Acórdão nº 181/16 de Tribunal Constitucional (Port, 29 de Março de 2016
Magistrado Responsável | Cons. Teles Pereira |
Data da Resolução | 29 de Março de 2016 |
Emissor | Tribunal Constitucional (Port |
ACÓRDÃO Nº 181/2016
Processo n.º 20/16
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Secção
Relator: Conselheiro Teles Pereira
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – A Causa
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No processo de inquérito que correu termos no (hoje extinto) Tribunal Judicial da Comarca de Oeiras com o n.º 446/07.3ECLSB, foi deduzida acusação contra os arguidos A., S.A. e B. (os ora Recorrentes), imputando a cada um deles a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de imitação e uso ilegal de marca, previsto e punido pelo artigo 323.º, alíneas a) e c) do Código da Propriedade Industrial (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 36/2003, de 5 de março), um crime de venda e circulação de artigos, previsto e punido pelo artigo 324.º do Código da Propriedade Industrial, e uma contraordenação prevista pelo artigo 317.º, n.º 1, alínea a) do Código da Propriedade Industrial e punida pelo artigo 331.º do mesmo diploma, sendo a arguida sociedade punida por força do disposto nos artigos 320.º do Código da Propriedade Industrial e 3.º, n.º 1, e 7.º do Decreto-Lei n.º 24/84, de 20 de janeiro.
1.1. O arguido B. requereu a abertura de instrução, pugnando pela prolação de um despacho de não pronúncia.
1.1.1. A culminar esta fase, findo o debate instrutório, foi proferida decisão de pronúncia dos arguidos pelos mesmos factos e respetiva qualificação jurídica constantes da acusação.
1.1.2. Não se conformando com a decisão de pronúncia, os arguidos interpuseram recurso da decisão instrutória, arguiram a respetiva nulidade (por omissão de pronúncia e violação dos direitos de defesa) e arguiram, ainda, a nulidade da instrução (por insuficiência). Quanto ao recurso, os arguidos invocaram a inconstitucionalidade do disposto no artigo 310.º, n.º 1, do CPP.
1.1.3. O senhor Juiz de Instrução Criminal, por despacho de 23/03/2012 não admitiu o recurso da decisão instrutória, incluindo na parte em que se pronuncia sobre nulidades da instrução e da decisão instrutória, não recusando a aplicação do disposto no artigo 310.º, n.º 1, do CPP, por não considerar esta norma inconstitucional. No mais, considerou extemporânea a invocação de nulidades da instrução (por ser posterior à prolação da decisão instrutória) e improcedente a arguição de nulidade da decisão instrutória.
1.2. Inconformados com as decisões indicadas no antecedente item 1.1.3., os arguidos interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, invocando, como questão prévia, que o disposto no artigo 310.º, n.º 1, do CPP, deve ser aplicado na redação emergente da Lei n.º 59/98, de 25 de agosto, em conformidade com o assento n.º 6/2000, que fixou jurisprudência no sentido da recorribilidade da decisão respeitante a nulidades arguidas no decurso da instrução e demais questões prévias e incidentais. Não seria aplicável, pois, no entender dos arguidos, a norma do artigo 310.º, n.º 1, do CPP, na redação emergente da Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto – que veio a estabelecer a irrecorribilidade mesmo na parte em que apreciar nulidades e outras questões prévias ou incidentais –, em virtude de o processo se ter iniciado no domínio da redação anterior. A este respeito invocaram os arguidos que:
“[…]
Outro entendimento, decorrente da aplicação do disposto no artigo 310.º do CPP na formulação atualmente vigente (redação dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, com entrada em vigor no dia 15 de setembro de 2007), por via de interpretação restritiva do disposto no artigo 5.º, n.º 2 do CPP, com o consequente agravamento da situação processual dos arguidos, designadamente com eliminação dos seus direitos de defesa – o direito de recurso do despacho de apreciação das nulidades da instrução e do despacho de pronúncia no que respeita às nulidades indicadas – é inconstitucional, por violação do disposto no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
[…]”
1.2.1. Este recurso foi admitido em primeira instância, a subir a final, com o recurso da decisão final.
1.3. A final, veio a ser proferida sentença condenando os arguidos pelos crimes pelos quais vinham pronunciados e absolvendo-os da contraordenação imputada, por prescrição.
1.4. Os arguidos interpuseram recurso da sentença, no segmento condenatório, manifestando interesse na apreciação dos recursos interlocutórios referidos em 1.1.2. e 1.2. supra.
1.4.1. Foi proferido acórdão, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 27/05/2015 (aqui certificado a fls. 245/322), decidindo: (i) retificar lapsos de escrita da decisão recorrida; (ii) não apreciar o recurso referido em 1.1.2. supra, por não ter sido admitido; (iii) rejeitar o recurso referido em 1.2. supra (cfr. fls. 321 vº); (iv) conceder provimento parcial ao recurso da sentença, modificando parte da decisão relativa à matéria de facto; e (v) no mais, manter a decisão recorrida.
1.4.2. Inconformados com tal decisão, os arguidos apresentaram requerimento em que alegaram, inter alia, a nulidade do acórdão, por não ter apreciado e decidido o recurso referido em 1.2. Não obstante, reiteraram a pretensão de conhecimento do (mesmo) recurso referido em 1.2. em requerimento de reclamação para a conferência.
1.4.3. Por acórdão de 23/07/2015 (aqui certificado a fls. 438/444 vº), o Tribunal da Relação de Lisboa indeferiu todas as nulidades arguidas e rejeitou o requerimento de “reclamação para a conferência” por a decisão reclamada ser, precisamente, da conferência e não uma decisão singular do relator.
1.5. Ainda inconformados, os arguidos interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27/05/2015 (item 1.4.1. supra), no segmento em que rejeitou o recurso referido em 1.2. supra. Alegaram, inter alia, os arguidos:
“[…]
A interpretação do disposto nos artigos 5.º, n.º 2, alínea a), 310.º, n.º 1, na redação da Lei n.º 59/98, de 25 de agosto, 120.º, n.º 1, alínea d) do CPP; 613.º, n.º 3 e 615.º, n.º 1, alínea d), do CPP, aplicáveis por força do artigo 4.º do CPP; 379.º, n.º 1, alíneas a) e c), e 420.º, n.º 1, alínea b), do CPP, no sentido de que a decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público é irrecorrível ou inadmissível; também na parte respeitante à matéria relativa às nulidades arguidas no decurso do inquérito ou da instrução e às demais questões prévias ou incidentais, é inconstitucional por violação do disposto nos artigos 32.º, n.º 1, e 20.º, n.ºs 4 e 5, da Constituição da República Portuguesa.
[…]”
1.5.1. Tal recurso não foi admitido pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
1.6. Inconformados com o despacho de não admissão do recurso, os arguidos dele reclamaram para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.
1.6.1. Foi proferido despacho pelo Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, indeferindo a reclamação – o qual constitui a decisão objeto do presente recurso de constitucionalidade –, com a seguinte fundamentação:
“[…]
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Liminarmente, impõe-se esclarecer que a reclamação prevista no artigo 405.º do CPP não é o meio adequado para discordar do Acórdão da Relação, como indevidamente vem manifestado pelos reclamantes, tendo em conta que nesta sede apenas está em causa a admissibilidade do recurso ou o momento da sua subida.
Com efeito, as questões apreciadas no recurso pelo Tribunal da Relação, não têm, por si, relevância para efeitos de recorribilidade da decisão.
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Nos termos dos artigos 432.º, n.º 1, alínea b), e 400.º, n.º 1, alínea c), do CPP, não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos condenatórios preferidos, em recurso, pelas Relações, que não conheçam, a final, do objeto do processo».
O objeto do processo penal é delimitado pela acusação ou pela pronúncia e constitui a definição dos termos em que vai ser julgado e decidido o mérito da causa – ou seja, os termos em que, para garantia de defesa, possa ser discutida a questão da culpa e, eventualmente, da pena.
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