Acórdão nº 435/18 de Tribunal Constitucional (Port, 02 de Outubro de 2018

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução02 de Outubro de 2018
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 435/2018

Processo n.º 249/2018

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. A. (o ora Recorrente) impulsionou ação de impugnação judicial de regularidade e licitude do despedimento contra “B., S.A.”, que correu os seus termos no tribunal de primeira instância com o número 2841/16.8T8LSB. Na falta de acordo entre as partes, a entidade empregadora apresentou o seu articulado. O trabalhador apresentou contestação, que foi desentranhada, após o que o tribunal deu por assentes os factos alegados pela entidade empregadora, nos termos do artigo 98.º-L, n.º 2, do Código do Trabalho, e, apreciando o mérito da causa, julgou improcedente a ação de impugnação do despedimento.

1.1. O trabalhador interpôs recurso desta decisão para o Tribunal da Relação de Lisboa. Das respetivas conclusões consta, designadamente, o seguinte:

“[…]

8) A contestação apresentada pelo advogado subscritor em nome do A. foi considerada intempestiva atenta a natureza dita urgente do processo, uma vez que, por erro na marcação do prazo, este foi contado sem considerar o período de férias judiciais. Ora, a norma que confere carácter urgente a um processo tem natureza excecional e está intrinsecamente ligada ao andamento e tramitação do próprio processo pelo que, tendo a contestação dado entrada em juízo mais de um mês antes da data agendada para julgamento (em prazo se o processo não fosse tido por urgente), no caso concreto dever-se-á considerar a suspensão ou não aplicação da natureza abstratamente urgente, com a consequente admissão da contestação e revogação do despacho proferido quanto ao seu desentranhamento, face aos princípios da verdade material e do inquisitório, em conjugação com o disposto no n.º 2 do art. 137.º do C.P. Civil. Na verdade, quando o constrangimento de prazos de defesa não tenha um efeito útil e não seja proporcional, nos termos do n.º 2 do art. 18.º da C.R.P., dever-se-á ter como não admissível face ao art. 20.º da C.R.P., não podendo deixar de se considerar que consubstanciará ainda uma ofensa do princípio da proporcionalidade pois a norma de preclusão é interpretada e aplicada sem ter em conta a sua finalidade: o andamento célere do processo, em concreto e em abstrato.

[…]”.

1.1.1. No Tribunal da Relação de Lisboa, foi proferido acórdão, datado de 14/06/2017, julgando improcedente o recurso e, consequentemente, confirmando a sentença recorrida.

1.1.2. Desta decisão pretendeu o trabalhador recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça (revista excecional). Tal recurso não foi admitido pelo senhor desembargador relator, por a causa não ter alçada. O trabalhador reclamou da decisão de não admissão do recurso, reclamação que foi indeferida por despacho de 30/10/2017, da senhora conselheira relatora do processo no Supremo Tribunal de Justiça, despacho este confirmado por acórdão de 20/12/2017.

1.2. Veio, então, o trabalhador apresentar recurso para o Tribunal Constitucional – recurso que deu origem aos presentes autos – invocando o disposto nas alíneas b), c) e f) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, nos termos seguintes:

“[…]

Vem perante V.ªs Ex.ªs nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 69.º e seguintes da Lei n.º 28/82, interpor recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos e com os fundamentos subsequentes:

[…]

1.Sem prejuízo da inconstitucionalidade invocada quanto à questão da cominação semiplena, considerando-se o disposto no artigo 202.º da CRP quando no mesmo se faz constar que “Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos”, em conformidade com o douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido em 13/02/2017, no Processo 3274/15.9T8VFR.P2, em situação análoga à do presente processo, foi determinado, conforme consta em sumário do mesmo, que ora se transcreve, que:

[…]

2. No processo foi considerado que o A. contestou extemporaneamente.

3. Ocorreu, consequentemente, uma apreciação, quanto mais não seja tácita quanto à data da notificação ao trabalhador do articulado de motivação de despedimento apresentado pela R.

4. Acontece que, o A. recorrente nunca foi pessoalmente notificado para contestar.

5. E, como consta no Acórdão em apreço – “no n.º 2 do artigo 98.º L referente às consequências de não apresentação da contestação, tendo sido ou devendo considerar-se regularmente notificado na sua própria pessoa, ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação consideram-se confessados os factos articulados pelo empregador”. (acresce dizer que nos termos do art. 24.º n.º 1 do CPT a decisão final é sempre notificada às partes).

Ora, e como já referimos atrás, a notificação a que alude o artigo 98.º-L – para efeitos da cominação a que se refere a parte final do seu n.º 2 – é uma notificação idêntica à citação de pessoas singulares a que alude o artigo 225.º do CPC, ou seja, é uma notificação pessoal [que pode ser feita na pessoa do mandatário constituído pelo TRABALHADOR, com poderes especiais para a receber – artigo 225.º, n.º 5, do CPC]. E se é uma notificação pessoal não se pode considerar regularmente efetuada quando apenas é notificado da contestação o mandatário do TRABALHADOR com procuração junta aos autos sem poderes especiais para receber essa notificação.

Em suma: o TRABALHADOR não foi notificado pessoalmente do articulado do empregador a determinar que não se pode aplicar o determinado no artigo 98.º-L, n.º 2, parte final do CPT e também não se pode concluir pela intempestividade da contestação apresentada na medida em que o prazo para contestar só começa a correr a partir da notificação pessoal do aqui TRABALHADOR”.

6. Com efeito, a confissão pressupõe a vontade do confitente em reconhecer os factos contrários aos seus interesses e favoráveis à contraparte, devendo ocorrer o denominado animus-confitendi.

7.Deverá ter-se em consideração que já constava do direito antigo o reconhecimento de que a pessoa induzida em erro era destituída de vontade (cum errantis nulla voluntas sit).

8.Mal fora que se desconhecesse que os prazos são uma fatalidade do direito, mas também não se poderá olvidar o que no Código Civil se acha referido quanto à confissão, no âmbito dos artigos 352.º a 361.º, tendo-se ainda, a este propósito, em especial atenção os artigos 356.º e 359.º.

9.Obviamente que decorre da tramitação dos autos que nunca ocorreu qualquer vontade do A. em confessar fosse o que fosse, o que aliás se acha logo evidenciado no processo disciplinar, assim como ao ter dado início ao processo especial de ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento e, ainda, pela posição que tomou na audiência de partes ao não ter ocorrido qualquer conciliação.

10. Ora, o pretender-se sem mais determinar uma ilação particular relativamente ao mérito da causa, não parece no mínimo razoável nem adequado a um estado de direito, no âmbito e na procura da justa composição dos litígios onde, obviamente se deverá sempre procurar fazer valer a verdade material em prejuízo da verdade meramente formal.

11.Nesta perspetiva, o entendimento de que, conforme se pode ler na sentença: “porque o Trabalhador não contestou a ação em tempo, nos termos do disposto no art.º 98.º L n.º 2 do Código de Processo do Trabalho, julgam-se provados, por confissão os factos alegados no articulado de motivação de despedimento, cujo teor se reproduz na íntegra.”, em casos de erro manifesto, não poderá sem mais vingar, para mais não tendo sido o trabalhador notificado na sua própria pessoa.

12. É de salientar ainda que a norma pela qual é conferido carácter urgente a um determinado processo tem uma natureza excecional e está intrinsecamente ligada ao andamento e tramitação do próprio processo, não podendo nem devendo tal pressuposto de urgência ser considerado e estabelecido de modo, diríamos, quase arbitrário.

13. Assim, não se pode olvidar que, quando o constrangimento de prazos de defesa não tenha um efeito útil e não seja proporcional, nos termos do n.º 2 do art. 18.º da C.R.P., dever-se-á ter como não admissível sob pena de violar o art. 20.º da C.R.P.

14. Pelo que, não se pode acompanhar o ponto II do Sumário do Acórdão sub judice, quando nele se escreve que: “O regime cominatório previsto no art.º 98-L não enferma de qualquer inconstitucionalidade, seja quanto á natureza urgente seja quanto à cominação – serem confessados os factos alegados pelo empregador – pelo que, não contestando oportunamente, a matéria de facto fica logo assente e há lugar à prolação de sentença.”

15. Atente-se, por exemplo, o que a tal propósito se acha escrito no diploma preambular do CPT “por respeito ao princípio da verdade material e atendendo aos interesses conflituantes mantêm-se neste código os poderes que já eram conferidos ao juiz no domínio da legislação anterior relativamente ao suprimento dos pressupostos processuais, de indagação oficiosa dos elementos de prova, de alargamento da base instrutória e de conhecimento e decisão para além do pedido e em objeto diverso do pedido”.

16. É assim inequívoco que a verdade material foi proclamada como um dos valores fundamentais a prosseguir pelo processo laboral, concedendo-se por isso ao julgador amplos poderes de indagação oficiosa da verdade, quer recorrendo a meios de prova mesmo que não tenham sido requeridos, quer através da possibilidade de alargamento da base instrutória, mesmo a factos não alegados, desde que se mostrem relevantes para a decisão da causa e sobre eles tenha sido exercido o direito de contraditório, conforme resulta do artigo 72.º, n.º 1, do código atual.

17. A todo o exposto...

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