Acórdão nº 28/16 de Tribunal Constitucional (Port, 20 de Janeiro de 2016

Magistrado ResponsávelCons. Carlos Fernandes Cadilha
Data da Resolução20 de Janeiro de 2016
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 28/2016

Processo n.º 409/2015

  1. Secção

Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

  1. Por decisão de 30 de setembro de 2014, proferida no processo de inventário para partilha de bens da herança aberta por óbito de A., que corre termos, sob o n.º 2571/2014, no Cartório Notarial de B., notária e ora recorrente, determinou-se a suspensão do processo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 269.º, n.º 1, alínea c), e 272.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, até efetivo pagamento dos honorários notariais e despesas previstos no artigo 18.º e 21.º da Portaria n.º 218/2013, de 26 de agosto, ficando os autos de inventário a aguardar uma resposta do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I.P. (IGFEJ, IP), no sentido de se responsabilizar pelo pagamento das despesas e honorários notariais previstos naquele diploma.

    A., requerente do inventário e ora recorrida, recorreu dessa decisão para a instância local de Amares do Tribunal da Comarca de Braga, que, por sentença de 29 de outubro de 2014, julgou procedente o recurso, ordenando, em consequência, o prosseguimento do processo de inventário. A notária, inconformada, dela recorreu para o Tribunal da Relação de Guimarães, que, por Acórdão de 12 de fevereiro de 2015, negou provimento ao recurso e confirmou a decisão recorrida.

    E, na sequência, recorreu desta última decisão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), a fim de ver apreciada «a inconstitucionalidade da norma constante do n.º 2 do artigo 26.º da Portaria 278/2013, de 26 de agosto, cujo teor inconstitucional é reproduzido no artigo 26.º-A da nova redação da portaria, conforme alteração introduzida à referida Portaria (…), pela Portaria 46/2015, de 23 de fevereiro (que entrará em vigor no próximo dia um de março, aplicando-se aos processos pendentes), norma esta, do artigo 26.º-A, que por substituir a norma em vigor à presente data é abrangida pelo objeto do recurso e deve ver a sua inconstitucionalidade igualmente apreciada, em ambas as redações, por violação dos artigos 13.º, 18.º, n.º 1, 20.º, 59.º, 82.º, 86.º, n.º 2, 104.º e 165.º, n.º 1, alínea i) da Constituição da República Portuguesa (…)».

    O Tribunal recorrido admitiu o recurso.

    Subidos os autos ao Tribunal Constitucional, determinou-se, por despacho do relator, que os mesmos prosseguissem para alegações, fixando-se, porém, o objeto do recurso, nos seguintes termos:

    A norma extraída do artigo 26.º, n.º 2, da Portaria n.º 278/2013, de 26 de agosto, interpretada no sentido de que, até à constituição do Fundo nele previsto, o processo de inventário deve prosseguir sem o pagamento, pelo IGFEJ, IP, dos honorários notariais e despesas previstos nos artigos 15.º, 18.º e 21.º da Portaria n.º 278/2013, de 26 de agosto, nos casos em que o requerente é beneficiário de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do pagamento da taxa de justiça e demais encargos do processo

    .

    A recorrente apresentou alegações dizendo em resumo o seguinte:

    - O sujeito passivo dos direitos dos beneficiários de apoio judiciário de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva é apenas o estado e são os direitos patrimoniais do Estado que devem ser restringidos para satisfazer estas obrigações.

    - Sendo o notário um profissional liberal remunerado exclusivamente pelas partes, não está obrigado a tramitar o apoio judiciário e suportar as despesas inerentes por conta dos interessados, pelo que deverá fazer valer os seus direitos suspendendo o processo até que o Estado se responsabilize direta e efetivamente pelo pagamento de todos os encargos derivados do apoio judiciário.

    - Não há aqui uma verdadeira colisão de direitos entre o notário e o beneficiário do apoio judiciário mas sim uma questão que deve ser resolvida entre o Estado e esses beneficiários e a única forma de obter a resolução material da questão será pela suspensão da tramitação dos processos.

    - Uma interpretação do artigo 272.º do C.P.C. no sentido de que não será motivo justificado para a suspensão de um processo a falta de disponibilização em tempo útil, por parte do Estado, dos meios necessários a financiar o trabalho e as despesas que essa tramitação comporta, no caso de os interessados se encontrarem dispensados do pagamento de custas e demais encargos com o processo será manifestamente inconstitucional por violação dos artigos 53.º, 58.º, n.º 1 do artigo 59.º e 62.º da Constituição da República Portuguesa.

    - Decorre da Constituição que deve ser o Estado a suportar o acesso ao direito e à tute1a jurisdicional efetiva, pelo que as normas sob fiscalização concreta violam o artigo 20.º da C.R.P e os artigos 2.º, 3.º, 6.º, 13.º e 15.º da Lei n.º 34/2004 de 29 de julho, na sua redação atual.

    - As normas sob fiscalização concreta violam ainda os artigos 62.º, 82.º e 86.º, n.º 2, da C.R.P na medida em que o Estado não pode intervir na gestão da empresas privadas a não ser a título transitório, e o notário é simultaneamente um oficial público, enquanto confere autenticidade aos documentos, e um profissional liberal que atua de forma independente.

    - As normas em apreço violam os direitos dos trabalhadores e do setor e iniciativa privados protegidos pelo disposto nos artigos 59.º, 82.º e 86.º da C.R.P., uma vez que injustificadamente interferem com o seu património e com a forma de gestão da sua atividade.

    - A afetação de parte dos rendimentos do seu trabalho para um fundo destinado a assistir quem tenha insuficiência de meios económicos constitui uma forma encapotada de imposto sobre os rendimentos, que viola os princípio da dupla tributação e o princípio da legalidade fiscal (artigos 165.º, n.º 1. al i) e 103.º, n.º 2, da CRP), princípio da segurança jurídica (artigo 2.º da C.R.P.), o princípio da capacidade contributiva e da igualdade fiscal (artigos 13.º. 103.º e 104.º da C.R.P. e 5.º, e 7.º, n.º 3, da Lei Geral Tributária)

    - A Portaria n.º 278/2013 viola o princípio constitucional da igualdade, sendo, por isso, uma norma discriminatória por violar frontalmente o princípio da repartição dos encargos públicos onerando apenas uma classe profissional interveniente nos processos de inventário e por não lhe assistir qualquer justificação material.

    - As normas sob fiscalização são também formalmente inconstitucionais porquanto violam o princípio da reserva relativa da Assembleia da República (artigo 165.º. alínea i) da C.R.P), uma vez que o Fundo ou Caixa de Apoio Notarial é um verdadeiro imposto, e tendo sido fixados por Portaria violam o princípio a hierarquia e prevalência de lei, na medida em que vão contra o preceituado em nos artigos 1.º, 19.º, e 23.º do Estatuto do Notariado e no artigo 173.º, n.º1, alínea d), do Código do Notariado, bem como, contra o disposto nos artigos 2.º, 3.º, 6.º, 13.º e 15.º da Lei 34/2004.

    - Nos termos expostos deve ser declarada a inconstitucionalidade da norma extraída do artigo 26.º, n.º 2, da Portaria n.º 278/13, de 26 de agosto, interpretada no sentido de que, até à constituição do Fundo nela previsto, o processo de inventário deve prosseguir sem o pagamento, pelo IGFEJ, I.P., dos honorários notariais e despesas previsos nos seus artigos 15.º, 18.º e 21.º, nos casos em que o requerente é beneficiário de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do pagamento da taxa de justiça e demais encargos do processo.

    - Aquela norma viola o disposto no artigos 2.º, 13.º, 18.º, n.º 1, 20.º, 53.º, 58.º, 59.º, 62.º, 82.º, 86.º, n.º 2, 104.º e 165.º, al i) da CRP, violando também o princípio da hierarquia das normas, e sendo sistematicamente inconstitucional por estar em contradição intrínseca com a conceção global do sistema jurídico designadamente do sistema de acesso ao direito e de apoio judiciário.

    A recorrida não contra-alegou.

    Cumpre apreciar e decidir.

  2. Delimitação do objeto do recurso

    A questão de inconstitucionalidade que importa decidir, no presente recurso, tem por objeto a norma do n.º 2 do artigo 26.º da Portaria n.º 278/2013, de 26 de agosto, interpretado no sentido...

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