Acórdão nº 62/16 de Tribunal Constitucional (Port, 03 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelCons. Carlos Fernandes Cadilha
Data da Resolução03 de Fevereiro de 2016
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 62/2016

Processo n.º 457/2015

  1. Secção

Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha

Acordam, na 3.ª secção, do Tribunal Constitucional

I - Relatório

  1. A., agente da Polícia de Segurança Púbica (PSP), interpôs no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra ação de impugnação contra o ato do Diretor Nacional da PSP, de 28 de junho de 2013, que, nos termos do artigo 38.º, n.º 1, do Regulamento Disciplinar da PSP, e na sequência da emissão de despacho de pronúncia em processo crime, determinou a suspensão de funções até à decisão final absolutória ou até à decisão final condenatória.

    O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra julgou a ação procedente e anulou o despacho impugnado, recusando a aplicação da referida disposição do artigo 38.º, n.º 1, do Regulamento Disciplinar da PSP, por violação do princípio da presunção da inocência do arguido, do princípio da igualdade e do princípio da proporcionalidade.

    Dessa decisão, o Ministério Público interpôs recurso obrigatório, ao abrigo da alínea a) do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional.

    Tendo o processo prosseguido para conhecimento de mérito, o Procurador-Geral adjunto apresentou alegações, em que conclui pelo provimento do recurso e a consequente revogação da decisão recorrida com base, em síntese, nas seguintes considerações:

  2. A norma jurídica constante do artigo 38.º, n.º 1, do RDPSP, nomeadamente por não configurar pena disciplinar ou “antecipação de culpa”, não infringe os direitos de defesa do arguido em sede do processo disciplinar, nomeadamente não é atentatória do princípio da presunção da inocência.

  3. A solução legal em apreço tem fundamento objetivo e é razoável, sendo certo que, em razão das exigências próprias das funções policiais, decorrentes da autoridade, prestígio e confiança pública que devem revestir, não concorre uma igualdade material de situações com os “trabalhadores que exercem funções públicas”, não havendo aqui, portanto, tratamento desigual de situações materialmente idênticas, pelo que, no caso, não há violação do princípio constitucional da igualdade.

  4. A medida disciplinar prevista no artigo 74.º, n.ºs 1, alínea c), 6 e 7, do Regulamento Disciplinar da PSP, tem pressupostos e alcance diversos daquela prevista no artigo 38.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, pelo que aquela primeira não pode ser tomada como uma “alternativa menos restritiva” desta última, sendo certo que a privação de um sexto do vencimento, que dela decorre, não é de reputar como “excessivo”.

  5. Tendo o interessado deduzido impugnação da decisão administrativa e requerida tutela cautelar, a justiça do caso decorrerá não de recusar a aplicação da norma impugnada mas, antes, de aplicar as normas jurídicas que regem a justiça administrativa, nomeadamente em matéria de providências cautelares, à luz dos factos pertinentes e segundo os critérios de ponderação estabelecidos na lei, para boa e legal composição dos interesses, privados e públicos, conflituantes no caso.

    O autor, ora recorrido, contra-alegou, concluindo do seguinte modo:

    I) O Recurso interposto pelo Ministério Público é desprovido de fundamento, porque nenhum vicio enferma a decisão recorrida, que ao recusar a aplicação do artigo 38.° do Regulamento Disciplinar da PSP, fez correta interpretação do Direito e da Lei, bem como aplicou bem a Constituição da Republica Portuguesa.

    II) Tal norma, como bem se decidiu, viola, de forma flagrante, os princípios de presunção de inocência, previsto no artigo 32.° da CRP; da igualdade, previsto no artigo 13.°, n.º 1 e 2, da CRP; da proporcionalidade, previsto no artigo 18.°. n.º 2 da CRP.

    III) Esta norma, o referido artigo 38.° da CRP, cuja aplicação foi recusada, e bem, pela decisão recorrida, com fundamento na sua inconstitucionalidade, é grosseiramente inconstitucional, em face de prever aplicação cega, sem qualquer fundamento que não seja um despacho de pronúncia, quando, nomeadamente, se pelo mesmo facto, agente, crime e processo, não houver instrução, tal norma nem sequer se aplica e o agente vai para julgamento, será ou não condenado criminal e disciplinarmente, sem que a suspensão se verifique.

    IV) Todos os demais casos paralelos, desde a GNR, Policias Municipais, ASAE; funcionários e inspetores tributários; altos cargos de chefia e direção e organismos e serviços públicos, não têm no seu regime norma similar ou equivalente, com exceção da PJ, (que ainda igualmente se mantém, mas igualmente é inconstitucional), sendo que os trabalhos preparatórios dos novos regimes já nem preveem tal norma.

    V) E assim, sem outros considerandos e remetendo para o que vai supra na alegação, conclui-se que o recurso não deve merecer provimento, devendo ser mantida a decisão recorrida, declarando-se aqui também que o artigo 38.° é inconstitucional por violação das normas e princípios constantes da decisão recorrida, que fez, louva-se boa aplicação do direito, mormente do direito constitucional.

    Cabe apreciar e decidir.

    II - Fundamentação

  6. A questão de constitucionalidade que vem colocada, e que originou a recusa de aplicação de norma pelo tribunal recorrido, reporta-se ao artigo 38.º, n.º 1, do Regulamento Disciplinar da PSP, aprovado pela Lei n.º 7/90, de 20 de fevereiro, e que...

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