Acórdão nº 252/16 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelCons. Catarina Sarmento e Castro
Data da Resolução04 de Maio de 2016
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 252/2016

Processo n.º 777/15

  1. Secção

    Relator: Conselheira Catarina Sarmento e Castro

    Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional,

    I - Relatório

    1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal de Execução de Penas de Lisboa, A. interpôs o presente recurso, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante designada por LTC).

    2. A A., recluso aqui recorrente, foram aplicadas, no âmbito de processo disciplinar comum, as medidas disciplinares de internamento em cela disciplinar, pelos seguintes períodos: dez dias, pela prática de infração prevista no artigo 104.º, alínea h), do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (doravante, designado por CEPMPL); quinze dias, pela prática de infração prevista no mesmo artigo 104.º, alínea j); vinte e um dias, pela prática de infração prevista no mesmo artigo 104.º, alínea m). No mesmo processo, foi aplicada ao recluso a medida cautelar de confinamento em alojamento individual por todo o dia, nos termos do n.º 2 do artigo 111.º do CEPMPL. Tal medida foi declarada cessada alguns dias depois da sua aplicação.

      O recluso apresentou impugnação junto do Tribunal de Execução de Penas, inconformado com a decisão do Diretor do Estabelecimento Prisional de Coimbra, que lhe aplicou as referidas medidas disciplinares. Em tal peça processual, o recluso invocou, além do mais, a inconstitucionalidade, “por violação dos princípios da igualdade, culpa, proibição da dupla punição e proporcionalidade”, da interpretação do artigo 100.º do CEPMPL conducente ao sentido de que “quando o recluso tiver efetivamente praticado mais de uma infração disciplinar, com aplicação de sanção de idêntica natureza, [lhe] serem aplicáveis as medidas disciplinares correspondentes a cada uma das infrações em cumulação material e sem que seja operado verdadeiro cúmulo que encontre a sanção única.”

      A impugnação deduzida foi julgada parcialmente procedente, tendo o Tribunal de Execução de Penas decidido reduzir o período da terceira medida disciplinar aplicada a treze dias e determinar o desconto, no cumprimento das medidas disciplinares, do período de confinamento do recluso ao seu alojamento, mantendo, no mais, a decisão disciplinar impugnada. Especificamente quanto à questão da constitucionalidade reportada ao artigo 100.º do CEPMPL, o Tribunal de Execução de Penas considerou não assistir razão ao recluso.

    3. É desta decisão judicial que o recluso A. interpõe o presente recurso, delimitando o objeto respetivo, nos seguintes termos:

      “Tem-se por disforme à Lei Fundamental, por violação dos princípios da igualdade, culpa, proibição da dupla punição e proporcionalidade, a dimensão normativa e interpretação do art. 100.º CEP no sentido de “[Q]uando o recluso tiver efetivamente praticado mais de uma infração disciplinar, com aplicação de sanção de idêntica natureza, são-lhe aplicáveis as medidas disciplinares correspondentes a cada uma das infrações em cumulação material e sem que seja operado verdadeiro cúmulo que encontre a sanção única.”

    4. Prosseguindo o processo para conhecimento de mérito, o recorrente apresentou alegações, concluindo nos termos seguintes:

      “A. Com o presente recurso não pretende o recorrente colocar em causa o exercício das mui nobres funções nas quais se mostram investidos os ilustres julgadores, mas tão-somente exercer o direito de “manifestação de posição contrária”, assente numa discordância de opinião e com suporte legal no art. 20º CRP;

      1. Em razão de analogia para com o art. 77° n.º 1 CP não se justifica tratamento diverso pois são bem mais as semelhanças que as diferenças, não sendo estas deveras substanciais, razão pela qual, atenta a similitude entre a condenação pela prática de crimes e penas decorrentes face à condenação pela prática de infrações disciplinares e sanções respetivas, deverá haver punição em concurso também nesta última situação pois, a assim não suceder constatar-se-á que se poderá mostrar qualquer recluso punido com plúrimas sanções, uma acrescendo de forma efetiva à outra, e que somadas poderão colocar em causa a própria ressocialização e finalidades inerentes ao cumprimento de pena de prisão;

      2. Apenas a punição em concurso permitirá uma melhor visão de conjunto sobre a prática dos factos mitigada com análise ponderada da personalidade do agente, assim permitindo igualmente considerar de forma adequada a culpa e eventuais duplas punições com violação do princípio ne bis in idem, atento o possível concurso aparente entre as diversas punições, consequência dos princípios da tipicidade e igualdade, dúvidas inexistindo que as razões que justificam tal concurso em sede penal são, mutatis mutandis, as mesmas que o imporão em sede disciplinar;

      3. Não deverá assim o legislador separar o que a natureza uniu, bastando considerar que para efeitos da punição da reincidência e infração continuada já se mostra consagrado entendimento igual ao vertido no Código Penal, como decorre da confrontação dos n.º 2 do art. 30º e 75° CP e 98° e 101º CEP, impondo-se assim que seja reparada tal ofensa tendo o instituto do concurso a natureza restauradora, ainda que em parte, da Justiça;

      4. Tem-se por disforme à Lei Fundamental, por violação dos princípios da igualdade, culpa, proibição da dupla punição e proporcionalidade, a dimensão normativa e interpretação do art. 100° CEP no sentido de “[Q]uando o recluso tiver efetivamente praticado mais de uma infração disciplinar, com aplicação de sanção de idêntica natureza, são-lhe aplicáveis as medidas disciplinares correspondentes a cada uma das infrações em cumulação material e sem que seja operado verdadeiro cúmulo que encontre a sanção única;

      5. Não está em causa a punição a título de concurso nos presentes autos mas sim em toda e qualquer outra situação similar, entendendo-se que a injustiça se mostrará sempre existente em razão da perduração de tal espartilho que se tem por ilícito e violador das mais elementares garantias de defesa e direitos constitucionalmente tutelados aos arguidos, os quais se não mostram assegurados com a visão defendida de acumulação material das sanções disciplinares;

      6. A dimensão normativa recorrida mostra-se violadora dos seguintes princípios jurídicos: maxime da proteção da confiança (art. 2° CRP), da legalidade e tipicidade (idem e 203° CRP), da universalidade (art. 12° CRP), da igualdade (art. 13° CRP), da força jurídica dos direitos fundamentais, proporcionalidade e proibição do excesso (art. 18° CRP), ne bis in idem (art. 29° n.° 5 CRP), da culpa, da maioria de razão e interpretação das leis, em nome de obediência pensante à teleologia da norma e em conformidade com a Lei Fundamental (arts. 202° n.os 1 e 2, 203° e 204° CRP).”

    5. Notificado para o efeito, o Ministério Público igualmente juntou alegações, pugnando pela improcedência do recurso e consequente manutenção da decisão recorrida, finalizando tal peça processual com as seguintes conclusões:

      “1ª. O recurso, interposto pelo recluso, com fundamento na alínea b) do nº 1 do art. 70º da LOFPTC, tem por objeto a apreciação da inconstitucionalidade do art. 100º do CEPMPL, tal como interpretado e aplicado na decisão recorrida, no sentido de «Quando o recluso tiver efetivamente praticado mais de uma infração disciplinar, com aplicação de sanção de idêntica natureza, são-lhe aplicáveis as medidas disciplinares correspondentes a cada uma das infrações em cumulação material e sem que seja operado verdadeiro cúmulo que encontre a sanção única», por violador dos princípios da igualdade, ne bis in idem, culpa, proporcionalidade e sociabilidade (arts. 2º, 12º, 13º, 18º, 29º, nº 5, 202º, 203º e 204º da Constituição).

  2. O art. 100º, em causa, integra matéria inovatoriamente regulada no CEPMPL, conforme vem destacado na exposição de motivos da proposta de lei que lhe esteve na base: «Ainda em matéria de garantias, procedeu-se à redefinição do procedimento disciplinar com vista à adoção de princípios e regras, como a proibição da analogia para qualificar um facto como infração, a proibição da dupla punição pelo mesmo facto, a definição de reincidência disciplinar, de concurso de infrações e de infração disciplinar continuada, a enumeração taxativa das infrações disciplinares, classificadas em dois escalões, a admissão da suspensão da execução da medida disciplinar, a estatuição de regras sobre prescrição e suspensão do procedimento disciplinar e a possibilidade expressa de o recluso apresentar provas para sua defesa».

  3. A jurisprudência constitucional tem acentuado a dimensão da garantia do estatuto do recluso contida no nº 5 do art. 30º da Constituição (aditado pela LC 1/89, de 8 de Julho), sendo unânime o entendimento de que está constitucionalmente negado conceber a relação presidiária (e a posição jurídica do recluso nessa relação) como uma “relação especial de poder”.

  4. A tutela jurisdicional efetiva prevista no nº 4 do artigo 268º da Constituição relativamente aos administrados também se deve estender aos reclusos, quanto aos atos da administração penitenciária lesivos dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, já que o recluso, pelo simples facto de o ser, não perde a sua posição de administrado, mantendo-a, em princípio, com um “âmbito normativo idêntico ao dos outros cidadãos”.

  5. Tratando-se, como no caso dos autos, de ato de poder disciplinar público, mostra-se ainda coberto pela garantia contida no nº 3 do art. 269º da Constituição.

  6. O regime disciplinar de que o recluso é sujeito, na aperfeiçoada redefinição operada em 2009 pelo CEPMPL, é objeto do Título XIII do Livro I, vindo sistematizado ao longo dos arts. 98º a 115º do diploma.

  7. O art. 100º do CEPMPL consagra, com clareza, em matéria de punição do recluso pela prática de uma pluralidade de infrações disciplinares, o sistema da acumulação material, apartando-se do sistema de pena conjunta estabelecido no art, 77º, nº 1 do Código Penal (CP).

  8. ...

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