Acórdão nº 136/16 de Tribunal Constitucional (Port, 29 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução29 de Fevereiro de 2016
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 136/2016

Processo n.º 521/15

Plenário

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. O Presidente do Governo Regional dos Açores, ao abrigo do disposto na alínea g), do n.º 2, do artigo 281.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e do artigo 51.º da Lei n.º 21/82, de 15 de novembro, na redação em vigor (LTC), requereu a declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade e da ilegalidade das normas dos artigos 5.°, n.º 3, 12.º, 15.º, n.º 2, 18.º, 22.º, 24.º, n.º 5, 26.º, 35.º, 97.º, 98.º e 107.º, e, em consequência, de todas as demais disposições do Decreto-Lei n.º 38/2015, de 12 de março, diploma que desenvolve as Bases da Política de Ordenamento e de Gestão do Espaço Marítimo Nacional, aprovadas pela Lei n.º 17/2014, de 10 de abril.

2. O requerente alega, em síntese, o seguinte:

- O território da Região Autónoma dos Açores (RAA) abrange, não apenas as ilhas do arquipélago dos Açores e seus ilhéus (n.º 1 do artigo 2.º do EPARAA), como também as águas interiores, o mar territorial e a plataforma continental contíguas ao arquipélago (n.º 2 do artigo 2.º do EPARAA).

- É por isso que do artigo 8.º do EPARAA se extrai o “princípio de concorrência de competências estaduais e regionais” no domínio do mar. Na verdade, o facto de o Estado ser o titular dos bens do domínio público marítimo não significa que as Regiões Autónomas não tenham direitos e prerrogativas quanto a esses mesmos bens, tal como está subjacente aos n.ºs 1 e 3 do artigo 8.º do EPARAA. Enquanto no n.º 1 se visa garantir que os poderes que o Estado detenha sobre os bens que integram o domínio público marítimo estadual devem ser exercidos conjuntamente com a RAA, no n.º 3, com um objeto mais alargado, dado que compreende no seu âmbito a gestão de todas as zonas marítimas sob soberania ou jurisdição nacional, visa-se instituir um princípio de gestão partilhada entre o Estado e a RAA. Além disso, o n.º 2 do artigo 8.º do EPARAA atribui expressamente à Região os poderes exclusivos de licenciamento da utilização privativa do domínio público marítimo, das atividades de extração de inertes, da pesca e das energias renováveis.

- Ora, para além do necessário limite da integridade e soberania do Estado, o artigo 8.º do EPARAA não densifica o princípio da gestão partilhada. No entanto, num domínio em que existem atribuições de exercício comum e repartido tem que haver uma definição prévia daquilo que pode ou não ser partilhado, assim como dos termos concretos em que se processa a partilha, a que acresce, como é natural, que a própria definição do que pode, ou não, ser partilhado, nunca poderá ser tomada de modo unilateral e sem um processo de coordenação e concertação entre os órgãos de soberania e os órgãos de governo próprio das regiões autónomas. Na medida em que as concretas formas de utilização do domínio público, nomeadamente quanto ao regime de licenciamento e contratos de concessão, são uma das matérias incluídas no n.º 2 do artigo 84.º da CRP que escapam à previsão do artigo 165.º, n.º 1, alínea v) da CRP, cabem na concorrência legislativa concorrente da Assembleia da República e do Governo.

- Tanto a Lei n.º 17/2014, de 10 de abril (que estabeleceu as Bases da Política de Ordenamento e de Gestão do Espaço Marítimo Nacional), quanto o Decreto-Lei n.º 38/2015, de 12 de março (que desenvolveu aquela última), têm por objeto o estabelecimento de um quadro regulatório aplicável ao ordenamento e à gestão das atividades desenvolvidas no espaço marítimo nacional, incluindo as que têm lugar nos espaços marítimos adjacentes às Regiões Autónomas. Ora, a alínea a), do n.º 1, do artigo 84.º da CRP estabelece que “pertencem ao domínio público (...) as águas territoriais com os seus leitos e os fundos marítimos contíguos (…)”. Já «de acordo com o disposto no artigo 4.º da Lei n.º 54/2005, “o domínio público marítimo pertence ao Estado”, daqui decorrendo que os espaços marítimos adjacentes ao arquipélago dos Açores integram o domínio público estadual.

- Porém, da inserção destes espaços marítimos no âmbito do domínio público estadual não decorre a impossibilidade de a sua gestão ser confiada a outra entidade, designadamente porque nada impede que – em paralelo com as atividades ligadas à soberania nacional da competência exclusiva das autoridades estaduais – outras atividades de caráter estritamente económico possam ser desenvolvidas pelas Regiões Autónomas. Neste último caso, do que se trata verdadeiramente não é de saber se a titularidade dos espaços marítimos nacionais pode ser transferida para as Regiões Autónomas, mas antes se a gestão desses espaços pode, pelo menos parcialmente, caber aos órgãos de governo próprio da Região Autónoma.

- Assim, se os artigos 22.º e 23.º do EPARAA reconhecem (explícita ou implicitamente) que os bens afetos ao domínio público marítimo não integram a esfera de dominialidade regional, já o artigo 8.º do EPARAA enquadra os termos de referência do quantum da transferência de competências gestionárias do Estado para a RAA. Apesar das dificuldades hermenêuticas que esta norma encerra, parece seguro que os n.ºs 1 e 3 do artigo 8.º do EPARAA não estabelecem um mero direito de participação (mesmo que obrigatória) num procedimento cuja decisão final caiba exclusivamente a um órgão do Estado. Pelo contrário, cabe ao legislador ordinário definir o modelo concreto de concertação da vontade decisória dos órgãos regionais e nacionais e desta forma densificar o modelo específico de partilha ou exercício conjunto dos poderes de gestão relativos ao domínio público marítimo adjacente ao arquipélago dos Açores.

- Ora, a Lei n.º 17/2014 introduziu na ordem jurídica portuguesa as bases da política de ordenamento e de gestão do espaço marítimo nacional, tendo em vista assegurar a utilização sustentável de todo o espaço marítimo nacional. Só por aqui já se antevê que o objeto deste ato normativo em nada contende com questões de dominialidade pública ou de exercício de soberania nacional, mas antes com o exercício de funções administrativas, nomeadamente (i) a adoção de instrumentos de ordenamento e gestão do espaço marítimo e (ii) a tramitação de procedimentos administrativos relativos aos usos e atividades a desenvolver nesse espaço.

- No que respeita ao primeiro vetor (o ordenamento e gestão do espaço marítimo), a Lei n.º 17/2014 estabeleceu o primeiro entorse ao quadro de gestão conjunta ou partilhada definido nos n.ºs 1 e 3 do artigo 8.º do EPARAA, ao atribuir ao Governo da República a competência exclusiva para a aprovação dos planos de situação e de afetação (cf. n.º 2 do artigo 5.º e artigo 8.º).

- Por seu turno, o Decreto-Lei n.º 38/2015 densifica, aparentemente, o modelo de gestão conjunta ou partilhada do espaço marítimo, o qual, grosso modo, se traduz na distinção entre duas competências: (i) a competência de ordenamento do espaço marítimo, referente à adoção de planos de situação ou de afetação (atribuída em exclusivo ao Governo da República); e (ii) a competência para a emissão de títulos de utilização privativa do espaço marítimo (atribuída em exclusivo às Regiões Autónomas se a atividade se desenvolver no espaço marítimo adjacente ao respetivo arquipélago até ao limite das 200 milhas marítimas).

- Porém, no modelo gizado pelo artigo 8.º do EPARAA, esta segunda competência (para a emissão de títulos de utilização privativa) era já exclusiva das Regiões Autónomas, ao passo que a primeira competência (para a adoção de instrumentos de gestão do espaço marítimo adjacente) deveria ter sido sujeita a um modelo de gestão conjunta ou partilhada, o que não sucedeu. De facto, reduziu-se mesmo a posição procedimental das Regiões Autónomas no seu processo de elaboração, tendo-se, além do mais, comprimido as competências de ordenamento do território que, até então, estavam alocadas a esfera da Região Autónoma, por força do disposto nos artigos 53.º e 57.º do EPARAA.

- Assim acontece com o n.º 3 do artigo 5.º de Decreto-Lei n.º 38/2015, ao determinar que, para garantir uma melhor articulação e compatibilização entre os planos de situação e de afetação e os demais instrumentos de gestão territorial preexistentes, aqueles últimos devem conter uma identificação expressa “das normas incompatíveis dos programas e planos territoriais preexistentes que devem ser revogadas ou alteradas”. Deste modo, esta disposição assume que os planos de situação ou de afetação elaborados pelo Governo da República prevalecem sobre os programas e planos territoriais adotados pela Região Autónoma ao abrigo da sua competência normativa específica, identificada no artigo 57.º do EPARAA. Ao fazê-lo, está a comprimir a competência legislativa regional à margem do texto constitucional e estatutário, sendo por isso inconstitucional, por violação do disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 227.º e do n.º l do artigo 228.º, ambos da CRP.

- Por seu turno, o artigo 12.º desse Decreto-Lei determina que a competência para a elaboração de um plano de situação compete exclusivamente ao Governo da República (cf., em especial, o n.º 6), reduzindo o papel da Região Autónoma a um direito não qualificado de consulta, ou a um direito de elaboração (mas não de aprovação) de um plano de situação dos espaços marítimos adjacentes até às 200 milhas marítimas. Ao fazê-lo, está a violar o disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo 8.º do EPARAA, sendo por isso ilegal, na medida em que descura o facto de estatutariamente este poder dever ser partilhado ou exercido conjuntamente. Pelas mesmas razões, o artigo 18.º do mesmo diploma, ao especificar que o plano de situação elaborado pe1a Região Autónoma tem de ser aprovado pelo Governo da República, está a violar o disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo 8.º do EPARAA, sendo por isso ilegal.

- Em termos simétricos, os artigos 22.º e 26.º, ao determinarem a aplicação, no âmbito do plano de afetação, do disposto nos n.ºs 2 a 6 do artigo 12.º e no artigo 18.º, violam...

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