Acórdão nº 331/16 de Tribunal Constitucional (Port, 19 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelCons. Ana Guerra Martins
Data da Resolução19 de Maio de 2016
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 331/2016

Processo n.º 1155/2014

2.ª Secção

Relator: Conselheira Ana Guerra Martins

Acordam, na 2.ª Secção, do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos vindos do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, em que é recorrente o Ministério Público e é recorrida A., ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional («LTC»), foi interposto recurso obrigatório para o Ministério Público, em 17 de fevereiro de 2014 (fls. 111 e 112), da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, de 31 de janeiro de 2014 (fls. 95 a 106), que julgou “improcedente a acção de oposição e, em consequência, ordeno[u] o prosseguimento do processo, pendente na Conservatória dos Registos Centrais, com vista ao reconhecimento à Ré do direito à aquisição da nacionalidade portuguesa e à realização dos competentes registos” (fl. 105).

2. Notificado para o efeito, o representante do Ministério Público junto deste Tribunal produziu alegações (fls. 119 a 143), tendo concluído o seguinte:

“(…)

1. O Ministério Público interpôs recurso obrigatório, para este Tribunal Constitucional, do teor da douta sentença de fls. 95 a 106, dos presentes autos, proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, “ nos termos dos artigos 70º, nº 1, al. a) e 72º, nºs 1, al. a) e 3,da Lei do Tribunal Constitucional (Lei nº 28/82, de 15.11, com as alterações introduzidas pelas Leis nºs 143/85, de 26.11, 85/89, de 01.09 e 13-A/98, de 26.02) (…)”.

2. Este “ recurso tem como objecto a expressa recusa de aplicação da alínea b) do artº 9º da Lei da Nacionalidade e do nº 2 do artº 56º do Regulamento da Nacionalidade, no sentido de que a simples verificação de facto da condenação do requerido nos citados autos pela prática de crime punível com pena de prisão cujo limite máximo seja igual ou superior a 3 anos não importa, de per si e sem um concreto juízo de indesejabilidade, impedimento à aquisição/mudança de nacionalidade (…)”.

3. Os parâmetros constitucionais cuja violação é invocada são identificados, no requerimento de interposição de recurso, nos seguintes termos:

O “(…) “princípio da proporcionalidade nos seus elementos necessidade e adequação”, por referência ao disposto nos artºs. 3º, nº 2, 204º e 277º, todos da Constituição da República Portuguesa”.

4. Para além destes, todavia, a douta decisão judicial impugnada desaplicou as identificadas normas da Lei da Nacionalidade e do Regulamento da Nacionalidade, essencialmente com fundamento na violação do disposto nos artigos 26.º, n.º 1, e 30.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, e, bem assim, do plasmado no n.º 4 do artigo 30.º da Lei Fundamental.

5. Quanto à questão de fundo dir-se-á que, distintamente do julgado na douta decisão impugnada, que entendeu que o artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, consagra, para além do direito de não perder a nacionalidade portuguesa de que se é titular, o direito, dos não nacionais, a adquirir ex novo, a nacionalidade portuguesa, o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 599/05, decidiu que o direito enunciado naquele preceito se reporta, meramente, ao direito negativo, dos que já são nacionais portugueses, a exigirem do Estado que não atente contra o seu estatuto de cidadãos portugueses.

6. No tocante aos cidadãos não portugueses que pretendam obter a cidadania portuguesa, são meros titulares da expectativa jurídica da obtenção desse estatuto, mediante o preenchimento de condições estabelecidas pelo legislador ordinário.

7. Assim, contrariamente ao decidido pela douta decisão recorrida, não se nos afigura que as normas legais plasmadas na alínea b), do artigo 9.º da Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro (Lei da Nacionalidade), na redacção da Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de Abril, e na alínea b), do n.º 2, do artigo 56.º, do Decreto-Lei n.º 237-A/2006, de 14 de Dezembro (Regulamento da Nacionalidade), violem, sem mais, o disposto no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

8. Discordamos, igualmente, do teor da douta decisão impugnada, no que concerne à invocada violação do parâmetro constitucional plasmado no artigo 30.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, por parte das normas acima mencionadas, na medida em que o fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, previsto na alínea b), do artigo 9.º da Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro (Lei da Nacionalidade), na redacção da Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de Abril, e na alínea b), do n.º 2, do artigo 56.º, do Decreto-Lei n.º 237-A/2006, de 14 de Dezembro (Regulamento da Nacionalidade), não constitui uma pena ou uma medida de segurança, muito menos privativa ou restritiva da liberdade e, consequentemente, a previsão da norma constitucional é inaplicável ao caso vertente.

9. Por fim, também no que concerne à discrepância das normas sob escrutínio com o disposto no n.º 4 do artigo 30.º da Constituição da República Portuguesa, se nos afigura, no caso concreto, não ocorrer a violação de tal parâmetro constitucional.

10. Acontece, no caso vertente, distintamente do que ocorreu no aparentado Processo n.º 757/13, em que o Mm.º Juiz “a quo”, apesar de munido de um considerável acervo factual respeitante à situação criminal do requerido, optou por desconsiderar esse capital circunstancial, formulando, mecanicamente, o seu juízo quanto à indesejabilidade da aquisição da nacionalidade portuguesa; que o juízo de subsunção da matéria factual ao direito, efectuado pela douta sentença impugnada, e que habilitou o tribunal recorrido a constatar a desconformidade constitucional invocada, tomou em consideração a totalidade dos factos apurados, respeitantes à condenação do recorrente, susceptíveis de fundamentar um juízo de desejabilidade ou indesejabilidade da aquisição da nacionalidade portuguesa, o que implicou uma concreta ponderação dos factos, afastando a aplicação mecânica das normas contestadas.

11. Há que concluir, assim, que as normas contidas na alínea b), do artigo 9.º da Lei da Nacionalidade e na alínea b), do n.º 2, do artigo 56.º, do Regulamento da Nacionalidade, não violam o disposto no n.º 4, do artigo 30.º, da Constituição da República Portuguesa, devendo, em caso de dúvida, ser interpretadas no sentido de a sua aplicação não ser automática, constituindo um mero índice ou circunstância indiciadora da indesejabilidade a valorar perante cada situação concreta.

12. A não automaticidade do efeito atribuído à condenação criminal , pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, evidencia a não violação do parâmetro de constitucionalidade plasmado no n.º 4 do artigo 30.º da Constituição da República Portuguesa.

Por força do explanado, não deverá ser declarada a inconstitucionalidade das normas contidas na alínea b), do artigo 9.º da Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro (Lei da Nacionalidade), na redacção da Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de Abril, e na alínea b), do n.º 2, do artigo 56.º, do Decreto-Lei n.º 237-A/2006, de 14 de Dezembro (Regulamento da Nacionalidade), por violação do disposto no n.º 4 do artigo 30.º da Constituição da República Portuguesa, devendo, consequentemente, ser concedido provimento ao presente recurso.

Posto isto, cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação

A) Delimitação da questão a apreciar

3. Nos autos ora em apreciação, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa desaplicou as normas contidas na alínea b) do artigo 9.º da Lei da Nacionalidade (aprovada pela Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, na redação dada pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de abril) (doravante, «LN») e na alínea b) do n.º 2 do artigo 56.º do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 237-A/2006, de 14 de dezembro) (seguidamente, «RNP»), por violação dos artigos 26.º, n.º 1, e 30.º, n.os 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa («CRP»).

O teor das normas extraídas dos preceitos legais acima mencionados (na versão vigente à data da decisão judicial recorrida) é o seguinte:

Artigo 9.º da Lei da Nacionalidade Portuguesa

(Fundamentos)

Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa:

(…)

b) A condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa;

(…)

Artigo 56.º do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa

(Fundamento, legitimidade e prazo)

(…)

2 - Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou da adopção:

(…)

b) A condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, segundo a lei portuguesa;

(…)

Ou seja, a questão ora em análise prende-se com a constitucionalidade da norma de acordo com a qual constitui fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa a condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa.

Para o tribunal recorrido, “o impedimento de adquirir a nacionalidade portuguesa, decorrente da condenação em pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos é um efeito “necessário”, no sentido de automático, da condenação, na medida em que se impõe inexoravelmente ex vi legis na esfera...

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