Acórdão nº 126/16 de Tribunal Constitucional (Port, 24 de Fevereiro de 2016
Magistrado Responsável | Cons. Fernando Vaz Ventura |
Data da Resolução | 24 de Fevereiro de 2016 |
Emissor | Tribunal Constitucional (Port |
ACÓRDÃO Nº 126/2016
Processo n.º 754/15
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Secção
Relator: Conselheiro Fernando Ventura
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
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Relatório
1. O Ministério Público instaurou ação declarativa de reconhecimento da existência de contrato de trabalho contra A., S.A., pedindo que fosse reconhecido que o contrato celebrado a 3 de março de 2014 entre a Ré e B. consiste num contrato de trabalho, enquadrável no conceito definido no artigo 12.º do Código do Trabalho.
No início da audiência de partes, realizada no Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Instância Central – 1.ª Secção do Trabalho, B. e a Ré firmaram acordo no sentido de que o contrato em causa nos autos consubstancia um contrato de prestação de serviços, e não um contrato de trabalho, tendo o Ministério Público declarado expressamente a sua oposição a tal acordo.
Nessa sequência, foi proferida sentença, exarada em ata, nos termos da qual se entendeu que a matéria não tem natureza de direito indisponível e, julgando o acordo celebrado válido, quer objetiva, quer subjetivamente, se procedeu à sua homologação, absolvendo a Ré do pedido.
Inconformado, o Ministério Público recorreu desta sentença para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 26 de maio de 2015, concedeu provimento ao recurso e revogou a decisão recorrida, ordenando o prosseguimento dos autos.
2. Recorreu então a Ré para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
Normas cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie
1. O presente recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade é interposto ao abrigo do disposto no artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa (CRP) e do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, por entender a Recorrente que o Tribunal da Relação do Porto, no Acórdão proferido nestes autos a 26.05.2015, interpretou e aplicou preceito legal em sentido desconforme à Constituição.
2. O preceito legal onde se encontra vertida a norma jurídica, cuja conformidade constitucional a Recorrente pretende ver apreciada, é o artigo 186.º-O, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho (CPT), introduzido pela Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto, que aprovou a ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho.
3. A dimensão normativa extraída do referido preceito legal, cuja conformidade constitucional se pretende ver apreciada, é aquela que resulta da interpretação do aludido preceito no sentido de que da conciliação aí prevista apenas pode resultar um acordo de "estrita legalidade", isto é, o reconhecimento da existência de contrato de trabalho,
4. Sendo irrelevante qualquer manifestação de vontade dos putativos trabalhador e empregador, em sentido diverso da pretensão formulada pelo Ministério Público.
5. Reconhecendo-se, assim, a este magistrado direito autónomo de prosseguimento da ação, alheio e contrário aos interesses privados que estão na origem da celebração do contrato sujeito a qualificação e à posição assumida pelas partes da relação material controvertida na audiência de partes.
6. É inequívoco que o Acórdão recorrido aplicou a norma extraída da disposição legal citada no sentido assinalado, enfrentando diretamente a questão de (in)constitucionalidade em termos que se reputam incorretos.
7. Fê-lo ao decidir que na tentativa de conciliação prevista no artigo 186.º-O, n.º 1 do CPT não pode relevar qualquer manifestação de vontade dos alegados trabalhador e empregador que seja contrária à pretensão formulada na petição inicial, por estarem alegadamente em causa na ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, a que se reporta a Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto, interesses públicos e por esta ação ter sido proposta pelo Ministério Público, assumindo este a posição de autor,
8. Decidindo, por isso, que é ilegal - não podendo ser homologado - o acordo obtido pelos contraentes da relação material controvertida, em sede de audiência de partes, no sentido de que a relação jurídica existente entre ambos é de prestação de serviços,
9. Donde resulta que o Ministério Público pode prosseguir ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho (ação de simples apreciação positiva que se limita a declarar a existência de direito ou facto jurídico), em oposição à vontade e interesse livremente manifestada pelos titulares da relação jurídica em discussão, na audiência de partes prevista no artigo 186.º-O, n.º 1 do CPT.
Normas e princípios constitucionais que se considera terem sido violados
10.A norma jurídica constante do artigo 186.º-O, n.º 1, do CPT, interpretada e aplicada no sentido explicitado nos pontos 3 a 5 supra, adotado pelo Acórdão recorrido, viola os princípios da liberdade de escolha do género de trabalho e do direito de ação, previstos, respetivamente, nos artigos 47.º/1 e 20.º/1 e 4 da Constituição da República e, bem assim, os princípios da igualdade e do direito a processo equitativo, previstos respetivamente nos artigos 13.º/1 e 20.º/4 da Constituição, porquanto tal interpretação determina que não esteja na disponibilidade dos sujeitos da relação material controvertida transigir sobre a natureza daquela relação, em sentido distinto da pretensão formulada na petição inicial pelo Ministério Público, e que se reconheça ao Ministério Público direito autónomo de prosseguimento da ação, alheio e contrário aos interesses privados que estão na origem da celebração do contrato sujeito a qualificação (infringindo os valores da autonomia privada e da liberdade contratual, acolhidos no artigo 405.º do Código Civil), donde resulta que pode ser declarada a existência de contrato (in casu, de trabalho) sem vontade de nenhum dos contraentes, interpretação que não respeita o sentido do texto legislativo, sendo incoerente com as soluções previstas pelo sistema jurídico para situações semelhantes e conduzindo a resultados distintos para pretensões iguais, sem justificação adequada.
Peças Processuais em que foi suscitada a questão de (in)constitucionalidade
11. A questão de (in)constitucionalidade referida supra foi suscitada na contestação apresentada pela ora Recorrente, enquanto exceção inominada de inconstitucionalidade (pontos 1 a 3 da matéria de Direito), bem como nas contra-alegações do recurso de apelação nas pp. 13 e 26, e ainda nas Conclusões 12.ª e 22.º dessa peça processual.
3. Admitido o recurso e remetidos os autos a este Tribunal, foi ordenado o prosseguimento para alegações.
3.1. O recorrente veio alegar, com o seguinte remate conclusivo:
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O presente recurso tem por objeto o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26 de maio de 2015, que interpretou e aplicou a norma jurídica contida no artigo 186.º-O, n.º 1, do CPT, em violação dos princípios da liberdade de escolha do género de trabalho e do direito de ação e, bem assim, dos princípios da igualdade e do direito a processo equitativo.
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A dimensão normativa extraída do referido preceito legal, cuja conformidade constitucional se pretende ver apreciada, é aquela que resulta da interpretação do mesmo no sentido de que da conciliação aí prevista apenas pode resultar um acordo de "estrita legalidade", isto é, o reconhecimento da existência de contrato de trabalho, sendo irrelevante qualquer manifestação de vontade dos putativos trabalhador e empregador, em sentido diverso da pretensão formulada pelo Ministério Público, daí resultando o reconhecimento a este magistrado de direito autónomo de prosseguimento da ação, alheio e contrário aos interesses privados que estão na origem da celebração do contrato sujeito a qualificação e à posição assumida pelas partes da relação material controvertida na audiência de partes.
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No acórdão recorrido, o Tribunal da Relação do Porto julgou inválida a transação efetuada, em sede de audiência de partes, pelos putativos trabalhador e empregador, no sentido de que a relação jurídica existente entre ambos é de prestação de serviços.
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Fê-lo ao decidir que na tentativa de conciliação prevista no artigo 186.º-O, n.º 1 do CPT não pode relevar qualquer manifestação de vontade dos alegados trabalhador e empregador que seja contrária à pretensão formulada na petição inicial, por estarem alegadamente em causa na ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, a que se reporta a Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto, interesses públicos e por esta ação ter sido proposta pelo Ministério Público, assumindo este a posição de autor, decidindo, por isso, que é ilegal - não podendo ser homologado - o acordo obtido pelos contraentes da relação material controvertida, em sede de audiência de partes, no sentido de que a relação jurídica existente entre ambos é de prestação de serviços.
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Verifica-se, portanto, coincidência entre o fundamento da decisão recorrida e o objeto do presente recurso, tal como definido no requerimento de interposição de recurso.
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A consagração no processo do trabalho da ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho constituiu instrumento para enfrentar a tendência para a fuga ilícita ao Direito do Trabalho, por via da contratação de falsas prestações de serviços.
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A referida ação não visa prosseguir interesse público, de toda a coletividade, mas conferir a cada putativo trabalhador um meio acrescido para a obtenção da tutela legal que lhe é devida.
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Uma vez iniciada a instância, o interesse protegido em cada ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho é o do sujeito da concreta relação jurídica em apreço.
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Assim sendo, o titular do interesse processualmente protegido e autor da ação e o putativo trabalhador, cujo contrato de trabalho pretende ver reconhecido.
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A ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho é de simples apreciação positiva, estando o objeto do processo limitado à qualificação do vínculo contratual.
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Atento...
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