terminado o processo, apresentou as respetivas notas de honorários e despesas, pedindo o seu pagamento. O pedido referente ao patrocínio do executado José Luís Alves Pinto foi indeferido em 5 de julho de 2011 com o fundamento de que, em conformidade com a tabela de honorários dos advogados pelos serviços que prestem no âmbito da proteção jurídica publicada em anexo à Portaria n.º 1386/2004, de 10 de novembro, e porque o ora recorrente já havia deduzido no âmbito do mesmo processo outras oposições, pelas quais foi pago, o mesmo não poderia receber outras quantias a título de honorários, no mesmo processo, só podendo ser pago pela dedução de uma oposição, e não por tantas quantas houvesse deduzido (cfr. fls. 14). Deste despacho foi interposto recurso, alegando o recorrente a violação do princípio da proporcionalidade entre a quantidade de trabalho e a remuneração. Por acórdão de 14 de junho de 2012, o Tribunal da Relação de Lisboa negou provimento ao recurso e confirmou a decisão então recorrida, entendendo que o que releva para efeitos de honorários a pagar ao patrono ao abrigo do apoio judiciário é o valor da ação e não o número de intervenções (cfr. fls. 19 e ss.).

    3. Na sequência do trânsito em julgado desta decisão, o ora recorrente intentou nos Juízos Cíveis de Lisboa ação com processo sumário contra o Estado Português pedindo a condenação deste no pagamento da quantia de 2 295,00 €, a título de indemnização por danos patrimoniais causados por “ato ilícito de gestão pública, no âmbito da administração da justiça”, nomeadamente um grosseiro erro judiciário, violador de normas nacionais e internacionais, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, desde a data da citação até integral pagamento, e ainda dos danos patrimoniais que vierem a revelar-se, a fixar em execução de sentença, sendo os até à data fixados em 2 000,00 €, e dos danos não patrimoniais computados em 20 000,00 €.

      O Ministério Público, em representação do Estado Português, contestou, dizendo, além do mais, que o pedido de indemnização devia ser fundado na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente, sendo que tal revogação é uma condição prévia da ação de indemnização e que no caso dos autos tal revogação não ocorreu; e que não existia qualquer erro grosseiro, evidente, crasso, palmar indiscutível e de tal modo grave que pudesse fundamentar o pedido do autor. Respondendo quanto à exigência de prévia revogação, o autor, ora recorrente, disse, em síntese, que o Tribunal da Relação de Lisboa prosseguira em “erro continuado” e que, tendo em conta a circunstância de a sua decisão – o mencionado acórdão de 14 de junho de 2012 – ser irrecorrível, a interpretação normativa retirada do artigo 13.º, n.º 2, do RCEEP violaria os artigos 20.º, n.ºs 1, 4 e 5, da Constituição e 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

      Em 31 de janeiro de 2014 foi proferido despacho saneador a julgar a ação improcedente e absolvendo o réu do pedido (fls. 75-87). Inconformado, apelou o autor para o Tribunal da Relação de Lisboa, invocando, além do mais, a inconstitucionalidade do artigo 13.º, n.º 2, do RCEEP, por violação dos artigos 20.º, n.os 1, 4 e 5, e 22º da Constituição e do artigo 6.º n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (“CEDH”) (fls. 93-98).

      Por acórdão de 2 de dezembro de 2014, aquele Tribunal julgou improcedente a apelação e confirmou a decisão recorrida. Quanto à invocada inconstitucionalidade do artigo 13.º, n.º 2, do RCEEP – que considerou ser “a questão fundamental” a resolver no recurso então em causa (fls. 128) – o mesmo Tribunal começou por reconhecer que a exigência estatuída nesse preceito de prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente

      [L]imita consideravelmente o exercício desse direito [– o direito a ser indemnizado –], o que equivale, em muitos casos, ao “não direito”, pois, além de ser necessário alegar e provar que a decisão é “manifestamente ilegal ou inconstitucional”, faz depender ainda o exercício desse direito da prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente, o que, por razões várias, nem sempre é possível. Por exemplo, no caso concreto, se se chegasse à conclusão de que a legislação aplicada (concretamente a aludida portaria) tinha sido revogada e que não era, manifesta e indiscutivelmente, aplicável e que, por isso, o autor deixou de receber uma quantia considerável, parece que, face ao trânsito em julgado da decisão, não poderia exigir o pagamento de qualquer indemnização, por não ter provado a “prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente”. E isto, repete-se, ainda que seja evidente a ilegalidade da decisão.

      (fls. 128-129)

      Seguidamente o tribunal a quo apreciou a constitucionalidade daquela norma face ao disposto no artigo 22.º da Constituição, considerando que, não obstante tal artigo conter normas imediatamente aplicáveis e abranger também a responsabilidade do Estado por facto da função jurisdicional, a mesma disciplina “deixa larga margem de conformação ao legislador quanto à definição dos pressupostos da responsabilidade do Estado e constitui uma disciplina normativa aberta ao desenvolvimento judicial do instituto da responsabilidade [, sem prejuízo de] a lei ordinária não pode[r] restringir arbitrária ou desproporcionadamente o direito fundamental à reparação dos danos consagrados constitucionalmente” (fls. 131-132). A questão de constitucionalidade foi, assim, equacionada em termos de saber se, à luz do disposto no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, “a exigência de que ‘o pedido de indemnização deve ser fundado na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente’ constitui ou não uma restrição autorizada do direito previsto naquele artigo 22.°” (fls. 133). A resposta dada no acórdão ora recorrido é a seguinte:

      O MP defende que a restrição do n° 2 do art° 13° é constitucionalmente justificada pela necessidade de defender a hierarquia dos tribunais consagrada no art° 210° da CRP. A supressão da restrição levaria à subversão dessa hierarquia na medida em que permitiria que um tribunal de comarca julgasse de mérito uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça, o que constituiria uma aberração. […]

      [A] doutrina tem justificado aquela restrição com a força do caso julgado. É que, se a decisão transitou em julgado já é definitiva e por isso não poderá outro tribunal aferir e apreciar a ilicitude dessa decisão, mesmo que não seja com a finalidade de a revogar.

      Os defensores desta doutrina consideram não ser possível compatibilizar a definitividade da decisão com a possibilidade de a ilicitude da mesma poder ser apreciada incidentalmente para efeitos de determinação da atribuição do direito à reparação de danos que aquela tenha eventualmente produzido.

      A verdade é que, com a aplicação desta doutrina pode suceder (e muitas vezes sucederá) que a força do caso julgado acabe por transformar decisões erradas em decisões formalmente certas e, por via disso, há quem discorde da exigência desta revogação prévia, a qual, na ausência de um meio impugnatório próprio, pode redundar na impossibilidade do exercício ao direito de reparação por erro judiciário. Estamos, assim, perante um conflito de direitos: por um lado, a força do caso julgado e, por outro, o direito à indemnização por parte do lesado com a decisão transitada em julgado nos termos referidos. Ou seja, a Constituição concede ao lesado o direito a ser indemnizado. Todavia, por razões de ordem processual, esse direito, em certos casos (e serão muitos), não pode ser exercido.

      Mas há que reconhecer que com a Lei 67/2007 se deu entre nós um passo significativo no sentido da responsabilidade do Estado e doutras entidades públicas pelos danos decorrentes de decisões jurisdicionais manifestamente inconstitucionais ou ilegais. […]

      Como vimos, o legislador pode densificar os pressupostos da obrigação de indemnizar e o regime de responsabilidade. Todavia, não pode restringir arbitrária ou desproporcionadamente o direito fundamental à reparação dos danos consagrados no artigo 22° da Constituição. E o problema pode surgir, tanto na definição do regime substantivo da responsabilidade, como na estruturação da ação de responsabilidade.

      Ou seja, embora reconhecendo ao lesado o direito a ser indemnizado, pode o legislador restringir esse direito, quando e se tal se justificar, não o podendo fazer, porém, de forma arbitrária ou desproporcionada.

      Assim, sendo embora certo que o n.° 2 do artigo 13.° contém uma limitação ao exercício do direito à indemnização, face ao que vimos referindo entendemos que tal restrição não é arbitrária e que se justifica e, sobretudo, que a Constituição não impede esta mesma restrição.

      Se se considerasse inconstitucional a norma do n.° 2 do artigo 13.°, tal significaria, em boa parte, pôr em causa a autoridade do caso jugado, embora não diretamente. Mas, sobretudo, como se disse, a Constituição não confere um direito absoluto, admitindo as restrições que o legislador ordinário julgue justificadas e que, portanto, não...

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