Acórdão nº 56/16 de Tribunal Constitucional (Port, 02 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução02 de Fevereiro de 2016
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 56/2016

Processo n.º 802/15

  1. Secção

Relator: Conselheiro Teles Pereira

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

  1. No âmbito do processo sumário n.º 678/15.0GBAGD, que correu os seus termos na Comarca de Aveiro, o Ministério Público (o ora Recorrente) proferiu despacho considerando indiciada a prática pelos arguidos A. e B. de um crime de pesca ilegal previsto e punido pelas disposições conjugadas do § 1 do artigo 40.º e pelo artigo 65.º do Regulamento da Lei n.º 2097, aprovado pelo Decreto n.º 44623 de 10/10/1962, na redação conferida pelo Decreto n.º 312/70, de 6 de julho, concluindo pela proposta de suspensão provisória do processo pelo período de quatro meses, nos termos do artigo 281.º do Código de Processo Penal (CPP), ex vi artigo 384.º do mesmo Código, com as injunções de entrega de €150,00 a uma Instituição de solidariedade social, de uma só vez ou em duas prestações mensais de €75,00, e de não ser cometido qualquer crime doloso durante o período de suspensão.

    Os autos foram remetidos ao Juiz de Instrução Criminal (JIC) para se pronunciar quanto à concordância ou não concordância relativamente à suspensão provisória do processo, nos termos do 384.º, n.º 2, do CPP.

    1.1. Recebidos os autos pelo JIC proferiu este Magistrado o despacho seguinte:

    “[…]

    O Ministério Público, ao abrigo do disposto no artigo 281º do Código de Processo Penal, veio propor a suspensão provisória do presente processo, pelo prazo de 4 meses, mediante as seguintes condições:

    - entregar a quantia de €150,00 a uma IPSS comprovando no prazo de suspensão tal entrega;

    - não praticar crime doloso durante o prazo da suspensão.

    Cumpre apreciar.

    Foram recolhidos indícios da prática pela arguida de um crime de exercício de pesca ilegal, na sua forma agravada p.p. art. 40º, parágrafo 1º e 65º do Regulamento aprovado pelo Decreto nº 44623 de 10-10-1962.

    A pena aplicável ao crime em causa é, nos termos do referido artigo 65º de prisão de 10 a 30 dias e multa de €2,99 a €74,82.

    O D.L. 400/82 de 23-9, diploma que aprovou o CP de 1982, estabelece no seu artigo 3º nº1 que «ficam alterados para os limites mínimos e máximos resultantes do artigo 40º do Código Penal todas as penas de prisão que tenham a duração inferior ou superior aos limites aí estabelecidos».

    A consequência prática, no que ao crime em causa nestes autos respeita, é que a pena de prisão aplicável teria limites mínimo e máximo coincidentes (30 dias) importando, por esta razão, uma inaceitável e inconstitucional limitação dos poderes do Juiz na determinação concreta da pena, em violação dos princípios da culpa, da igualdade, da necessidade e da proporcionalidade.

    Neste mesmo sentido - da inconstitucionalidade do referido artigo 3º nº1 do D.L. 400/82 de 23-9, quando interpretada num sentido conducente à aplicação de pena de prisão com limite mínimo e máximo coincidentes, se pronunciou já o TC (pelo menos) nos seguintes arestos todos referentes a processos em que foi por nós recusada a aplicação por inconstitucionalidade da mesma norma:

    1 - Decisão Sumária nº 434/2009 (P. TC 881/09 – 2ª Secção) de 3-11-2009.

    Confirma a inconstitucionalidade dos artigos 67º do Regulamento da Lei 2097 (aprovado pelo Decreto-Lei 44623 de 10-10-1962 (norma declarada inconstitucional com força obrigatória geral pelo ac. TC nº 124/2004

    Confirma a inconstitucionalidade do artigo 3º nº1 do Decreto-Lei nº 400/82 de 23-9 (como já antes havia sido declarado nos Acórdãos 22/2003 e 163/2004.

    2 - Decisão Sumária 386/2009 (P.633/09 3ª Secção)

    Confirma a inconstitucionalidade do artigo 3º nº1 do Decreto-Lei nº 400/82 de 23-9 (como já antes havia sido declarado nos Acórdãos70/02, 22/2003 e 163/2004.

    3 - Decisão Sumária 651/2014 (P.TC 754/2014 2ª Secção).

    Confirma a inconstitucionalidade do artigo 3º nº1 do Decreto-Lei nº 400/82 de 23-9 (como já antes havia sido declarado nos Acórdãos70/02, 22/2003 e 163/2004) quando conjugada com o artigo 40º do CPenal e com os artigos 34º nº2 c) e d) e 65º do Decreto 44623 de 10-10-1962.

    4 - Acórdão 712/2014 (P.534/14 2ª Secção). DR de 18-12-2014.

    Confirma a inconstitucionalidade do artigo 3º nº1 do Decreto-Lei nº 400/82 de 23-9 enquanto manda aplicar o limite mínimo de 1 mês previsto no artigo 40º nº1 do CPenal (atualmente artigo 41º) ao crime de pesca ilegal previsto nos artigos 3º, 33º, 44º a) e punido nos termos do artigo 65º, todos do Regulamento da Lei 2097 aprovado pelo Decreto 44623 de 1962.

    5 – Acórdão 102/2015 (P. 197/2014 – 1ª Secção).

    Confirma a inconstitucionalidade do artigo 3º nº1 do Decreto-Lei nº 400/82 de 23-9 conjugada com os artigos 40º parágrafo 1º e 65º do Decreto 44623 de 10-10-1962.

    Pelas razões sumariamente atrás explicitadas e melhor desenvolvidas nos convocados Acórdãos do TC (que aqui se dão por reproduzidas) recusa-se, a aplicação do convocado artigo 3º nº1 do D.L. 400/82, por violação dos artigos 13º, 18º e 27º da CRP, quando interpretado no sentido de que prevendo o Regulamento aprovado pelo Decreto 44623 de 10-10-1962 uma pena de prisão de 10 a 30 dias é aplicável uma pena de prisão de 30 dias.

    A aplicação unicamente da pena de multa prevista no art. 65º Decreto nº44623 (já não considerando a prisão) não é uma solução viável, pois que equivaleria a ficcionar uma «nova» pena reduzida uma parte da pena aplicável, solução que não aceitamos porquanto se entende como orgânica e materialmente inconstitucional. Efetivamente é matéria de reserva relativa da AR a competência para legislar designadamente sobre crimes e penas, não cabendo aos Tribunais a definição, ainda que em sede interpretativa de penas não previstas em legislação anterior, sob pena de violação daquela reserva e do princípio da legalidade – arts. 165º e 29º da CRP.

    Por idênticas razões não é viável a aplicação de pena de multa de substituição à pena de prisão em abstrato aplicável. Uma coisa é a aplicação de uma pena de multa em substituição de pena de prisão que seja em abstrato de aplicar outra diversa (e para nós inadmissível) é a aplicação de uma pena de multa de substituição por se constatar pela inconstitucionalidade da pena de prisão aplicável a título principal.

    Rejeita-se assim, também, a aplicação do artigo 65º do Regulamento aprovado pelo Decreto nº44623 de 10-10-1962 por violação dos artigos 29º e 165º da CRP quando interpretado no sentido de que é aplicável às condutas ali enquadráveis apenas a multa ali prevista ou, cumulativamente, a multa ali prevista e a pena de multa em substituição da pena de prisão que concretamente fosse fixada dentro dos limites (da pena de prisão) ali estipulados.

    Assim sendo, face aos limites fixados no artigo 40º do CP de 1982, à pena aplicável tal como previsto no artigo 65º do Regulamento aprovado pelo Decreto 44623 e à inconstitucionalidade dos artigos 3º nº1 do D.L. 400/82 e 65º do citado Regulamento, a consequência será considerar como não criminalmente punível a conduta do arguido.

    Face ao exposto, decide-se:

    1 – Recusar a aplicação do convocado artigo 3º nº1 do D.L. 400/82, por violação dos artigos 13º, 18º e 27º da CRP, quando interpretado no sentido de que prevendo o Regulamento aprovado pelo Decreto 44623 de 10-10-1962 uma pena de prisão de 10 a 30 dias é aplicável uma pena de prisão de 30 dias.

    2 – Recusar a aplicação do artigo 65º do Regulamento aprovado pelo Decreto nº44623 de 10-10-1962 por violação dos artigos 29º e 165º da CRP, quando interpretado no sentido de que é aplicável às condutas ali enquadráveis apenas a pena de multa ali prevista ou, cumulativamente, a multa ali prevista e a pena de multa em substituição da pena de prisão que concretamente fosse fixada dentro dos limites (da pena de prisão) ali estipulados.

    3 – Proferir despacho de não concordância com a promovida suspensão do processo.

    […]”.

    1.2. Desta decisão interpôs o Ministério Público recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional (alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º e do n.º 3 do artigo 72.º, ambos da LTC), recurso esse que foi admitido.

    1.2.1. No Tribunal Constitucional, o Ministério Público e o arguido foram notificados para alegarem. Só o Ministério Público o fez, observando o seguinte:

    “[…]

    1.4. O Senhor Juiz, aceitando a qualificação realizada pelo Ministério Público, ou seja, que o crime praticado era o previsto e punido pelos artigos 40.º § 1.º e 65.º do Regulamento aprovado pelo Decreto n.º 44623, de 10 de outubro de1962, punível com pena de prisão de 10 a 30 dias e multa de € 2,99 e 74,82, afirmou:

    “O D.L. 400/82 de 23-9, diploma que aprovou o CP de 1982, estabelece no seu artigo 3.º n.º 1 que «ficam alterados para os limites mínimos e máximos resultantes do artigo 40.º do Código Penal todas as penas de prisão que tenham a duração inferior ou superior aos limites aí estabelecidos».

    A consequência prática, no que ao crime em causa nestes autos respeita, é que a pena de prisão aplicável teria limites mínimo e máximo coincidentes (30 dias) importando, por esta razão, uma inaceitável e inconstitucional limitação dos poderes do Juiz na determinação concreta da pena, em violação dos princípios da culpa, da igualdade, da necessidade e da proporcionalidade”.

    Seguidamente refere jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre esta matéria.

    1.5. Consequentemente, recusou a aplicação “pelas razões sumariamente atrás explicitadas e melhor desenvolvidas nos Acórdãos do TC (que aqui se dão por reproduzidas) recusa-se, a aplicação do convocado artigo 3.º, n.º 1 do D.L. 400/82, por violação dos artigos 13.º, 18.º e 27.º da CRP, quando interpretado no sentido de que prevendo o Regulamento aprovado pelo Decreto 44623 de 10-10-1962 uma pena de prisão de 10 a 30 dias é aplicável uma pena de prisão de 30 dias”.

    1.6. Quanto ao regime que seria aplicável como consequência da inconstitucionalidade, o Senhor Juiz entendeu:

    “A aplicação unicamente da pena de multa prevista no artigo 65.º do decreto n.º 44623 (já não considerando a prisão) não é uma solução viável, pois que equivaleria a ficcionar uma «nova» pena reduzida uma parte da...

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