Acórdão nº 7/19 de Tribunal Constitucional (Port, 08 de Janeiro de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Catarina Sarmento e Castro
Data da Resolução08 de Janeiro de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 7/2019

Processo n.º 141/16

2.ª Secção

Relator: Conselheira Catarina Sarmento e Castro

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Centro de Arbitragem Administrativa, A., S.A., interpôs recurso de constitucionalidade, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante designada por LTC).

2. O presente processo teve origem num pedido de pronúncia arbitral, formulado pela aqui recorrente, relativo a pretensão atinente à declaração de ilegalidade dos atos de liquidação da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (adiante CESE), relativos ao ano de 2014, com todas as consequências legais, designadamente o reembolso dos montantes indevidamente pagos, acrescido dos devidos juros legais, incluindo os juros indemnizatórios. Para fundamentar a sua pretensão, alegou, em síntese, que a contribuição em causa configura um imposto e que a sua incidência, subjetiva e objetiva, contende com os princípios da capacidade contributiva, da igualdade, da tributação das empresas pelo lucro real e da proibição da consignação de receitas a determinadas despesas.

Admitindo a possibilidade de a CESE ser considerada uma verdadeira contribuição financeira, e não um imposto, como defende, argumentou a aqui recorrente que, ainda assim, se trataria de um tributo materialmente inconstitucional por constituir uma restrição inadmissível do direito de propriedade, violando o princípio da proporcionalidade, e o da igualdade (este último concretizado pelo princípio da equivalência).

Argumentou ainda a recorrente que não lhe poderia ser imputada responsabilidade pelo atraso na autoliquidação do tributo em causa, com a consequente cobrança de juros compensatórios ou aplicação de coimas, porquanto, à data em que esta deveria ter sucedido, não se verificavam todos os pressupostos de que a mesma depende.

A Autoridade Tributária exerceu o contraditório, a título de impugnação e exceção. No âmbito desta última, pugnou pela ilegitimidade passiva e pela incompetência material do tribunal arbitral, fundando esta, por um lado, no facto de a instância arbitral não se encontrar materialmente habilitada a apreciar a questão da inconstitucionalidade que alicerça o pedido de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação impugnados e, por outro, atenta a circunstância de a Autoridade Tributária apenas se encontrar formalmente vinculada aos tribunais arbitrais para a apreciação de questões respeitantes a impostos.

No que concerne ao mérito do pedido, sustentou a legalidade das liquidações impugnadas, com base no entendimento de que a CESE constitui, em sentido formal e material, uma contribuição financeira, afirmando que a mesma respeita o princípio da equivalência, não se verificando qualquer descriminação injustificada ou arbitrária, e não ofende o princípio da proporcionalidade.

Salienta, por fim, a propósito da violação da regra da não consignação, que ainda que se considerasse estar em causa um imposto, tal regra consagra exceções, designadamente a constante na alínea f) do n.º 2 do artigo 7.º da Lei de Enquadramento Orçamental, sendo que a CESE preenche os pressupostos de tal exceção.

Tendo a recorrente respondido às exceções deduzidas pela Autoridade Tributária, cujo conhecimento foi relegado para a decisão final arbitral, foi cumprida a tramitação legalmente prevista, com dispensa da reunião a que alude o artigo 18.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, tendo havido lugar à apresentação de alegações escritas, nas quais as partes mantiveram as posições anteriormente assumidas.

Nesta sequência, o Tribunal Arbitral proferiu acórdão, julgando improcedentes as exceções deduzidas pela Autoridade Tributária, bem como o pedido da A., S.A., tendo considerado que não se afiguravam ilegais as liquidações impugnadas, quer a referente à CESE, quer aos juros compensatórios.

3. É deste acórdão do Tribunal Arbitral, na parte em que qualificou a CESE como uma contribuição financeira, que vem interposto o presente recurso, cujo objeto a recorrente formulou, nos seguintes termos:

«1. As normas objeto do presente recurso são os artigos 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º do regime jurídico da “Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético”, constante do artigo 228.º da Lei n.º 83º-C/2013, de 31 de dezembro, alterado pela Lei n.º 33/2015, de 27 de abril, e prorrogado pelos artigos 237.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, e 6.º da Lei n.º 159-C/2015, de 30 de dezembro.

2. As normas referidas violam os princípios constitucionais da capacidade contributiva e da equivalência, emanações do princípio da Igualdade (artigo 13.º da Constituição), da tributação das empresas pelo lucro real (n.º 2 do artigo 104.º), ele próprio uma decorrência da capacidade contributiva e da Igualdade, da proporcionalidade (n.º 2 do artigo 18.º), da livre iniciativa (artigo 61.º), da propriedade privada (artigo 62.º) e da não consignação (n.º 3 do artigo 105.º)».

4. Notificada para apresentar alegações, a recorrente concluiu do seguinte modo:

«A. A A. não exerce qualquer atividade no sector electroprodutor, nem sequer em qualquer outro subsector da eletricidade (a atividade da Recorrente é a de armazenamento subterrâneo de gás natural), pelo que em nada contribui para o problema da dívida tarifária do SEN, não beneficiando, pois, de nenhuma forma direta ou especial, da atividade do Estado exercida no âmbito do problema em causa (o mesmo acontecendo com grande parte dos sujeitos passivos da CESE).

B. Não tendo qualquer relação com a dívida tarifária do SEN, a A. não contribuiu ou beneficiou das circunstâncias que geraram esse problema, pelo que não tem também relação com o consequente desequilíbrio orçamental que o Estado português assumiu como objetivo anular ou atenuar (mais uma vez, o mesmo acontecendo com grande parte dos sujeitos passivos da CESE).

C. A Recorrente não é parte da causa de tal desequilíbrio, nem retirará da atuação estadual nesse aspeto qualquer benefício que não seja partilhado, em princípio na mesma medida, por todos os particulares.

D. Relativamente ao financiamento de políticas sociais e ambientais do sector energético, que o legislador também inscreveu formalmente como justificação da CESE, não se conhecem, com um grau mínimo de probabilidade objetiva, qual a natureza, o conteúdo e a importância das mesmas, razão pela qual nunca poderemos dar por suficientemente demonstrada a sua indispensabilidade e, portanto, que os sujeitos passivos do tributo poderão em princípio, alguma vez, ser efetivos beneficiários de uma ou mais das políticas em causa. Ora, se não conseguimos para já vislumbrar uma probabilidade séria desse efetivo benefício, não está por enquanto comprovado o benefício potencial ou presumido.

E. Aliás, mesmo que pudéssemos estabelecer uma ligação entre um benefício decorrente das políticas em questão e a atividade das empresas energéticas que não atuam no sector da produção de eletricidade – no qual se gerou o problema da dívida tarifária e o consequente desequilíbrio orçamental –, sempre essa ligação seria insuficiente para assegurar a legitimidade da CESE, na medida em que aquelas empresas continuariam a suportar um tributo cuja receita (a restante receita) é afeta a um objetivo com o qual nada têm a ver (a redução da dívida tarifária do sector electroprodutor) e a um outro cuja solução beneficia de igual modo, geral e indiscriminadamente, todos os particulares – para além de ser ele próprio, em parte, uma consequência daquela dívida tarifária (a consolidação orçamental).

F. De tudo isto sobra que o único objetivo do tributo à luz do qual a sua exigência à Recorrente é percetível (ainda que não juridicamente sustentável) é o objetivo da consolidação das contas públicas, um desiderato tipicamente prosseguido através dos tributos unilaterais.

G. Em face do exposto, a CESE não cabe no campo dos tributos bilaterais ou sinalagmáticos (taxas ou contribuições financeiras), por não respeitar o princípio da equivalência: os montantes exigidos não o são para o exercício de uma atividade do Estado de que os sujeitos passivos concretamente em causa beneficiem (direta ou indiretamente, efetiva ou presumivelmente, de modo suficientemente distinto da generalidade dos particulares não abrangidos pela incidência do tributo), não sendo sequer possível dizer que a atividade a financiar é originada, específica ou genericamente, pela daqueles sujeitos passivos.

H. A CESE é, pois, um verdadeiro imposto – um imposto especial sobre alguns operadores de um sector de atividade específico, em razão da sua alegada capacidade contributiva particular.

I. A CESE é um imposto materialmente inconstitucional, por violação do princípio da capacidade contributiva, subprincípio em que se concretiza no campo dos impostos o princípio constitucional da Igualdade (artigo 13º da Constituição), porque a sua base de incidência subjetiva atinge contribuintes que pouco ou nada têm a ver com os fins declarados da “contribuição” (não são de todo beneficiados com as atividades estaduais que a receita pretende financiar nem deram origem aos problemas que aquela é suposto colmatar) – designadamente todos aqueles que não atuam no âmbito do sector da produção de eletricidade, como é caso da ora Recorrente.

J. Vista como um imposto sobre o rendimento, a CESE viola ainda o princípio da capacidade contributiva por, ao ter como base objetiva o valor dos ativos das empresas abrangidas, constituir uma aproximação indireta ou presumida aos lucros das mesmas – uma aproximação ou presunção fantasiosa, puramente...

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