Acórdão nº 24/19 de Tribunal Constitucional (Port, 09 de Janeiro de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução09 de Janeiro de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 24/2019

3.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), em que são recorrentes A. e B. e recorridos C., D., E. e F., os primeiros vêm interpor recurso ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), do acórdão daquele Supremo Tribunal, proferido em 2 de fevereiro de 2017 (cfr. fls. 766-796), que negou provimento ao recurso interposto pelos ora recorrentes – de acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora (TRE), de 21 de abril de 2016 (a fls. 538-559), que julgou improcedente, embora com diversa fundamentação, a apelação dirigida contra o despacho saneador proferido em primeira instância que, em ação com processo comum de declaração, julgou verificada a exceção de ilegitimidade processual ativa e absolveu os Réus, ora recorridos, da instância.

2. Na Decisão Sumária n.º 818/2018 decidiu-se não conhecer do objeto do recurso com fundamento na intempestividade do recurso, ausência de objeto normativo idóneo e falta de suscitação prévia adequada da questão de constitucionalidade (cfr. II – Fundamentação, n.º 6. e ss., cfr. fls. 849-857):

«6. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do tribunal “a quo” (fls. 825 com verso), com fundamento no artigo 76.º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito, pelo que se deve começar por apreciar se estão preenchidos todos os pressupostos, cumulativos, de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75.º-A e 76.º, n.º 2, da LTC.

Se o Relator verificar que algum, ou alguns deles, não se encontram preenchidos, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC.

7. Segundo jurisprudência constante do Tribunal Constitucional a admissibilidade do recurso apresentado nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC depende da verificação, cumulativa, dos seguintes requisitos: ter havido previamente lugar ao esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC), tratar-se de uma questão de inconstitucionalidade normativa, a questão de inconstitucionalidade normativa haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (artigo 72.º, n.º 2, da LTC) e a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionalidade pelo recorrente (vide, entre outros, os Acórdãos deste Tribunal n.ºs 618/98 e 710/04 – todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).

Faltando um destes requisitos, o Tribunal não pode conhecer do recurso.

8. Cabendo aos recorrentes delinear o objeto do recurso (norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade pretendem ver apreciada), a aferição do preenchimento dos requisitos de que depende a admissibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional e, bem assim, a delimitação do objeto do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, devem ter por base o invocado no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional (de fls. 807-812, supra transcrito em I, 3.) e reportar-se à decisão recorrida (ou decisões recorridas), tal como identificada(s) pelos recorrentes no seu requerimento de interposição de recurso (cfr. idem) e que fixa o respetivo objeto, in casu, o Acórdão do STJ de 2/02/2017 (fls. 766-796).

Ora, não obstante os recorrentes pretenderem a fiscalização de uma norma do Código Civil numa interpretação que, alegadamente, lhe terá sido conferida pelo Tribunal da Relação de Évora e pelo Supremo Tribunal de Justiça, verifica-se que a decisão judicial de que pretendem recorrer é expressamente identificada como o Acórdão do STJ de que foram notificados (cfr. requerimento de interposição de recurso, intróito, fls. 807), ou seja, o Acórdão do STJ de 2/02/2017 que negou a revista interposta pelos ora recorrentes (e outros) de acórdão do Tribunal da Relação de Évora (o qual, por seu turno, julgara improcedente o recurso de apelação da decisão proferida em 1ª instância), tendo, aliás, os recorrentes dirigido o requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade ao Juiz Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça e sido, nesse mesmo Tribunal Superior, proferida a decisão de admissão do presente recurso de constitucionalidade (cfr. fls. 825 com verso).

9. Verifica-se, desde logo, que, em face da opção dos recorrentes de procederem à interposição de recurso de constitucionalidade do acórdão do STJ de 2/02/2017 em momento anterior (em 21/02/2017) ao da decisão sobre o requerimento de arguição de nulidade do mesmo acórdão (proferida em 23/03/2017, cfr. fls. 826-833), também subscrito pelos ora recorrentes, e ainda que o recurso de constitucionalidade tenha sido admitido pelo Tribunal a quo na sequência da prolação do acórdão de 23/03/2017 (cfr. fls. 825 com verso), não se mostra cumprido o requisito de admissibilidade respeitante à definitividade da decisão judicial impugnada (por prévio esgotamento prévio dos recursos ordinários, como previsto no artigo 70.º, n.º 2, da LTC), mostrando-se intempestivo o requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional.

Entende-se que o requisito do esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC) que, in casu, fossem de admitir, deve ser compreendido nos termos dos n.ºs 3 e 4 do artigo 70.º da LTC, os quais assumem um conceito amplo de recurso ordinário, que há de incluir também as reclamações para os presidentes dos tribunais superiores, os despachos de não admissão ou de retenção de recurso, as reclamações dos despachos dos juízes relatores para a conferência e ainda as reclamações dos despachos de não admissão do recurso (cfr. os Acórdãos n.ºs 316/85, 571/06 e 341/08, todos disponíveis, bem como os demais citados, em www.tribunalconstitucional.pt) e, bem assim, os próprios incidentes pós decisórios, como a suscitação de nulidades da decisão recorrida ou os pedidos de aclaração.

Assim, tendo os recorrentes utilizado um dos meios impugnatórios normais ou ordinários, in casu, a suscitação de um incidente pós decisório (arguição de nulidade do acórdão recorrido), não podem «na pendência do procedimento que a ele se seguiu, impugnar a decisão jurisdicional anteriormente proferida, já que esta deixou de constituir a decisão definitiva, a “última palavra” da ordem jurisdicional respetiva sobre o litígio, cabendo-lhe aguardar que a reclamação ou arguição sejam dirimidas, e só então podendo tempestivamente interpor recurso de fiscalização concreta, fundado nesta alínea b) – cfr. Acórdãos n.ºs 534/04, 24/06, 268/08 e 331/08.

Não é, pois, admissível a interposição simultânea de recurso de constitucionalidade “à cautela” e a dedução de reclamação ou arguição no âmbito da ordem jurisdicional em causa – sendo naturalmente oponível à parte que “antecipa” o momento do recurso para o Tribunal Constitucional a objeção decorrente de estar, afinal, a impugnar, em fiscalização concreta, uma decisão judicial, que nesse momento, ainda carecia de “definitividade”» (Cfr. Carlos Lopes do Rego, Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Almedina, Coimbra, 2010, p. 115).

Ora, resultando com evidência dos autos que, à data da interposição do recurso de constitucionalidade (21/02/2017), não estava a decisão recorrida «consolidada no âmbito da ordem jurisdicional respetiva», não se mostra observado o requisito de admissibilidade do recurso imposto pelo n.º 2 do artigo 70.º da LTC.

10. Em qualquer caso, igualmente se verifica que não se mostram observados outros requisitos essenciais – e cumulativos – de admissibilidade do presente recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade.

Com efeito, da análise dos autos, em especial das alegações do recurso interposto pelos ora recorrentes para o STJ (cfr. Conclusões formuladas após convite para aperfeiçoamento, a fls. 751-758 com verso, as quais se mostram reproduzidas no Relatório do Acórdão do STJ, de 2/02/2017, ora recorrido, cfr. fls. 769-775), resulta que as questões de constitucionalidade acima identificadas não foram colocadas pelos recorrentes ao Tribunal a quo, antes de proferido o Acórdão de 2/02/2017, ora recorrido.

Com efeito, verifica-se que, durante o processo, os recorrentes não lograram proceder, perante o Tribunal recorrido (STJ), previamente à decisão de que agora recorrem para o Tribunal Constitucional, à enunciação dos critérios normativos alegadamente retirados do artigo 1818.º, do Código Civil que erigiram, no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, como objeto do presente recurso nem sustentaram as razões que determinariam a alegada inconstitucionalidade, termos em que não se mostra cumprido o ónus de suscitação prévia e adequada de uma questão de inconstitucionalidade normativa, nos termos exigidos pelos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, ambos da LTC. Ora, seria aquele o momento processual adequado para colocar a questão ao Tribunal recorrido antes da prolação da respetiva decisão. No entanto, a questão de constitucionalidade que constitui o objeto do presente recurso não encontra correspondência naquela peça processual.

Tal omissão do cumprimento do ónus de prévia suscitação da questão de constitucionalidade que pretendem ver apreciada pelo Tribunal Constitucional, perante o Tribunal a quo, de modo a dela dever conhecer, decorre da leitura (em especial, da última parte) das...

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