Acórdão nº 22/19 de Tribunal Constitucional (Port, 09 de Janeiro de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução09 de Janeiro de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 22/2019

Processo n.º 477/17

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. A., Lda., identificada nos autos, apresentou um pedido de constituição de tribunal arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária – RJAT), em que foi requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), pedindo a declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato de liquidação do Imposto do Selo (IS) do ano de 2015, praticado ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), incidente sobre um terreno para construção, no montante de € 32.3545,44.

A requerente fundou a pretensão anulatória da liquidação do imposto do selo na inaplicabilidade da verba 28.1 da TGIS, pelo facto do terreno se inserir no âmbito da sua atividade económica de compra e venda de terrenos para construção e revenda, situação que não pode estar sujeita à incidência do imposto do selo, sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva, consagrado no n.º 3 do artigo 104.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Por decisão proferida em 17 de abril de 2017, o tribunal arbitral julgou procedente o pedido de pronúncia arbitral, por entender que a norma contida na verba 28.1 da TGIS, quando aplicada a terrenos pertencentes a empresas que se dedicam à compra e venda de terrenos para construção e revenda, é materialmente inconstitucional, porque (i) não revela uma adicional capacidade contributiva, (ii) não tem conexão com o rendimento real da atividade comercial do sujeito passivo, (ii) e discrimina negativamente essas empresas em relação às empresas que vendem os mesmos terrenos para outras finalidades.

2. Inconformada, a AT veio interpor recurso de constitucionalidade, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional - LTC), com fundamento na recusa de aplicação da norma contida na verba 28.1 da TGIS, na redação introduzida pelo artigo 194.º da Lei n.º 83.º-C/2013, de 31 de dezembro, na medida em que se aplica a situações em que os terrenos para construção pertencem a empresas que se dedicam à comercialização de terrenos para revenda.

3. Admitido o recurso, a recorrente foi notificada a produzir alegações, o que fez, com as seguintes conclusões:

A. A ora Recorrida veio submeter ao Tribunal Arbitral pronúncia acerca da inconstitucionalidade e consequente desaplicação da norma constante no n.º 1 do artigo 1.º e da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), peticionando ainda a anulação do ato tributário impugnado, bem como a restituição dos valores pagos, acrescido de juros indemnizatórios.

B. Alegou, em suma, que a interpretação subjacente à liquidação impugnada é inconstitucional, designadamente por violação do princípio da capacidade contributiva e do princípio da igualdade, consignados na Constituição da República Portuguesa.

C. A título prévio importa delimitar o objeto do presente recurso, i.e., a norma que foi desaplicada com fundamento em inconstitucionalidade.

D. Assim conforme exposto no Acórdão n.º 590/2015 deste Colendo Tribunal, em especial no seu n.º 10, existe uma ligação estreita entre as regras de incidência objetiva e subjetiva aplicáveis à situação jurídica prevista na citada verba da Tabela Geral do Imposto do Selo e as regras contidas no CIMI.

E. Ou seja, o conceito de prédio relevante para efeitos do Código do Imposto do Selo é, nos termos do respetivo artigo 1.º, n.º 6, o conceito homónimo definido no CIMI,

F. e o sujeito passivo do Imposto do Selo, nas situações previstas na verba n.º 28 da respetiva Tabela Geral é, conforme estatuído no artigo 2.º, n.º 4, do Código do Imposto do Selo, quem, em 31 de Dezembro do ano a que o imposto respeitar, for proprietário de um prédio com valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, igual ou superior a € 1.000.000,00.

G. Ora, consta dos autos que insofismavelmente os prédios em questão reuniam as condições de incidência, quer subjetiva, quer objetiva para aplicação da Verba 28 TGIS.

H. Todavia, entendeu o Tribunal Arbitral, erroneamente, desaplicar a Verba 28.1 TGIS, na redação introduzida pelo artigo 194.º da Lei n.º 83º-C/2013 de 31 de Dezembro, com fundamento em inconstitucionalidade, tendo o tribunal arbitral entendido que a mesma é “ …materialmente inconstitucional, porquanto sujeita à tributação em Imposto do Selo a propriedade dos «terrenos para construção» cujo VPT seja superior a € 1 000 000, na medida em que se aplica a hipóteses em que os «terrenos para construção» pertencem a empresas que se dedicam à compra e venda de terrenos par construção e revenda”,

I. em virtude da alegada violação do princípio da igualdade.

J. Contudo, é entendimento da ora Recorrente que a tese daquele Tribunal Arbitral não pode colher.

K. O princípio da igualdade é um dos princípios estruturantes do sistema constitucional português, encontrando consagração genérica no art.º 13, da CRP.

L. Por outro lado, o art.º 104.º, n.º 3 da CRP prescreve que: «A tributação do património deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos»

M. Porém, no que respeita ao n.º 3 do art.º 104.º da CRP previne a doutrina que o princípio da igualdade, no que concerne ao património, tem que ser interpretado com alguma parcimónia, no sentido em que não envolve um particular e autónomo conteúdo jurídico do princípio da igualdade no âmbito da sua tributação.

N. As decisões mais recentes do Tribunal Constitucional, na vertente que aqui nos interessa, assinalam corretamente que o princípio da igualdade obriga a que se trate por igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente, não impedindo a diferenciação de tratamento, mas apenas as discriminações arbitrárias, irrazoáveis, i.e., as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante.

O. No caso sub judice a ora Recorrida suscita a violação do princípio da igualdade perante a lei fiscal na dimensão da proibição de diferenciação em situações iguais.

P. A propósito desta dimensão, pronunciou-se o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 563/96, de 16 de Maio, nos seguintes termos:

«O princípio da igualdade do cidadão perante a lei é acolhido pelo artigo 13º da CR que, no seu n.º 1, dispõe, genericamente, terem todos os cidadãos a mesma dignidade social, sendo iguais perante a lei, especificando o n.º 2, por sua vez, que "ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social".

(…)

Muito trabalhado, jurisprudencial e doutrinariamente, o princípio postula que se dê tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e tratamento desigual para as situações de facto desiguais (proibindo, inversamente, o tratamento desigual de situações iguais e o tratamento igual das situações desiguais) - cfr., entre tantos outros, e além do já citado acórdão n.º 186/90, os acórdãos n.ºs. 39/88, 187/90, 188/90, 330/93, 381/93, 516/93 e 335/94, publicados no referido jornal oficial, I Série, de 3 de Março de 1988, e II Série, de 12 de Setembro de 1990, 30 de Julho de 1993, 6 de Outubro do mesmo ano, e 19 de Janeiro e 30 de Agosto de 1994, respetivamente.

O princípio não impede que, tendo em conta a liberdade de conformação do legislador, se possam (se devam) estabelecer diferenciações de tratamento, "razoável, racional e objetivamente fundadas", sob pena de, assim não sucedendo, "estar o legislador a incorrer em arbítrio, por preterição do acatamento de soluções objetivamente justificadas por valores constitucionalmente relevantes", no ponderar do citado acórdão nº 335/94. Ponto é que haja fundamento material suficiente que neutralize o arbítrio e afaste a discriminação infundada (o que importa é que não se discrimine para discriminar, diz-nos J.C. Vieira de Andrade - Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, Coimbra, 1987, pág. 299).

Perfila-se, deste modo, o princípio da igualdade como "princípio negativo de controlo" ao limite externo de conformação da iniciativa do legislador – cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., pág. 127 e, por exemplo, os acórdãos nºs. 157/88, publicado no Diário da República, I Série, de 26 de Julho de 1988, e os já citados n.ºs. 330/93 e 335/94 – sem que lhe retire, no entanto, a plasticidade necessária para, em confronto com dois (ou mais) grupos de destinatários da norma, avalizar diferenças justificativas de tratamento jurídico diverso, na comparação das concretas situações fácticas e jurídicas postadas face a um determinado referencial ("tertium comparationis"). A diferença pode, na verdade, justificar o tratamento desigual, eliminado o arbítrio (cfr., a este propósito, Gomes Canotilho, in - Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 124, pág. 327; Alves Correia, O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, Coimbra, 1989, pág. 425; acórdão nº 330/93)».

Q. Reforçando: «só podem ser censuradas, com fundamento em lesão do princípio da igualdade, as escolhas de regime feitas pelo legislador ordinário naqueles casos em que se prove que dela resultam diferenças de tratamento entre as pessoas que não encontrem justificação em fundamentos razoáveis, perceptíveis ou inteligíveis, tendo em conta os fins constitucionais que, com a medida da diferença, se prosseguem”, bem como que "[e]ste princípio, na sua dimensão de...

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