Acórdão nº 98/16 de Tribunal Constitucional (Port, 16 de Fevereiro de 2016
Magistrado Responsável | Cons. Vice-Presidente |
Data da Resolução | 16 de Fevereiro de 2016 |
Emissor | Tribunal Constitucional (Port |
ACÓRDÃO Nº 98/2016
Processo n.º 11/CCE
Plenário
Aos dezasseis dias do mês de fevereiro de dois mil e dezasseis, achando-se presentes o Conselheiro Presidente Joaquim de Sousa Ribeiro e os Conselheiros Fernando Vaz Ventura, Maria de Fátima Mata-Mouros, Pedro Machete, João Cura Mariano, Lino Rodrigues Ribeiro, Catarina Sarmento e Castro, João Pedro Caupers, Carlos Fernandes Cadilha, Ana Maria Guerra Martins, Maria Lúcia Amaral, Maria José Rangel de Mesquita, e foram os presentes autos trazidos à conferência, para apreciação. Após debate e votação, foi ditado pela Conselheira Vice-Presidente, por delegação do Conselheiro Presidente, o seguinte:
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Relatório
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O Tribunal Constitucional, pelo Acórdão n.º 744/2014 (retificado pelo Acórdão n.º 95/2015), julgou prestadas com as ilegalidades e irregularidades ali identificadas, as contas relativas à campanha eleitoral para a eleição do Presidente da República, realizada em 23 de janeiro de 2011, em relação às seguintes candidaturas: Aníbal António Cavaco Silva, Defensor de Oliveira Moura, Fernando José de La Vieter Ribeiro Nobre, Francisco José de Almeida Lopes, José Manuel da Mata Vieira Coelho e Manuel Alegre de Melo Duarte.
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Reconhecendo o Acórdão a existência de situações de violação dos deveres estatuídos na Lei n.º 19/2003, de 20 de junho, em todas aquelas contas, ordenou-se a notificação do Ministério Público, nos termos do disposto no artigo 43.º, n.º 3, da Lei Orgânica n.º 2/2005, para promover a aplicação das respetivas coimas.
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Na sequência, o Ministério Público promoveu que, em relação aos candidatos e seus mandatários financeiros nacionais, se aplique coima sancionatória das ilegalidades e irregularidades especificadas naquele Acórdão e, de seguida, sumariamente enunciadas:
3.1. Aníbal António Cavaco Silva e mandatário financeiro nacional:
- Deficiências de suporte documental
- Despesas de campanha faturadas após a data do ato eleitoral
3.2. Fernando José de La Vieter Ribeiro Nobre e mandatário financeiro nacional
- Impossibilidade de concluir sobre a razoabilidade de algumas despesas
- Deficiências de suporte documental
- Inelegibilidade de algumas despesas
- Donativos anónimos
- Donativos recebidos em data anterior ou posterior ao ato eleitoral
- Ações e meios de campanha não refletidos nas contas
- Violação do dever de apresentar um Anexo às contas
- Receitas provenientes de angariações de fundos não listadas por doador
- Despesas reportadas a datas anteriores ao período eleitoral
3.3. Francisco José de Almeida Lopes e mandatária financeira nacional:
- Contribuições não registadas nas contas da campanha
- Contribuições realizadas após a data do ato eleitoral
- Impossibilidade de cruzar custos da lista de ações com a contabilidade
- Insuficiência do suporte documental de algumas despesas
3.4. José Manuel da Mata Vieira Coelho e mandatário financeiro nacional:
- Ações e meios de campanha não refletidos nas contas
3.5. Manuel Alegre de Melo Duarte e mandatário financeiro nacional:
- Impossibilidade de concluir sobre a razoabilidade de algumas despesas
- Deficiências de suporte documental
- Donativos anónimos
- Contribuições não registadas nas contas da campanha
- Contribuições realizadas após a data do ato eleitoral
- Donativos recebidos em data anterior ou posterior ao ato eleitoral
- Violação do dever de apresentar um Anexo às contas
- Donativos não titulados por cheque ou outro meio bancário
- Aquisição de bens de imobilizado
- Contribuições de partidos não certificadas pelos órgãos competentes
- Não disponibilização da conciliação bancária e da evidência do encerramento da conta bancária
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Nos termos da promoção do Ministério Público (adiante designada Promoção) e no que se refere às candidaturas apresentadas, as ilegalidades e irregularidades identificadas, punidas contraordenacionalmente nos termos das enunciadas disposições legais em conjugação com o artigo 31º, n.º 1 da Lei n.º 19/2003, foram cometidas e vêm imputadas não apenas aos candidatos que as apresentaram, mas igualmente aos respetivos mandatários financeiros nacionais. O Ministério Público sublinha que as infrações consideradas no citado Acórdão n.º 744/2014 “deverão ser imputadas, pessoalmente e em primeira linha, aos respetivos mandatários financeiros. Na verdade, são eles os responsáveis pela elaboração e apresentação das contas da campanha, nos termos do art. 22.º, n.º 1, da Lei n.º 19/2003, de 20/06, recaindo, por isso, sobre eles o dever de garantir o cumprimento das regras de organização contabilística para as contas das campanhas eleitorais, contidas nesta lei”.
Como se repete na Promoção, “decorre do artigo 22.º, n.º 1, da Lei n.º 19/2003 o dever jurídico que pessoalmente obrigava o mandatário financeiro a evitar tais ilegalidades/irregularidades, tomando as adequadas providências para que as mesmas não tivessem ocorrido, implementando ainda os procedimentos e mecanismos internos necessários, a fim de dificultar que outros intervenientes pudessem condicionar negativamente o cumprimento das obrigações que oneravam a candidatura”.
No mais, recorda a Promoção que quer os candidatos quer os respetivos mandatários financeiros nacionais “são supostos conhecer as obrigações e os deveres que para eles decorrem da Lei n.º 19/2003, de 20/06, visto que o seu incumprimento é expressamente sancionado, nomeadamente, nos artigos 31.º e 32.º dessa mesma Lei”.
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À referida Promoção apenas o mandatário financeiro do candidato Manuel Alegre de Melo Duarte nada respondeu. No mais, todos os candidatos responderam, diretamente ou por adesão à defesa apresentada pelos respetivos mandatários financeiros, nos termos que, adiante, serão referidos.
II – Fundamentos
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Questões gerais
Tendo as contas relativas à campanha eleitora para a eleição de Presidente da República, realizadas a 23 de janeiro de 2011, sido julgadas prestadas com as irregularidades e ilegalidades verificadas no Acórdão n.º 744/2014, apenas cabe agora apreciar o que possa ter relevância em termos de excluir a punibilidade de tais ilegalidades e irregularidades ou de contribuir para a determinação do grau de culpa das candidaturas infratoras, uma vez que a existência objetiva daquelas ilegalidades e irregularidades já foi definitivamente decidida em aresto anterior.
Antes da análise das diferentes contraordenações em especial, pelas quais o Ministério Público promove a aplicação de coimas, importa considerar algumas questões gerais: as que decorrem de jurisprudência firme sobre responsabilidade contraordenacional por infrações relativas ao financiamento das campanhas eleitorais e organização das respetivas contas, as que são comuns e colocadas por vários candidatos ou mandatários financeiros e as que, sendo apenas colocadas por algum deles, a procederem, a todos aproveitariam. Vejamos.
6.1. Uma primeira questão diz respeito às condutas passíveis de serem sancionadas com coima. Os factos dados como verificados pelo Acórdão n.º 744/2014 (todos os acórdãos citados estão disponíveis na página Internet do Tribunal em www.tribunalconstitucional.pt) e constantes da Promoção consubstanciam casos de incumprimento dos deveres, de diferente natureza, impostos pela Lei n.º 19/2003. No Acórdão n.º 417/2007 – em que o Tribunal, face a um quadro normativo material novo, sancionou pela primeira vez os Partidos por infrações relativas ao financiamento das campanhas eleitorais e à organização das respetivas contas (tratava-se das contas da campanha para as eleições legislativas de 20 de fevereiro de 2005) -, entendeu o Tribunal que se justificava adotar uma sistematização das infrações distinta da utilizada nas anteriores decisões que haviam sancionado infrações relativas ao financiamento dos Partidos políticos e à organização das suas contas anuais. Naquele Acórdão, o Tribunal começou por recordar que, nos termos do artigo 28º, n.º 1, da Lei n.º 19/2003, “os infratores das regras respeitantes ao financiamento dos Partidos e das campanhas eleitorais previstas nos capítulos II e III ficam sujeitos às sanções previstas nos números e artigos seguintes”, sendo que os números 2 a 4 do artigo 28º preveem sanções criminais e os artigos 29º a 32º preveem coimas. Restringindo-se a competência do Tribunal Constitucional à aplicação destas últimas, nos termos previstos no artigo 33.º, n.º 1, da Lei n.º 19/2003, acrescentou-se, porém, logo de seguida, que não há “uma correspondência perfeita entre os deveres que o Capítulo III da Lei n.º 19/2003 impõe às candidaturas e as coimas previstas nos artigos 30.º a 32.º”, existindo, inclusivamente, deveres cujo incumprimento não é sancionado com coima”.
6.2. Feita a constatação, procedeu o Tribunal, num esforço de sistematização, à identificação das condutas que o legislador escolheu como passíveis de coima, em matéria de financiamento e organização das contas das campanhas eleitorais e que são, em síntese, as seguintes:
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recebimento, por parte dos Partidos políticos, de receitas para a campanha eleitoral através de formas não consentidas pela Lei n.º 19/2003 - artigo 30º, n.º 1, da mesma Lei;
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incumprimento, por parte dos Partidos políticos, dos limites máximos de despesas de campanha eleitoral fixados no artigo 20.º da Lei n.º 19/2003 – artigo 30º, n.º 1, desta Lei;
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incumprimento, por parte das pessoas singulares, pessoas coletivas e respetivos administradores, das regras de financiamento de campanha eleitoral previstas no artigo 16º da Lei n.º 19/2003 – artigo 30º, n.ºs 2 a 4, da citada Lei;
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ausência ou insuficiência de discriminação e comprovação das receitas e despesas da campanha eleitoral, por parte dos Partidos políticos, mandatários financeiros, candidatos às eleições presidenciais, primeiros candidatos de cada lista e primeiros proponentes de grupos de cidadãos eleitores – artigo 31º da Lei n.º 19/2003;
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incumprimento do dever de entrega, por Partidos, mandatários financeiros, candidatos às eleições presidenciais, primeiros candidatos de cada lista e primeiros proponentes de grupos de...
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