Acórdão nº 241/16 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução04 de Maio de 2016
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 241/2016

Processo n.º 607/15

  1. Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

Relatório

  1. O Ministério Público instaurou, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, ação declarativa de reconhecimento de existência de contrato de trabalho contra A., S.A., pedindo que fosse declarada a existência de um contrato de trabalho entre a trabalhadora B. e a Ré. Na audiência de discussão e julgamento foi tentada e conseguida a conciliação, nos termos do artigo 186.º-O do CPT, a qual foi homologada, não obstante a oposição do Ministério Público.

  2. Inconformado, o Ministério Público recorreu desta sentença para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 14 de maio de 2015, concedeu provimento ao recurso e revogou a decisão recorrida, ordenando o prosseguimento dos autos.

  3. Recorreu então a Ré para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:

    “(...)

  4. O preceito legal onde se encontra vertida a norma jurídica, cuja conformidade constitucional a Recorrente pretende ver apreciada, é o artigo 186.º-O, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho (CPT), introduzido pela Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto, que aprovou a ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho.

  5. A dimensão normativa extraída do referido preceito legal, cuja conformidade constitucional se pretende ver apreciada, é aquela que resulta da interpretação do aludido preceito no sentido de a conciliação aí prevista apenas poder ser efetuada no sentido da prossecução interesse visado na ação proposta pelo Ministério Público, isto é, do reconhecimento da existência do contrato de trabalho entre o alegado trabalhador e empregador,

  6. E de, em consequência, não ser permitido aos putativos trabalhador e empregador – sem o acordo do Ministério Público – dispor do objeto da ação, transigindo, em sede de audiência de partes, no sentido de que a relação jurídica existente entre ambos é de prestação de serviços, pondo dessa forma termo à ação,

  7. Reconhecendo-se, assim, ao Ministério Público direito autónomo de prosseguimento da ação, alheio e contrário aos interesses privados que estão na origem da celebração do contrato sujeito a qualificação e à posição assumida pelas partes da relação material controvertida naquela audiência».

  8. A Recorrente apresentou alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:

    1.ª O presente recurso tem por objeto o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14 de maio de 2015, que interpretou e aplicou a norma jurídica contida no artigo 186.º-O, n.º 1, do CPT, em violação dos princípios da liberdade de escolha do género de trabalho e do direito de ação e, bem assim, dos princípios da igualdade e do direito a processo equitativo.

    2.ª A dimensão normativa extraída do referido preceito legal, cuja conformidade constitucional se suscita, é aquela que resulta da interpretação do mesmo no sentido de a conciliação aí prevista apenas poder ser efetuada no sentido da prossecução do interesse visado na ação proposta pelo Ministério Público, isto é, do reconhecimento da existência de contrato de trabalho entre o alegado trabalhador e empregador, não tendo os putativos trabalhador e empregador legitimidade, sem o acordo do Ministério Público [proponente da ação enquanto parte principal e titular do interesse igualmente principal em causa nos autos], para dispor do objeto da ação, transigindo em sede de audiência de partes no sentido de que a relação jurídica existente entre ambos é de prestação de serviços.

    3.ª No acórdão recorrido, o Tribunal da Relação de Guimarães julgou inválida a transação efetuada, em sede de audiência de partes, pelos putativos trabalhador e empregador, no sentido de que a relação jurídica existente entre ambos é de prestação de serviços.

    4.ª Fê-lo com fundamento em que, sendo atribuída ao Ministério Público legitimidade processual para interpor a ação especial de reconhecimento de contrato de trabalho independentemente da vontade do putativo trabalhador, “o interesse protegido com a introdução desta ação é essencialmente o interesse público” e apenas ao Ministério Público se reconhece legitimidade para “dispor do objeto da ação, porquanto é ele quem tem interesse na demanda”, pelo que “só com a [sua] intervenção poderá pôr-se termo à ação por via conciliatória” (cfr. acórdão recorrido, p. 5).

    5.ª E ainda que, uma vez que a intervenção do trabalhador nesta ação apenas lhe confere “os poderes que a posição de assistente em regra confere – o de auxiliar a parte principal na demanda, numa atividade necessariamente subordinada à desta”, a conciliação “não poderá deixar de ser apenas no sentido de prossecução do interesse visado na ação proposta pelo Ministério Público, único titular de legitimidade ativa” (cfr. acórdão recorrido, p. 5).

    6.ª Assim concluindo que, apesar da natureza disponível do direito em causa na presente ação, “não se pode transigir porque o titular do interesse principal está contra a transação, que, por isso, não se pode homologar” (cfr. acórdão recorrido, p. 5).

    7.ª A consagração no processo do trabalho da ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho constituiu instrumento para enfrentar a tendência para a fuga ilícita ao Direito do Trabalho, por via da contratação de falsas prestações de serviços.

    8.ª A referida ação não visa prosseguir interesse público, de toda a coletividade, mas conferir a cada putativo trabalhador outro meio para a obtenção da tutela legal que lhe é devida, com eficácia acrescida por efeito de tramitação processual mais célere e do patrocínio pelo Ministério Público.

    9.ª Uma vez iniciada a instância, o interesse protegido em cada ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho é o do sujeito da concreta relação jurídica em apreço.

    10.ª Assim sendo, o titular do interesse processualmente protegido e autor da ação é o putativo trabalhador, cujo contrato de trabalho pretende ver reconhecido.

    11.ª A ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho é de simples apreciação positiva, estando o objeto do processo limitado à qualificação do vínculo contratual.

    12.ª Atento aquele objeto, a decisão do processo apenas produz efeitos entre as partes da relação contratual a qualificar, dela não decorrendo consequências jurídicas para outras relações jurídicas conexas com o trabalho autónomo ou subordinado, designadamente de natureza tributária ou previdencial.

    13.ª Da atribuição ao Ministério Público de legitimidade para intentar a ação não resulta que esta prossiga interesse público que se deva sobrepor ao interesse privado dos titulares da relação jurídica objeto de qualificação, bem como que o Ministério Pública assuma a posição de autor da ação, com os corolários (i) do papel meramente acessório ou de assistência do putativo trabalhador e (ii) da subordinação da vontade deste à posição prevalecente do Ministério Público.

    14.ª Pelo contrário, o alegado trabalhador é notificado da petição inicial e da contestação, podendo tomar posição sobre o litígio, apresentando articulado próprio (artigo 186.º-L/4 do CPT).

    15.ª A lei não restringe o âmbito daquele articulado próprio, pelo que o putativo trabalhador pode nele sustentar que a relação mantida com o alegado empregador é de prestação de serviços.

    16.ª Por outro lado, após a fase dos articulados, é realizada audiência de partes entre o trabalhador e empregador, com a finalidade de obter a sua conciliação (artigo 186.º-O/1 do CPT).

    17.ª No referido preceito legal não é feita qualquer referência a que a validade do eventual acordo que venha a ser por aqueles alcançado esteja dependente da aprovação do Ministério Público, assim como a referida norma não contém qualquer elemento que aponte no sentido de que a conciliação aí prevista apenas é válida quando se traduza no reconhecimento da natureza laboral do contrato.

    18.ª A liberdade de escolha de profissão, consagrada no artigo 47.º da CRP, compreende diversas componentes, entre as quais o direito de escolher o regime de trabalho, isto é, o direito de optar por prestar a sua atividade profissional em regime de contrato de trabalho ou de contrato de prestação de serviços.

    19.ª O contrato de trabalho insere-se no domínio da autonomia da vontade e constitui expressão dessa vontade.

    20.ª Da interpretação feita pelo Tribunal da Relação de Guimarães do regime da ação especial de reconhecimento de contrato de trabalho, em especial do artigo 186.º-O, n.º 1 do CPT, decorre a possibilidade de haver contrato (in casu, de trabalho) sem vontade de nenhum dos contraentes, em ação judicial cujos efeitos respeitam apenas àqueles e se limitam à declaração da existência de vínculo entre eles.

    21.ª O que significa que o Estado poderia interferir na escolha do tipo contratual e obrigar as partes a modificar a relação estabelecida entre elas, assim como poderia impor-lhes que litiguem em Tribunal mesmo sem terem qualquer litígio referente a essa relação.

    22.ª Porém, do direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho decorre, negativamente, a proibição de o Estado vincular quem quer que seja a certo género de trabalho.

    23.ª O Ministério Público não tem poder para conformar todas as relações jurídicas, designadamente as de natureza privada, com o ordenamento jurídico vigente em cada momento.

    24.ª O entendimento preconizado no acórdão recorrido é, aliás, contrário ao sustentado pelo Tribunal Constitucional no que respeita à relevância da vontade do alegado trabalhador na presente ação e forma como a mesma pode ser manifestada, na medida em que este já afirmou que o que se pretende com o regime legal da ação especial de reconhecimento de contrato de trabalho “é combater a utilização indevida do contrato de prestação de serviços em situações em que, apesar de determinada relação ser formalmente titulada...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT