Acórdão nº 335/16 de Tribunal Constitucional (Port, 19 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelCons. Pedro Machete
Data da Resolução19 de Maio de 2016
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 335/2016

Processo n.º 287/16

2ª Secção

Relator: Conselheiro Pedro Machete

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. O Ministério Público, recorrido nos presentes autos em que é recorrente A., promoveu a execução de mandado de detenção europeu (“MDE”) emitido pela Corte d’ Appello de Milão, para entrega desta cidadã, a fim de cumprir a pena remanescente de uma pena em que foi condenada por aquele tribunal (cfr. a promoção de fls. 2 e ss., MDE de fls. 57 e ss., e respetiva tradução a fls. 65 e ss.). A requerida apresentou oposição, onde sustentou que, tendo sido julgada na sua ausência e sem qualquer notificação fosse da data da audiência de julgamento, fosse da sentença, tem direito a requerer novo julgamento ou a recorrer da decisão condenatória, direito esse de que não prescinde; declarou ainda prescindir de estar presente em juízo, bastando-se com a representação no novo julgamento ou no recurso por advogado constituído, bem como que pretende cumprir em Portugal a pena a que eventualmente venha a ser condenada, de acordo com o disposto no artigo 12.º, n.º 1, alínea g), da Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto (diploma que aprova o regime jurídico do MDE, em cumprimento da Decisão Quadro n.º 2002/584/JAI, do Conselho, de 13 de junho – adiante referido como “RJMDE”), na redação dada pela Lei n.º 35/2015, de 4 de maio. Requereu ainda diversas diligências probatórias junto do Estado de emissão, concretamente que se diligenciasse no sentido de aquele enviar notificação à arguida da sentença condenatória, bem como que o mesmo esclarecesse: (i) se, caso a lei italiana não preveja, neste caso, a faculdade de requerer novo julgamento, pode, em recurso, produzir exatamente a mesma prova que poderia produzir em 1.ª instância e com o mesmo regime; e (ii) se, requerido novo julgamento ou interposto novo recurso, pode a arguida ser representada por defensor oficioso, prescindindo de estar presente (cfr. oposição a fls. 124 e ss., particularmente o ponto 13, fls. 127.

Por despacho de 7 de dezembro de 2015, a Desembargadora Relatora proferiu despacho indeferindo a realização das diligências peticionadas pela requerida (fls.146-148).

Subsequentemente, por acórdão de 12 de janeiro de 2016, o Tribunal da Relação de Lisboa deferiu a execução do MDE, entendendo que não procedia, em concreto, qualquer fundamento de recusa obrigatória ou facultativa de execução, nos termos dos artigos 11.º e 12.º do RJMDE. Entendeu ainda que, tratando-se, em rigor, de MDE para procedimento criminal (e não para cumprimento de pena), a entrega da requerida deveria ficar sujeita à condição prevista na alínea b), do n.º 1, do artigo 13.º do RJMDE, «ou seja, a que a pessoa procurada, depois de terem sido realizadas as diligências processuais previstas na lei, seja devolvida a Portugal para aqui ser cumprida a pena que, eventualmente, venha a ser imposta».

2. Inconformada, a requerida interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (fls. 183 e ss.), no qual suscitou duas questões de inconstitucionalidade: uma relacionada com o artigo 12.º-A, n.º 1, alínea d), do RJMDE, interpretado «no sentido de, sendo Portugal o Estado membro de execução, não ter o poder-dever de, previamente à execução do MDE, indagar junto do Estado emitente se o arguido, caso a lei deste Estado não permitir novo julgamento, pode, em recurso, produzir exatamente a mesma prova que poderia produzir em 1.ª instância e com o mesmo regime»; a outra relacionada com o artigo 12.º-A, n.º 3, do mesmo Regime, interpretado «no sentido de ser afastada, como recusa de execução do MDE, a notificação de sentença condenatória e subsequente tramitação, efetuada ao abrigo do artigo 7.º, n.ºs 1 e 2, da Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal do Conselho da Europa, de 1959, a pessoa procurada, nacional do Estado de execução, que declare (i) ou cumprir a pena em Portugal ou (ii) prescindir de estar presente em novo julgamento ou na tramitação de recurso, sendo esta opção aceite pelo Estado membro de emissão, e declarar querer cumprir, em Portugal, eventual nova condenação».

Por acórdão de 10 de março de 2016, o Supremo Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso para si interposto. Entendeu, para tanto, que o mesmo versava duas questões essenciais: por um lado, a revogação da decisão de deferimento da execução do MDE; por outro, a impugnabilidade do indeferimento do «requerimento de notificação do Estado emitente para os fins assinalados, ou seja, para que solicite à jurisdição [italiana] a notificação à requerida da sentença condenatória com os ónus e cominações da lei italiana, bem como prestar as garantias de novo julgamento e, se requerido este ou se interposto recurso, a mesma pode ser representada por defensor, prescindindo de estar presente» (fls. 251).

Quanto a esta segunda questão – a primeira a ser analisada pela decisão recorrida e que corresponde à que foi suscitada pela recorrente com referência ao artigo 12.º-A, n.º 1, alínea d), do RJMDE –, concluiu o tribunal a quo pela sua manifesta improcedência, uma vez que a decisão de indeferir a requerida notificação do Estado emitente se encontrava fora do objeto do recurso, dado haver sido apreciada pelo despacho da Desembargadora Relatora de 7 de dezembro de 2015. Assim, tendo a recorrente sido notificada desse despacho e «porque dele não houve oportuna reclamação para a conferência (art. 652.º, n.º 3, e 149.º do CPC ex vi art.º 4.º do CPP), [considerou o tribunal a quo que tal] decisão (de indeferimento) transitou em julgado, o que prejudica a apreciação do requerimento formulado neste STJ sobre a importância das diligências formuladas.» (fls. 251). Rejeitou, assim, por manifesta improcedência, essa parte do recurso, sob invocação do artigo 420.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal.

No que se reporta à aludida primeira questão – a impugnação da decisão de deferimento da execução do MDE, e que e que corresponde à que foi suscitada pela recorrente com referência ao artigo 12.º-A, n.º 3, do RJMDE –, disse o Supremo Tribunal de Justiça o seguinte:

«Quanto a tal questão, percorrendo o acórdão recorrido, se bem que este tivesse fundamentado a sua decisão na ausência de qualquer causa de recusa, não se pronunciou em concreto sobre o eventual recurso à Convenção em causa, pelo que é matéria trazida ex novo pela recorrente e que, por isso, extravasa o poder de cognição deste tribunal.

Todavia, sempre se acrescenta que o princípio do reconhecimento mútuo das decisões judiciais corporizadas nos MDE impõe às autoridades dos respetivos Estados a conformação das decisões judiciais com as normas consagradas nos respetivos sistemas legais, pelo que o Estado de execução, no caso a autoridade judiciária portuguesa, não poderia escolher um outro qualquer tipo de cooperação não solicitado, no caso pelas autoridade italianas, como fosse o recurso a uma Convenção com postergação da Decisões - Quadro que vinculam os Estados subscritores, como sejam a Decisão Quadro n.º 2002/584/JAI, do Conselho, de 13.06 em cumprimento da qual foi aprovada a citada Lei n.º 5/2003, de 23.08, ou a Decisão Quadro n.º 2009/299/JAI, do Conselho, de 26.02.2009, que alterou tal diploma legal (v., entre outros, Ac. STJ de 6.01.2011, Proc. 1217/10.5YRLSB.S1, in www.dgsi.pt.» (fls. 252)

3. É desta decisão que foi interposto o presente recurso de constitucionalidade, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (“LTC”), indicando as seguintes questões de inconstitucionalidade:

- «A interpretação do art.º 12º-A, nº1, alínea d), da Lei nº 65/2003, na redação atual, no sentido de, sendo Portugal o Estado membro de execução, não ter o poder-dever de, previamente à execução do MDE, indagar junto do Estado emitente se o arguido, caso a lei deste Estado não permitir novo julgamento, pode, em recurso, produzir exatamente a mesma prova que poderia produzir em 1ª instância e com o mesmo regime, que é o expresso entendimento do Acórdão recorrido, é, com esse sentido, inconstitucional, por violação dos referidos art.ºs 32º nºs 1 e 5, 33º, nº 3, e ainda 1º, 2º, 3º, nº 3, 8º, nº 2 e 3, e 18º, todos da CR» (n.º 9, a fls. 269)

- «A interpretação do art.º 12-A, nº 3, da Lei n 65/2003, na redação atual, no sentido de ser afastada, como recusa de execução do MDE, a notificação de sentença condenatória e subsequente tramitação, efetuada ao abrigo do art.º 7º, nºs 1 e 2, da Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal do Conselho da Europa, de 1959, a pessoa procurada, nacional do Estado de execução, que declare (i) ou cumprir a pena em Portugal ou (ii) prescindir de estar presente em novo julgamento ou na tramitação de recurso, sendo esta opção aceite pelo Estado membro de emissão, e declarar querer cumprir, em Portugal, eventual nova condenação, é, com esse sentido, inconstitucional, por violação dos art.ºs 27º, nºs 1 e 3, alínea c), e 18, nº 2, da CR.» (n.º 25, fls. 272)

Admitido o recurso (fls. 274), e subidos os autos a este Tribunal Constitucional, determinou-se na Decisão Sumária n.º 223/2016, ora reclamada, o não conhecimento do respetivo objeto pelo facto de se encontrar ausente o requisito relativo à utilidade da referida impugnação, no essencial, pelas seguintes razões:

«5. Apesar de o recurso ter sido admitido, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional (cfr. artigo 76.º, n.º 3, da LTC). Por isso, e sendo evidente a impossibilidade de se conhecer do mérito do presente recurso, profere-se decisão sumária ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC. Tal impossibilidade dispensa igualmente a prolação de despacho convite para suprimento de irregularidades do...

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