Acórdão nº 76/16 de Tribunal Constitucional (Port, 03 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução03 de Fevereiro de 2016
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 76/2016

Processo n.º 30/14

  1. Secção

    Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

    Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

    I - Relatório

    1. A., Lda. impugnou judicialmente a decisão da Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) que a condenou numa coima pela prática da contraordenação prevista e punida nos nºs 1 e 2 do artigo 257.º e n.º 2 do artigo 484.º da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho (Regulamentação do Código de Trabalho), em aplicação da alínea m), do n.º 6, do artigo 12.º da Lei n.º 7/2009, de 12/02, pelo facto de não ter comunicado àquela Autoridade o acidente de trabalho ocorrido com uma trabalhadora sua.

    Por sentença de 21/11/2013, o Tribunal Judicial de Portimão decidiu julgar inconstitucional a norma constante da parte final do n.º 1 do artigo 257.º da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho, por violação do princípio da tipicidade plasmado nos artigos 29.º, n.º 1 e 3, e 30.º, n.º 1, da Constituição, absolvendo a arguida e ora recorrida da condenação pela prática da contraordenação prevista nessa norma.

    Dessa decisão, o Ministério Público interpôs recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a), do n.º 1, do artigo 70.º da LTC e nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 72.º da mesma lei, para apreciação da constitucionalidade da norma constante da parte final do n.º 1 do artigo 257.º da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho – quando determina que o empregador deve comunicar à Inspeção Geral do Trabalho (atual Autoridade para as Condições do Trabalho) os acidentes “que evidenciem uma situação particularmente grave”, nas vinte e quatro horas seguintes à ocorrência.

    Notificado para o efeito, o Ministério Público junto do Tribunal Constitucional apresentou alegações, concluindo da seguinte forma:

  2. - Vem interposto recurso, pelo Ministério Público, para si obrigatório, nos termos do disposto nos arts. 70.º, n.º 1, al. a), e 72.º, n.º 3, da LOFPTC, “da sentença proferida de fls. 89 a 102” dos autos de proc. n.º 486/13.3TTPTM, do Tribunal do Trabalho de Portimão (Recurso de contraordenação, Lei 107/2009), em que é Recorrente A. e recorrida a ACT – Autoridade para as Condições do Trabalho -, na medida em que na mesma se “recusou a aplicação da norma constante da parte final do n.º 1 do artigo 257.º da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho, com fundamento na sua inconstitucionalidade material, por violação do princípio constitucional da tipicidade plasmado nos artigos 29.º, n.ºs 1 e 3 e 30.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa”, por alegada violação do princípio da tipicidade do comportamento ilícito.

  3. - Porém, só em primeira análise, o conceito de acidentes de trabalhos “(…) que evidenciem uma situação particularmente grave” é, no caso vertente, um verdadeiro e próprio “conceito indeterminado”, pois a própria entidade administrativa (então IGT), logo em setembro de 2005, concretizou o conceito em causa, através da tipificação, nomeadamente, dos casos que configuram “eventos que assumem uma particular gravidade na perspetiva da segurança e saúde no trabalho”, que assim passou a valer como “conceito determinado”.

  4. - E, mesmo que não o tivesse sido, a Constituição, não proscreve em absoluto o recurso a “conceitos indeterminados” em sede do direito de mera ordenação social, nomeadamente, desde que a determinação conceitual em causa não comprometa de modo irremediável a determinabilidade do comportamento ilícito, como sucede no caso em apreço, nomeadamente pelo recurso aos conhecimentos da ciência médica, à colaboração da administração com os particulares, pelo caráter não excessivo do dever de comunicação e, finalmente, pelas garantias decorrentes do controlo judicial de aplicação da lei pela administração do trabalho.

  5. - Pelo que, em qualquer caso, não concorre inconstitucionalidade material, seja por violação do princípio constitucional da “segurança jurídica”, seja da “tipicidade”, no sentido, respetivamente, dos artigos 2.º e 29.º, n.º 1, ambos da Constituição.

    Decorrido o prazo para o efeito, a recorrida não alegou.

    Cumpre apreciar e decidir.

    II - Fundamentação

    1. A norma objeto do presente recurso é a constante do disposto no artigo 257.º, n.º 1, da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho, que regulamentou o Código de Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de agosto, e que foi aplicada à contraordenação laboral em causa no processo, por força do disposto no artigo 12.º, n.º 6, alínea m), do novo Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro. Este artigo revogou os preceitos da Lei n.º 35/2004 sobre a segurança, higiene e saúde no trabalho - artigos 212.º a 280.º, 484.º e 485.º -, mas estabeleceu que a revogação só produz efeitos a partir da entrada em vigor do diploma que regulasse essa matéria, o que aconteceu com a Lei n.º 102/2009, de 10 de setembro, que estabeleceu o novo regime jurídico da promoção da segurança e saúde no trabalho. Como essa lei é posterior à data dos factos que deram origem à contraordenação – 2/06/2009 – a decisão recorrida teve que aplicar aquela norma.

      O artigo 257.º da Lei n.º 35/2004 tem a seguinte redação:

    2. Sem prejuízo de outras notificações previstas em legislação especial, o empregador deve comunicar à Inspeção-Geral do Trabalho os acidentes mortais ou que evidenciem uma situação particularmente grave, nas vinte e quatro horas seguintes à ocorrência.

    3. A comunicação prevista no número anterior deve ser acompanhada de informação, e respetivos registos, sobre todos os tempos de trabalho prestados pelo trabalhador nos 30 dias que antecedem o acidente.

      O dever de comunicação imposto aos empregadores neste preceito insere-se no âmbito das medidas de prevenção de acidentes de trabalho e doenças profissionais que desde há muito tempo veem sido adotadas pelo direito laboral português. A preocupação com a segurança, higiene e saúde no trabalho iniciou-se com a obrigatoriedade de certos estabelecimentos industriais organizarem serviços de medicina do trabalho, nomeadamente aqueles onde existia o risco de silicose ou outras pneumoconioses – Decreto-Lei n.º 44308 de 27 de abril de 1962 e Decreto n.º 44537, de 22 de agosto de 1962 –, posteriormente generalizada a todos as empresas industriais e comerciais com mais de 200 trabalhadores – Decreto-Lei n.º 47511 e Decreto n.º 47512, ambos de 25 de janeiro de 1967. Tendo em vista a fiscalização do cumprimento das obrigações impostas nesses diplomas, o artigo 29.º deste último Decreto determinou que «o médico do trabalho é obrigado a participar ao delegado de saúde e ao delegado do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência do respetivo distrito os acidentes de trabalho que acarretem mais de três dias de incapacidade total e as doenças profissionais de notificação obrigatória».

      No quadro da atual Constituição, em cujos artigos 59.º e 64.º se considera a prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde uma imposição constitucional dirigida aos poderes públicos (e aos empregadores), no sentido de fixarem aquelas condições e de assegurarem o respetivo controlo, o Decreto-Lei n.º 441/91, de 14 de novembro, em cumprimento daquelas normas e das obrigações decorrentes da ratificação da Convenção n.º 155 Organização Internacional do Trabalho (OIT) e da Diretiva n.º 89/391/CEE do Conselho, 12 de junho de 1989, relativa à aplicação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e saúde dos trabalhadores, estabeleceu os princípios que visam promover a segurança, higiene e saúde no trabalho. No artigo 14.º dessa lei-quadro, sob a epígrafe «comunicações e participações», prescreveu-se que, «sem prejuízo de outras notificações previstas em legislação especial, o empregador deve comunicar à Inspeção-Geral do Trabalho, nas 24 horas seguintes à ocorrência, os casos de acidentes mortais ou que evidenciem uma situação particularmente grave»; e no n.º 2 do artigo 21.º estabeleceu-se que «compete à Inspeção-Geral do Trabalho a realização de inquéritos em caso de acidentes de trabalho mortal ou que evidencie uma situação particularmente grave».

      Estas duas normas foram integralmente reproduzidas na legislação do trabalho de 2003: (i) no n.º 2 do artigo 279.º do Código de Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de agosto, que regula a competência da Inspeção-Geral do Trabalho em matéria de fiscalização do cumprimento da legislação relativa à segurança, higiene e saúde no trabalho, preceituando que «compete à Inspeção-Geral do Trabalho a realização de inquéritos em caso de acidentes de trabalho mortal ou que evidencie uma situação particularmente grave»; (ii) e no já transcrito artigo 257.º da Regulamentação do Código do Trabalho, aprovada pela Lei n.º 35/2004 de 29 de julho, que contém a norma objeto de fiscalização no presente processo.

      O atual Código de Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, revogou a Lei n.º 35/2004 e remeteu para legislação especial a regulamentação dos princípios gerais sobre segurança e saúde no trabalho estabelecidos nos artigos 281.º a 284.º. Tal matéria encontra-se atualmente regulada na Lei n.º 102/2009, de 10 de setembro, onde se preceitua no n.º 2 do artigo 14.º que «compete ainda ao organismo a que se refere o número anterior a realização de inquérito em caso de acidente de trabalho mortal ou que evidencie uma situação particularmente grave»; e no n.º 1 do artigo 111.º que, «sem prejuízo de outras notificações previstas na lei, o empregador deve comunicar ao serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área laboral os acidentes mortais, bem como aqueles que evidenciem lesão física grave, nas 24 horas a seguir à ocorrência».

      A obrigação das entidades empregadoras comunicarem às autoridades responsáveis pela área laboral os acidentes graves e mortais sofridos pelos seus trabalhadores consta também de certos regimes específicos de segurança e saúde, como acontece com o trabalho em estaleiros temporários e móveis. O Decreto-Lei n.º 155/95, de 1 de julho, que transpôs para o direito...

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