Decisões Sumárias nº 5/16 de Tribunal Constitucional (Port, 05 de Janeiro de 2016

Magistrado ResponsávelCons. Catarina Sarmento e Castro
Data da Resolução05 de Janeiro de 2016
EmissorTribunal Constitucional (Port

DECISÃO SUMÁRIA N.º 5/2016

Processo n.º 683/2015

  1. Secção

Relator: Conselheira Catarina Sarmento e Castro

Decisão sumária (artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro)

Recorrente: Ministério Público

Recorrido: A., S.A.

I - Relatório

  1. Nos presentes autos, vindos da Instância Central, 3.ª Secção do Trabalho de Matosinhos, Comarca do Porto, veio o Ministério Público interpor recurso da sentença datada de 28 de maio de 2015, invocando o artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante designada por LTC), e pedindo a apreciação da constitucionalidade das normas constantes dos artigos 26.º, n.º 1, alínea i) e n.º 6, 186.º-K a 186.º-R, todas do Código de Processo do Trabalho, “por (…) violação dos princípios do Estado de Direito Democrático, na sua vertente do princípio da segurança jurídica e do princípio da confiança, da igualdade, da autonomia do Ministério Público e da separação de poderes, consagrados, respetivamente, nos artºs 2º e 111º (…), 13º, (…) e 219º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa”.

  2. A sentença recorrida foi proferida no âmbito de ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, instaurada pelo recorrente, nos termos do artigo 186.º-K, do Código de Processo do Trabalho.

    Em tal decisão, o tribunal a quo decidiu julgar inconstitucionais as normas constantes dos artigos 26.º, n.º 1, alínea i) e n.º 6, 186.º-K a 186.º-R, do Código de Processo do Trabalho, com fundamento em inconstitucionalidade material e, em conformidade, recusar a aplicação de tais normas.

    Cumpre apreciar e decidir.

    II – Fundamentos

  3. Enquadrando-se a situação sub judice no disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, porquanto a constitucionalidade das normas, cuja aplicação foi recusada, já foi objeto de apreciação, nomeadamente, no âmbito dos Acórdãos deste Tribunal, a que foram atribuídos os n.os 94/2015, 204/2015 e 440/2015 (disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt), é caso de proferir decisão sumária, termos em que se passa a decidir.

  4. Uma vez que os parâmetros de constitucionalidade referidos no requerimento de interposição de recurso, que fundamentaram a recusa de aplicação pelo tribunal a quo, foram já especificamente analisados nos referidos arestos, seguiremos de perto a fundamentação dos mesmos.

    No tocante à alegada violação do princípio do Estado de direito democrático, na vertente do princípio da segurança jurídica ou da proteção da confiança, refere-se, no Acórdão n.º 94/2015, o seguinte:

    “Importa (…) apreciar se as normas cuja aplicação foi recusada, nos termos expostos, são violadoras do princípio da proteção da confiança.

    Como é sabido, a tutela constitucional da confiança emana do princípio do Estado de direito consagrado no artigo 2.º da Constituição. De acordo com Gomes Canotilho e Vital Moreira, o princípio do Estado de direito “mais do que constitutivo de preceitos jurídicos, é sobretudo conglobador e integrador de um amplo conjunto de regras e princípios dispersos pelo texto constitucional, que densificam a ideia de sujeição do poder a princípios e regras jurídicas, garantindo aos cidadãos liberdade, igualdade e segurança” (cfr. Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª Edição, Almedina, Coimbra, pág. 205). Acrescentam ainda estes autores que “não está à partida excluída a possibilidade de colher dele normas que não tenham expressão direta em qualquer dispositivo constitucional, desde que elas se apresentem como consequência imediata e irrecusável daquilo que constitui o cerne do Estado de direito democrático, a saber, a proteção dos cidadãos contra a prepotência, o arbítrio e a injustiça (especialmente por parte do Estado)” (cit., pág. 206).

    Ora, um dos princípios que surge como projeção irrecusável do Estado de Direito, consagrado no artigo 2.º da Constituição, é justamente o princípio da segurança jurídica ou da proteção da confiança.

    A garantia de segurança jurídica, traduz-se, no plano subjetivo, na ideia de proteção da confiança dos particulares relativamente à estabilidade, continuidade, permanência e regularidade das situações e relações jurídicas vigentes, proteção essa que vale em relação as todas as áreas de atuação Estadual, mediante exigências que são dirigidas à Administração, ao poder judicial e, particularmente, ao legislador.

    No caso dos autos está em causa a aplicação de um regime adjetivo previsto no Código de Processo do Trabalho, introduzido pela Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto, a relações laborais já existentes e qualificadas pelos respetivos contraentes como contratos de prestação de serviços (ou como outros tipos de contrato, que não o contrato de trabalho).

    A questão que se coloca é, pois, a de saber se tal circunstância pode justificar a existência de uma expectativa jurídica que, à luz do princípio da proteção da confiança, torne inconstitucional a aplicação das normas em causa a relações jurídicas já celebradas e entendidas pelos contraentes como contratos de prestação de serviços.

    Tendo em atenção a jurisprudência do Tribunal Constitucional, a tutela jurídico-constitucional da «confiança» pressupõe que se mostrem reunidos quatro diferentes requisitos: «(…) é necessário, em primeiro lugar, que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados «expectativas» de continuidade; depois, devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspetiva de continuidade do «comportamento» estadual; por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa» (cfr., Acórdão n.º 128/2009, cujo entendimento teve seguimento, entre muitos outros, nos acórdãos n.ºs 188/2009, 3/2010 e 401/2013, todos acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt).

    No caso concreto, e no que respeita ao primeiro dos aludidos requisitos, não se poderá afirmar que o Estado tenha tido comportamentos donde se possa inferir a criação, nos privados, de «expectativas» de continuidade de um determinado regime legal. Com efeito, (…), tem havido sempre a preocupação por parte do Estado, no âmbito do direito do trabalho, de desincentivar as situações jurídico-laborais que, sendo equiparáveis a verdadeiros contratos de trabalho, desprotegessem em maior medida o trabalhador, bem como de combater as situações em que, por detrás de uma outra roupagem contratual, se constituem verdadeiras relações de trabalho subordinado. Assim, dificilmente se poderá sustentar que existissem fundadas expectativas privadas no sentido de que não pudessem ser escrutinadas pelo Estado situações em que se levantassem dúvidas quanto à existência de um verdadeiro contrato de trabalho.

    Acresce ainda, e no que respeita agora ao segundo dos aludidos requisitos, que não se pode também dizer que as expectativas dos visados com as normas em causa, a existirem, sejam legítimas, justificadas e fundadas em boas razões.

    Com efeito, nas situações em que as referidas normas são convocáveis, não se poderá afirmar, contrariamente ao que parece resultar da fundamentação da decisão recorrida, que as partes tenham, ao abrigo dos princípios da liberdade contratual e da autonomia privada, feito uma livre escolha do tipo contratual em que querem que a sua relação jurídica se desenvolva, tendo a expectativa de que, sem serem elas próprias a quererem-no ou a solicitá-lo em razão de um concreto conflito sobre...

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