Acórdão nº 177/16 de Tribunal Constitucional (Port, 29 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelCons. João Pedro Caupers
Data da Resolução29 de Março de 2016
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 177/2016

Processo n.º 126/15

  1. Secção

Relator: Conselheiro João Pedro Caupers

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I – Relatório

  1. O Diretor-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, “AT”) interpôs, ao abrigo do disposto no artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa (doravante, “CRP”), e no artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro – Lei Orgânica sobre Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (doravante, “LTC”), recurso para o Tribunal Constitucional da decisão Tribunal Central Administrativo Sul de 13 de novembro de 2014 (fls. 234/249), que julgou improcedente a impugnação da decisão arbitral de 28 de março de 2014, confirmando esta (fls. 650/710, I volume apenso).

    O pedido de fiscalização da constitucionalidade apresenta como parâmetros a «violação do direito de acesso à justiça (artigo 20º da Constituição da República Portuguesa), do princípio da legalidade (artigos 3º, n.º 2, 202º e 203º da CRP) e do artigo 266º, n.º 2, do mesmo diploma, no seu corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30º, n.º 2, da LGT, que vinculam o legislador e toda a atividade da AT – a norma do artigo 28º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária), quando interpretada no sentido de o conceito “pronúncia indevida” excluir a impugnação da decisão arbitral com fundamento na incompetência material do tribunal arbitral nos termos previstos no RJAT e na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.» (fls. 757/758). E explica:

    «3. A aludida questão de inconstitucionalidade foi oportunamente problematizada pela ora Recorrente nas alegações que consubstanciaram a impugnação (de decisão arbitral) de cuja decisão ora se recorre, designadamente sob os artigos 44º a 59º,com especial enfoque nos artigos 51º52º, 53º e 54ºe vertida nas alíneas q), r), s) e t) da respetiva síntese conclusiva.

  2. Com efeito e de acordo com o aí explanado, o conceito de “pronúncia indevida”, inserto na norma da alínea c) do n.º 1 do artigo 28º do RJAT, como fundamento de impugnação da decisão arbitral, não pode deixar de contemplar a sindicância de questões relativas à (in)competência do tribunal arbitral.

  3. Nestes termos, importa pois que se declare que é inconstitucional o artigo 28º, n.º 1, alínea c) do RJAT no qual se prevê que a decisão arbitral é impugnável com fundamento em pronúncia indevida, quando interpretado no sentido de não admitir a impugnação da decisão arbitral com fundamento na incompetência material do tribunal arbitral, por violação do direito de acesso à justiça (artigo 20º da Constituição da República Portuguesa), do princípio da legalidade (artigos 3º, n.º 2, 202º e 203º da CRP) e do artigo 266º, n.º 2, do mesmo diploma, no seu corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30º, n.º 2, da LGT, que vinculam o legislador e toda a atividade da AT.

  4. A outro passo, porque subjacente à questão anterior, importa que se proceda ainda à apreciação da inconstitucionalidade da alínea a) do artigo 2º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, na interpretação normativa segundo a qual nas «Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidas de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 13 º a 133º do Código de Procedimento e de Processo Tributário» se inclui o pedido de revisão oficiosa, quando a letra e o espírito da lei o não contemplam.

  5. Dimensão interpretativa que se entende violadora dos princípios constitucionais do Estado de Direito e da separação de poderes (artigos 2º e 111 º da CRP), bem assim como o direito de acesso à justiça (artigo 20º da CRP), da legalidade (artigos 3º, n.º 2, 202º e 203º da CRP) e, ainda, o artigo 266, n.º 2, da lei fundamental, no seu corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30º, n.º 2, da LGT.

  6. A problemática em causa foi oportunamente equacionada no articulado que consubstanciou a Resposta da AT ao pedido de pronúncia arbitral que deu origem aos autos, designadamente nos artigos 178.º a 189.º e reiterada em sede de impugnação da decisão arbitral nos artigos 55º a 92º, com especial enfoque nos artigos 59º, 79º, 82º e 83º e 9 º e 92º e nas conclusões formuladas sob as alíneas w), y), z), aa), bb) cc), dd) e ee).

  7. Importa, pois, que se declare a inconstitucionalidade de tal sentido interpretativo ou seja, que se declare que a alínea a) do artigo 2º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março (conjugada do disposto no artigo 4º, n.º 1, do RJAT) é inconstitucional na interpretação normativa segundo a qual o âmbito de vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais em matéria tributária que funcionam sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), no que respeita a «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, nos termos dos artigos 13ºa 133ºdo Código de Procedimento e de Processo Tributário» inclui o pedido de revisão oficiosa (nos termos do artigo 78º da LGT), por violação dos princípios constitucionais do Estado de Direito e da separação de poderes (artigos 2º e 111º da CRP), bem assim como o direito de acesso à justiça (artigo 20º da CRP), da legalidade (artigos 3º, n.º 2, 202º e 203º da CRP) e, ainda, o artigo 266, n.º 2, da lei fundamental, no seu corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30º, n.º 2, da LGT

  8. O relator notificou a recorrente (fl. 276) para se pronunciar quanto à possibilidade de(a) não ser conhecida a questão suscitada nos pontos 6. a 8. do requerimento de recurso e (b) para alegar, relativamente à questão colocada no ponto 5.

  9. A recorrente pronunciou-se quanto à primeira questão nos seguintes termos:

    I – Da eventualidade de não conhecimento da questão suscitada nos pontos 6 a 8 do requerimento de recurso (por a decisão recorrida não ter aplicado, como razão de decidir, a interpretação normativa cuja constitucionalidade foi suscitada)

    1. No segmento do requerimento de recurso constante dos respetivos pontos 6 a8, a Recorrente pede a apreciação da inconstitucionalidade da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, na interpretação normativa segundo a qual nas «Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidas de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário» se inclui o pedido de revisão oficiosa, quando a letra e o espírito da lei o não contemplam.

    2. Efetivamente, tal dimensão interpretativa viola os princípios constitucionais do Estado de Direito e da separação de poderes (artigos 2.º e 111.º da CRP), bem assim como o direito de acesso à justiça (artigo 20.º da CRP), da legalidade (artigos 3.º,n.º 2, 202.º e 203.º da CRP) e, ainda, o artigo 266.º, n.º 2, da lei fundamental, no seu corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT.

    3. Sendo que, como referido no requerimento de recurso, a problemática em causa foi oportunamente equacionada no articulado que consubstanciou a Resposta da AT ao pedido de pronúncia arbitral que deu origem aos autos, designadamente, nos artigos 178.º a 189.º, e reiterada em sede de impugnação da decisão arbitral nos artigos 55.ºa 92.º, com especial enfoque nos artigos 59.º,79.º, 82.º e 83, e 91, e 92.º e nas conclusões formuladas sob as alíneas w), y), z), aa), bb) cc), dd) e ee).

    4. Por despacho, melhor identificado no introito, notifica-se a Recorrente para pronúncia quanto à eventualidade de não conhecimento da questão supra identificada, por a decisão recorrida não ter aplicado, como razão de decidir, a interpretação normativa cuja constitucionalidade foi suscitada.

    5. Ora, entende a Recorrente que esta questão deve ser apreciada pelo presente Tribunal, por duas ordens de razão que se passam a enunciar e que de seguida se explicitam:

    (i) A questão colocada foi devidamente evocada em sede de Resposta e Impugnação Arbitral (cf. ponto 3 supra), advindo o não conhecimento da questão na decisão recorrida (quando podia e devia fazê-lo) do facto de o Tribunal a quo ter rejeitado a apreciação do recurso por falta de competência material, atento o seu entendimento de que o vício invocado pela ora Recorrente não é passível de enquadramento na alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º do RJAT; nessa medida, sendo assim aplicáveis as regras previstas nos n.os 2, 4 e 6 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15.11 (LTC), deve o presente Tribunal conhecer da questão apresentada nos pontos 6 a 8 do requerimento de recurso, por se entender que a Recorrente está em tempo e tem legitimidade, não se afigurando relevante a falta de aplicação expressa da questão na decisão proferida pelo Tribunal a quo (sendo certo que o Tribunal Arbitral a aplicou no acórdão proferido);

    (ii) De resto, sempre se deveria entender que tal omissão corresponde a recusa implícita, suficiente para que a mesma possa ter cabimento no disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70. da LTC.

    Em primeiro lugar:

    6. Na presente situação, é certo que a questão de inconstitucionalidade foi oportunamente suscitada em momento prévio à decisão arbitral, sendo igualmente certo que tal interpretação normativa foi fundamento da decisão arbitral, tendo o Tribunal Arbitral decidido contra a posição assumidamente expressa e defendida pela AT (cf. página 19 da mesma);

    7. Consequentemente, a ora Recorrente impugnou tal decisão ao abrigo da do artigo 28.º, n.º 1, alínea c) do RJAT, com fundamento em ““pronúncia indevida””, atento o Tribunal Arbitral ter conhecido de litígio excluído da sua competência, nos termos...

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