Acórdão nº 123/16 de Tribunal Constitucional (Port, 24 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelCons. Ana Guerra Martins
Data da Resolução24 de Fevereiro de 2016
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 123/2016

Processo n.º 808/2014

  1. Secção

Relator: Conselheira Ana Guerra Martins

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional

  1. Relatório

    1. Nos presentes autos, em que é recorrente o Ministério Público e recorrido A., ao abrigo do disposto nos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional («LTC»), foi interposto recurso, em 30 de junho de 2014 (fls. 237 a 242), do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 10 de abril de 2014 (fls. 212 a 220), que julgou provido o recurso, de 16 de dezembro de 2013 (fls. 11 a 19), do despacho proferido pelo Tribunal Central de Instrução Criminal («TCIC»), em 12 de novembro de 2013 (fls. 156 a 163).

    2. Uma vez que as alegações só devem ser apresentadas após notificação para o efeito, a Relatora, em 24 de setembro de 2014 (fl. 248), determinou que as alegações juntas ao requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade fossem dadas como não lidas, e, além disso, tendo verificado que o requerimento de recurso não continha todos os elementos legalmente exigíveis, proferiu ainda despacho de aperfeiçoamento, na mesma data (fl. 248), com o seguinte teor:

      “Quanto ao recurso interposto, convido o requerente, de acordo com o disposto no art. 75-A, n.º 6, da LTC, a, querendo, vir aos autos, no prazo de 10 (dez) dias, dar cumprimento ao disposto no n.os 1 e 2 do artigo 75.º-A da LTC.”

    3. Em sequência, o recorrente veio aos autos, 2 de outubro de 2014 (fls 249 a 266), dizer o seguinte:

      “15º

      Foi justamente por ter procedido dessa forma, que o mesmo magistrado do Ministério Público pôde, posteriormente, interpor recurso para este Tribunal Constitucional, o que fez nos seguintes termos (cfr. fls. 237 dos autos):

      “O magistrado do Mº Pº junto deste Tribunal da Relação de Lisboa vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão proferido nos autos à margem referenciados datado de 10/04/2014, mas que, face à arguição de nulidade apresentada pelo Mº Pº, foi confirmada em 19 de junho de 2014, com base nas disposições conjugadas dos arts. 280º, nºs 1, al. b), e 4 da Constituição da República Portuguesa, 70º, nº 1, al. b) e 2, 72º, nº 2, 75º-A e 78º da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (Lei 28/82, de 15 de novembro, com várias alterações entretanto sofridas), a subir imediatamente nos autos e com efeito devolutivo (arts. 406º, nº 1, 407º e 408º a contrario do C.P.P., ex vi art. 78º, nº 2 da citada Lei Orgânica).”

      16º

      Concede-se, no entanto, que o digno magistrado não deveria ter junto logo as suas alegações de recurso, em face do art. 79º da LTC, como devidamente salientado pela Ilustre Conselheira Relatora deste Tribunal Constitucional.

      No entanto, em tais alegações encontrava-se a correta identificação da questão de constitucionalidade normativa que se pretendia suscitar, bem como da norma posta em causa pelos Acórdãos recorridos do Tribunal da Relação de Lisboa (cfr. fls. 238 dos autos) (destaques do signatário):

      “2º - Indeferida a sua pretensão, o mesmo arguido interpôs recurso para a Relação de Lisboa (fls. 2 e segs.) para que fosse conferida ao TIC de Lisboa a competência para a instrução requerida, recurso que foi admitido a subir em separado e com efeito devolutivo, tendo o Mº Pº respondido a fls. 21 e segs., alegando, conforme consta das conclusões da resposta às motivações de recurso (fls. 53), para além do mais, que (vd. fls. 34 da resposta e 54 dos autos) “decorre ainda do art. 24º da … LOFTJ (correspondente hoje ao art. 38º da Lei da Organização do Sistema Judiciário – Lei 62/2013, de 26 de agosto) que nenhuma causa pode ser deslocada do tribunal competente para outro, exceto nos casos especialmente previstos na lei”, regra que é uma decorrência do princípio do juiz natural consagrado no art. 32º da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP).”

      17º

      Mais adiante, refere-se, igualmente, nas mesmas alegações (cfr. fls. 240-241 dos autos):

      “10º - tendo o processo sido da competência do TCIC, cometendo-se, por razões da acusação, a competência ao TIC de Lisboa, viola-se o citado princípio do juiz natural ou legal, posto que a causa, sem qualquer justificação, foi deslocada de um tribunal territorialmente competente e que interveio no processo pela primeira vez (TCIC) para outro também territorialmente competente (TIC de Lisboa), mas por motivos de acusação deduzida findo o inquérito por crimes que não cabem no elenco dos que caiem no âmbito da competência material do TCIC.

      11º - E foi precisamente nesse sentido (ou seja, de retirar ao TCIC competência para a instrução do NUIPC em epígrafe, cometendo-a ao TIC de Lisboa, apesar de ambos terem competência territorial para o caso concreto, sendo, porém, que os primeiros atos jurisdicionais foram praticados pelo TCIC) que foi a decisão consagrada no acórdão da Relação ora em crise, pelo que ocorre a alegada inconstitucionalidade do art. 24º da LOFTJ, hoje 38º da LSOJ, por violação do disposto no art. 32º, nº 9 da CRP (princípio do juiz natural ou legal), quando interpretada no sentido de que a competência para a instrução pode ser diferida, devido à acusação ou requerimento de abertura de instrução, a outro tribunal que tenha igual competência territorial que o primeiro tribunal no caso concreto, tendo sido neste que foram praticados os primeiros atos jurisdicionais em sede de inquérito.”

      No entanto, tal formulação não poderá, em face do despacho da Ilustre Conselheira Relatora, de 24 de setembro de 2014 (cfr. fls. 248 dos autos), ser agora tomada em consideração.

      18º

      Pode, contudo, concluir-se, de todo o exposto, que a norma posta em causa pelo recurso interposto pelo Ministério Público, junto do Tribunal da Relação de Lisboa, e já anteriormente abordado, pela digna magistrada do Ministério Público junto da 1ª instância, na sua resposta à motivação de recurso do Arguido, é a constante da interpretação conjugada dos arts. 24º e 25º da LOFTJ.

      A interpretação normativa posta em crise da referida norma é, por outro lado, a de «a competência para a instrução poder ser retirada a um tribunal, onde foram praticados os primeiros atos jurisdicionais em sede de inquérito, para ser deferida, no seguimento de acusação ou requerimento de abertura de instrução, a outro tribunal que tenha igual competência territorial que o primeiro».

      Por último, o momento em que a questão de constitucionalidade foi suscitada, foi, desde logo, na resposta, do Ministério Público, à motivação de recurso do arguido, para o Tribunal da Relação de Lisboa e, posteriormente, na arguição de nulidade do Acórdão de 10 de abril de 2014, do Tribunal da Relação de Lisboa.”

    4. Notificado para o efeito, o recorrente produziu alegações, em 24 de outubro de 2014 (fls. 268 a 311), com o seguinte teor:

      “V. Apreciação do thema decidendum

      17º

      Que se poderá, então, aduzir em relação à questão de constitucionalidade suscitada nos presentes autos?

      Desde logo, que nos encontramos perante mais um caso paradigmático, em que a realização da justiça sai muito fragilizada do cotejo dos presentes autos.

      Com efeito, com base numa questão meramente formal, seguramente interessante e de grande interesse doutrinário, mas que suscita opiniões desencontradas na doutrina e na jurisprudência, põe-se em causa a eficácia de um processo-crime em que se investiga, como se viu (cfr. supra nº 2 das presentes alegações), a prática de 12 crimes de falsificação de documento autêntico, p. e p. pelo art. 256º, nº 1, alínea a), d) e e) e nº 3 do Código Penal.

      18º

      Com efeito, a manterem-se os Acórdãos recorridos do Tribunal da Relação de Lisboa, a consequência será a seguinte, como os mesmos arestos devidamente concluíram (cfr. supra nº 11 das presentes alegações):

      “A competência do tribunal para proceder à instrução tem que ser aferida em face da acusação ou do RAI, conforme os casos, porque são estes que fixam o objeto do processo.

      Por isso, no presente caso, uma vez que o Arg. foi acusado de crimes que não constam do catálogo do art.º 47º/1 de LOMP, nos termos do art.º 112º/1 da LOFTJ, o TCIC não é materialmente competente para proceder à requerida instrução, sendo-o o TIC de Lisboa.

      As consequências desta incompetência estão fixadas nos art.º 33º e 119º/e) do CPP, isto é, o despacho que declarou aberta a instrução é nulo e o processo deve ser remetido ao TIC de Lisboa.

      Contrariamente ao que consta da decisão recorrida, esta nulidade verifica-se pela mera violação das regras da competência, independentemente de essa violação ter prejudicado os direitos do Arg. ou comprometer a realização da justiça, como decorre inelutavelmente do teor do dispositivo legal.

      Por outras palavras, recomeçar-se-á toda a instrução e os factos, que deram origem à instauração do presente processo-crime, prescreverão irremediavelmente.

      Como, aliás, já aconteceu em relação a diversos outros processos relativos ao mesmo arguido, apesar do largo rol de factos que lhe foram imputados ao longo dos anos.

      E, mais uma vez, ninguém compreenderá, em termos de realização da justiça, o sentido de uma tal inevitabilidade.

      Sobretudo quando a questão é, em termos de direitos do arguido, completamente irrelevante (cfr. supra nº 7 das presentes alegações):

      “Na situação concreta temos o confronto de dois Tribunais que ocupam a mesma posição na hierarquia, têm como objeto a mesma jurisdição e estão vocacionados para intervir na mesma fase processual: o inquérito e a instrução.

      Consequentemente, da intervenção de um ou de outro não resultam diminuídas as garantias de qualquer dos arguidos, sendo que, também por esta razão não são postas em causa as finalidades garantísticas com que foram definidas as funções jurisdicionais de cada um deles.”

      É caso para refletir na fina sabedoria da frase de Cícero: Silent enim legis inter arma (Pro Milone) …

      19º

      Seja como for, crê-se que assistirá razão ao digno Juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal na sua argumentação, quando este magistrado entendeu (cfr. supra nº 3 das presentes alegações):

      “Os presentes autos, ainda na...

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