Acórdão nº 41/16 de Tribunal Constitucional (Port, 26 de Janeiro de 2016

Magistrado ResponsávelCons. João Pedro Caupers
Data da Resolução26 de Janeiro de 2016
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 41/2016

Processo n.º 973/14

  1. Secção

Relator: Conselheiro João Pedro Caupers

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I – Relatório

  1. A. interpôs, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (doravante, “LTC”), o presente recurso do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 9 de Setembro de 2014 (fls. 197 a 210).

  2. Para melhor compreensão da questão de constitucionalidade colocada, convém ter presente a seguinte sequência de atos processuais:

    - O inquérito no processo n.º 857/05.9 TACBR correu os seus termos no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (doravante, “DCIAP), tendo o juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal (doravante, “TCIC”) praticado todos os atos jurisdicionais neste processo, nos termos do disposto no artigo 80.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (doravante, “LOFTJ”);

    - A dado passo, o processo de inquérito n.º 31/09.5 TELSB, originalmente apensado àquele processo n.º 857/05.9TACBR, foi deste separado, nos termos do artigo 30.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal (doravante, “CPP”);

    - Não obstante a separação do processo original, o processo n.º 31/09.5 TELSB continuou a ser tramitado, quanto à prática de atos de natureza judicial, pelo TCIC;

    - Findo o inquérito n.º 31/09.5 TELSB, além de ter sido proferido despacho de arquivamento relativamente a alguns dos factos objeto da investigação – designadamente os que eram suscetíveis de integrarem os crimes de insolvência dolosa, frustração de créditos e de usurpação de funções –, foi deduzida acusação, no âmbito da qual foram imputados ao arguido A. cinco crimes de falsificação e um crime de burla qualificada, na forma tentada;

    - O arguido requereu abertura de instrução, dirigindo o seu pedido ao Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa (doravante, “TICL”); considerou o arguido que, não tendo sido acusado por qualquer dos crimes previstos no artigo 47.º da Lei Orgânica do Ministério Público (doravante, “LOMP”), o TCIC não tinha competência para a instrução;

    - Recebido o requerimento de abertura de instrução, o Ministério Público, por entender ser o TCIC o competente para tramitar o processo, ordenou a sua remessa a este tribunal, com vista a que fosse declarada aberta e realizada a instrução;

    - O juiz de instrução do TCIC declarou-se competente para tramitar a instrução, considerando que, fixada a competência do TCIC no início do inquérito, se mantinha neste tribunal, já que as modificações posteriores não poderiam alterar essa competência;

    - Inconformado, o arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, que por acórdão de 9 de Setembro de 2014, negando provimento ao recurso, confirmou o entendimento de que era o juiz do TCIC o competente para a instrução do processo, assim subscrevendo o entendimento do juiz deste tribunal.

  3. É desta decisão que vem interposto o presente recurso de constitucionalidade, com o seguinte teor:

    A., recorrente identificado nos autos à margem referenciados, tendo sido notificado da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, datada de 9 de Setembro de 2014, que negou provimento ao recurso do Despacho de 20 de Novembro de 2013 do Tribunal Central de Investigação Criminal que se considerou competente para proceder à abertura da instrução não obstante reconhecer expressamente que “em resultado da redefinição do objeto do processo, decorrente da dedução da acusação, deixou de estar em causa qualquer dos crimes previstos no artigo 47º nº 1 da LOMP”, única norma atributiva de competência a tal tribunal,

    vem apresentar desse acórdão

    RECURSO PARA O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

    destinado à fiscalização da constitucionalidade material das normas abaixo indicadas, o que faz ao abrigo dos artigos 70.º, n.º 1, al. b), e n.º 2, 72.º, n.º 1, al. b), e n.º 2, 75.º, n.º 1, 75.º-A, n.ºs 1 e 2, todos da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), pela seguinte forma:

    I.NORMAS IMPUGNADAS

    - a do artigo 80.º, n.º 1, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, entendida no sentido de que a competência do Tribunal Central de Investigação Criminal para proceder à instrução pode abranger crimes diversos dos enunciados no n.º 1 do artigo 47.º da Lei n.º 60/98, de 27 de Agosto;

    - a do mesmo artigo 80.º, n.º 1, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, entendida no sentido de que a competência do Tribunal Central de Investigação Criminal para proceder à instrução pode existir mesmo quando a alegada atividade criminosa não ocorre em comarcas de diferentes distritos judiciais;

    - a do artigo 22.º, n.º 1, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (por lapso identificada na decisão recorrida como “Art. 24º da LOFTJ”) no sentido de que a sua previsão normativa (“A competência fixa-se no momento em que a ação se propõe”) possa ser feita equivaler à “notícia do crime”, como defendido no Despacho recorrido e aceite na decisão do tribunal a quo;

    - a do artigo 23.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (por lapso identificada na decisão recorrida como “Art. 25º da LOFTJ”) no sentido de que a proibição de desaforamento aí prevista pode fazer prevalecer a competência determinada pela “notícia do crime” sobre a resultante da previsão legal expressa do artigo 80.º, n.º 1, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais;

    - essas mesmas normas, conjugadas entre si e interpretadas e aplicadas no sentido de que, apenas porque, na fase de inquérito, é cometida ao Tribunal Central de Instrução Criminal a competência para a prática dos atinentes atos jurisdicionais, deve essa competência estender-se à fase de instrução, mesmo que não verificados quaisquer dos pressupostos (cumulativos, aliás ) ali mencionados – isto é, mesmo que no processo não haja sido deduzida acusação por qualquer dos crimes do catálogo do nº 1 do art. 47º da LOMP, nem se verifique qualquer dispersão territorial da atividade criminosa;

    - a do artigo 123.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, entendida no sentido de que a supra referida questão da incompetência do Tribunal Central de Instrução Criminal constitui mera irregularidade, a arguir “nos três dias que se seguiram ao seu conhecimento”.

    II. FUNDAMENTOS DA RECORRIBILIDADE

    - decisão insuscetível de recurso ordinário;

    - suscitação da questão de inconstitucionalidade das normas da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais no recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa (nas alegações e na conclusão 7ª);

    - imprevisibilidade do enquadramento de uma violação da regra atributiva de competência ao tribunal de instrução criminal de Lisboa – fixada no artigo 79.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais – como mera “irregularidade”; na verdade, face à norma do n.º 1 do artigo 119.º do Código de Processo Penal, que classifica a “violação das regras de competência do tribunal” (al. e)) como “nulidades insanáveis”, era de todo impossível antecipar um tal enquadramento;

    - consideração da questão de constitucionalidade na decisão ora recorrida (p. 11).

    III. NORMAS CONSTITUCIONAIS VIOLADAS

    • nº 9 do artigo 32º da Constituição;

    • nº 2 do artigo 202º da Constituição;

    • o princípio da subordinação dos tribunais à lei, consagrado no artigo 203.º da Constituição.

  4. Tendo o recurso sido admitido e prosseguido para alegações, o recorrente concluiu da forma seguinte:

    1. A questão normativa colocada no presente recurso sob o enfoque da conformidade constitucional com o princípio do juiz natural é a da manutenção ou alteração da competência do juiz do inquérito para a instrução, quando esta vai incidir só (na sequência da acusação ou do requerimento para a abertura de instrução) sobre factos alheios à competência legalmente fixada desse juiz.

    2. O entendimento que foi aplicado na 1.ªinstância e confirmado na decisão ora recorrida, foi o de que o princípio do juiz natural impedia a mudança do titular do inquérito.

    3. À exceção da decisão recorrida, o entendimento recente do Tribunal da Relação de Lisboa, ao invés, tem sido o de que “A competência do JIC para intervir no inquérito só está definida em termos de reserva de jurisdição – art.ºs 17º, 268º e 269º do CPP -, não havendo qualquer norma que defina a competência do JIC no inquérito, já que a norma do art.º 288º nº2 do CPP, pela sua inserção sistemática se refere à competência para a instrução.” e que “a competência territorial do MP pode-se ir modificando em face dos resultados da investigação(art.º264º/2 do CPP).”(…)

    4.Esse é o único entendimento constitucionalmente conforme, na medida em que a alternativa consente a manipulação ad libitum da competência dos tribunais, por mero recurso à inclusão de crimes totalmente ficcionados no inquérito, ou à sua imputação inicial à circunscrição territorial previamente escolhida.

    5.Nessa conformidade, é inconstitucional a norma do artigo 80.º, n.º 1, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (“A competência a que se refere o n.º 1 do artigo anterior, quanto aos crimes enunciados no n.º 1 do artigo 47.ºda Lei º 60/98, de 27 de Agosto, cabe a um tribunal central de instrução criminal quando a atividade criminosa ocorrer em comarcas pertencentes a diferentes distritos judiciais.”), entendida no sentido de que a competência do Tribunal Central de Investigação Criminal para proceder à instrução pode abranger crimes diversos dos enunciados no n.º 1 do artigo 47.º da Lei n.º 60/98, de 27 de Agosto;

    6.É igualmente inconstitucional a norma do mesmo artigo 80.º, n.º 1, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (“A competência a que se refere o n.º 1 do artigo anterior, quanto aos crimes enunciados no n.º 1 do artigo 47.ºda Lei º 60/98, de 27 de Agosto, cabe a um tribunal central de instrução criminal quando a atividade criminosa ocorrer em comarcas pertencentes a diferentes...

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