Acórdão nº 803/17 de Tribunal Constitucional (Port, 29 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelCons. Fernando Vaz Ventura
Data da Resolução29 de Novembro de 2017
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 803/2017[1]

Processo n.º 846/16

2.ª Secção

Relator: Conselheiro Fernando Ventura

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. A. e B. requereram no Cartório Notarial C. inventário para separação de bens na sequência da penhora de bens comuns em ação executiva instaurada contra um dos cônjuges. Nomeado o segundo requerente cabeça de casal, prestadas por este declarações e apresentada a relação de bens comuns a partilhar, realizou-se conferência preparatória, no âmbito da qual foi celebrado acordo total na partilha, que mereceu homologação judicial.

Releva para o presente recurso que, após a conferência preparatória, a notária corrigiu o valor da causa para €1.133.910,00 – que passou a corresponder à soma dos bens partilhados, e não ao montante de €7.000,00 indicado na petição -, sendo posteriormente elaborada a nota final de honorários e despesas, perfazendo os honorários o valor de €15.180,66, a pagar conjuntamente pelos requerentes.

Notificados, os requerentes reclamaram da nota de honorários e despesas, opondo-se à fixação pelo notário do valor da causa e pedindo, a título subsidiário, que fossem dispensados do pagamento dos honorários correspondentes à parcela que exceda o valor de €275.000,00. Por despacho judicial de 20 de maio de 2015, foi a reclamação julgada parcialmente procedente, decisão que veio a ser reformada em 17 de julho de 2016, em apreciação de pedido para tal formulado pela notária, julgando-se então integralmente improcedente a reclamação.

Inconformados, os recorrentes interpuseram recurso para o Tribunal da Relação do Porto, vindo este, por acórdão de 13 de setembro de 2016, a negar provimento ao recurso.

2. É deste acórdão que vem apresentado recurso para o Tribunal Constitucional, interposto pelos requerentes ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, alterada por último pela Lei Orgânica n.º 11/2015, de 28 de agosto (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante LTC), através de requerimento em que se coloca a seguinte questão:

«[P]pretende-se com o presente recurso que o Tribunal Constitucional aprecie a inconstitucionalidade da norma contida no nº 2 artigo 18º da Portaria nº 278/2013, de 26 de Agosto, conjugada com a tabela I anexa à indicada Portaria ("Para além dos (euro) 275.000, ao montante dos honorários acresce, por cada (euros) 25.000 em fração, 3UC no caso da coluna A e 4,5 no caso da coluna B), na interpretação feita no Acórdão Recorrido de que os honorários dos Senhores Notários são fixados sem qualquer limite máximo, não se permitindo que os mesmos sejam fixados de acordo com a complexidade e tempo gasto».

3. Admitido o recurso de constitucionalidade e determinado o prosseguimento do mesmo, vieram os recorrentes apresentar alegações, das quais extraíram as seguintes conclusões:

«A) O Douto Acórdão do Tribunal da Relação entende que «ao novo processo de inventário não é aplicável o Regulamento das Custas Judiciais, porquanto a Portaria 278/2013 fixa um regime especial» e que, no caso vertente não está em causa nenhuma «taxa de justiça».

B) E que os honorários dos Senhores Notários são fixados de acordo com a tabela I, a que alude o nº 2 do artigo 18º da Portaria 278/2013, de 26 de agosto, sem qualquer limite máximo, não se permitindo, em consequência, que sejam fixados de acordo complexidade do processo e tempo gasto, nas situações em que o processo de inventário tem valor superior a 275 000 euros.

C) Este entendimento viola claramente o direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, segunda parte, da Constituição.

Na verdade:

D) O Novo Regime Jurídico do Processo de Inventário surge após a assinatura do Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades da Politica Económica, celebrado entre a República Portuguesa e o Banco Central Europeu, a União Europeia e o Fundo Monetário Internacional, no quadro do programa de auxilio financeiro a Portugal que prevê o reforço da utilização dos processos extrajudiciais existentes para ações de partilha de imóveis herdados.

E) Pretendeu-se, assim, essencialmente, com o Novo Regime imprimir celeridade através da desjudicialização do processo de inventário, atribuindo a competência para a sua tramitação aos Cartórios Notariais, sem retirar aos juízes o poder geral de controlo do processo.

F) No que respeita aos honorários dos Senhores Notários que se encontram regulados na Portaria 278/2013, de 26 de agosto, podemos constatar o seguinte: i) Que os honorários notariais devidos pelo processo de inventário e incidentes são calculados de acordo com as tabelas constantes do anexo I e II da indicada Portaria regulamentadora; ii) que os Anexos I e II fixam a fórmula de cálculo em unidades de conta à semelhança do que acontece com as taxas de justiça nos processos tramitados nos tribunais judiciais.

G) O legislador quis, assim, fixar os honorários dos Senhores Notários à luz dos mesmos princípios que presidem ao cálculo das taxas de justiça fixadas para os processos dos tribunais, numa situação de clara continuidade.

H) A portaria nº 278/2013, de 26 de Agosto visou apenas regulamentar detalhadamente a matéria relativa aos honorários e despesas devidas no processo, mas tendo sempre presente os princípios e as disposições do Regulamento das Custas Processuais;

I) Com a transferência de competências dos tribunais para os Cartórios Notarial na matéria de processo de inventário, não pretendeu o legislador aumentar o "preço da justiça" para os cidadãos.

J) O argumento constante do Douto Acórdão Recorrido de que não estamos perante uma «taxa de justiça», não é verdadeiro.

K) À semelhança do que sucede com as despesas e honorários dos Agentes de Execução, os honorários dos notários são um custo inerente ao processo de inventário, integrando o conceito de custas processuais.

L) Basta lermos o disposto no artigo 67º do Regime Jurídico do Processo de Inventário que dispõe: "1 - As custas devidas pela tramitação do inventário são pagas pelos herdeiros, pelo meeiro e pelo usufrutuário de toda a herança ou de parte dela, na proporção do que recebam, respondendo os bens legados subsidiariamente pelo seu pagamento."

M) Também do nº 6 do artigo 19º da Portaria em questão dispõe que: "6 - O interessado que, em virtude da aplicação do disposto no n.º 1 ou por se ter substituído a outro interessado no pagamento dos honorários nos termos do n.º 3 ou do número anterior, tiver pago a título de honorários um montante superior ao da sua responsabilidade, calculada nos termos e nas proporções previstas no artigo 67.º do regime jurídico do processo de inventário aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 5 de março, tem direito de regresso relativamente aos demais responsáveis pelas custas devidas pela tramitarão do processo de inventário.".

N) Atendendo que, os honorários dos Senhores Notários, nos Processo de inventário constituem custas do processo, resulta claro que, a interpretação constante do Douto Acórdão recorrido é, claramente inconstitucional.

O) Já por diversas vezes o Tribunal Constitucional foi chamado a apreciar a conformidade constitucional de normas de custas judiciais que fixavam o valor das taxas de justiça apenas segundo o critério do valor da ação, não as relacionando à complexidade do processo e/ou não permitindo que, nos casos de simplicidade do processado, o valor das taxas apurado por aquele critério pudesse ser reduzido a um valor adequado.

P) Toda a doutrina constante na jurisprudência do Tribunal Constitucional relativa às taxas de justiça é aplicável ao cálculo dos honorários dos Senhores Notários.

Q) O processo de inventário está integrado no sistema de justiça para o qual os interessados no inventário já contribuíram, como todos os cidadãos, com os seus impostos.

R) A solução da Portaria n.º 278/2013, de 26 de agosto para o cálculo dos honorários dos Notários, permite que o seu valor escape ao controle jurisdicional da sua adequação e proporcionalidade e consente que se possa atingir valores significativos ainda que o Processo de Inventário tenha tido uma tramitação muito simples e a atuação do Notário tenha sido escassa e muito pouco relevante para o desfecho do Processo.

S) Um sistema de cálculo de honorários baseado apenas e exclusivamente no critério do valor do processo, presumindo-se que a complexidade do mesmo aumenta na proporção direta do respetivo valor viola, claramente, os princípios da proporcionalidade e da proibição do excesso ínsitos no princípio do Estado de direito democrático consignado no artigo 2.º da Constituição, sendo, portanto, constitucionalmente impossível.

T) Por outro lado, é também o artigo 18º nº 2 da Portaria 278/2013, 26 de agosto, conjugado com a Tabela I inconstitucional por violação do direito de acesso à justiça e aos tribunais na medida em que, da referida norma resulta responsabilidade para todos os interessados no inventário, os quais, face ao custo desmesurado que poderão ter de suportar com o pagamento dos honorários nos casos em que o valor dos bens seja significativo, verão significativa e desproporcionadamente cerceado o seu direito de acesso à justiça, sobretudo nos casos em que as dívidas da herança são superiores ao bens.

U) No presente caso concreto: é manifesta desproporção entre o valor cobrado a título de honorários e o custo do processo, que registou uma tramitação muitíssimo reduzida, dela não decorrendo para qualquer das partes qualquer benefício atento o passivo existente.

V) Caso o presente processo de inventário estivesse a correr seus termos no tribunal, as partes poderiam requerer...

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