Acórdão nº 106/17 de Tribunal Constitucional (Port, 01 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução01 de Março de 2017
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 106/2017

Processo n.º 759/2016

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Correu termos no Juízo de Média Instância Criminal de Sintra – Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa-Noroeste um processo comum (criminal) para julgamento por tribunal singular, com o n.º 531/09.7PBSNT, sendo arguidos A. (o ora Recorrente), B. e C..

Realizada a audiência de julgamento (cuja última sessão teve lugar em 05/02/2013) e proferida sentença, veio esta a ser anulada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que, por despacho de 12/12/2013, determinou a repetição parcial do julgamento, e consequente elaboração de nova sentença, em virtude de deficiência na documentação da prova (registo áudio), relativamente a declarações de um coarguido e à inquirição de duas testemunhas.

Esta repetição parcial teve lugar nos dias 23/04/2014 (tomada de declarações ao coarguido C. e inquirição da testemunha D.) e 13/05/2014 (inquirição da testemunha E.). A segunda sentença do tribunal de primeira instância foi proferida e lida no dia 26/06/2014, e nela foi o ora Recorrente A. condenado: (i) pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 100 dias de multa; (ii) pela prática de um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelos artigos 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 120 dias de multa; e (iii) em cúmulo jurídico daquelas penas parcelares, na pena única de 190 dias de multa, à taxa diária de oito euros, perfazendo o montante global de €1.520,00.

1.1. Inconformado com a condenação, o arguido A. interpôs recurso da decisão para o Tribunal da Relação de Lisboa, sustentando, inter alia, que a prova produzida e documentada em 2013 e não afetada por deficiência na sua documentação perdeu eficácia, nos termos do artigo 328.º, n.º 6, do CPP (na redação introduzida pela Lei n.º 59/98, de 25 de agosto), por terem decorrido mais de 30 dias entre a última sessão do julgamento (em 05/02/2013) e a sua continuação (em 23/04/2014).

Sobre esta matéria, alegou o seguinte:

“[…]

A norma segundo a qual a reabertura da audiência decorrente de ausência ou deficiente de documentação de prova, nos termos do art. 364.º do CPP, deve obediência ao art. 328.º, n.º 6, do CPP, não perdendo eficácia a prova realizada há mais de 30 dias, é, em tal interpretação restritiva, inconstitucional, por violação dos princípio da legalidade, previsto no art. 2.º da CRP, do princípio da tutela jurisdicional efetiva, garantido no art. 20.º, n.º 4, da CRP, das garantias de defesa do Arguido, previstas no art. 32.º da CRP e do princípio da igualdade, consagrado no art. 13.º da CRP.

[…]”.

1.2. No Tribunal da Relação de Lisboa, foi proferido acórdão negando provimento ao recurso e, consequentemente, confirmando a decisão recorrida, no qual se considerou que a regra da perda da eficácia da prova prevista no n.º 6 do artigo 328.º do CPP não tem aplicação às hipóteses de “[…] repetição de parte da prova oralmente produzida, em virtude de gravação deficiente […]”.

1.3. Interpôs o arguido, então, recurso para o Tribunal Constitucional, o qual deu origem aos presentes autos, nos termos seguintes:

“[…]

[V]em interpor o competente recurso para o Tribunal Constitucional, com fundamento na al. b), do n.º 1 do art. 70.º e ao abrigo dos arts. 70.º, n.º 2, 72.º, n.º 2, 75.º, n.º 1, 75.º-A, n.ºs 1 e 2, e 78.º, n.º 3, todos da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua redação atual, (doravante designada “Lei do Tribunal Constitucional”), o qual tem efeito suspensivo, subida imediata e nos próprios autos, o que faz, nos termos e com os fundamentos seguintes:

1. O presente recurso vem interposto dos Acórdãos da Relação de Lisboa de 16 de fevereiro de 2016 e de 26 de julho de 2016, suscitando-se perante este douto Tribunal Constitucional a questão de constitucionalidade seguinte:

norma segundo a qual a reabertura da audiência decorrente de ausência ou deficiente de documentação de prova, nos termos do art. 364.º do CPP, não deve obediência ao art. 328.º, n.º 6, do CPP (com a redação da Lei n.º 59/98, de 25 de agosto), não perdendo eficácia a prova realizada há mais de 30 dias, é, em tal interpretação restritiva, inconstitucional, por violação dos princípio da legalidade, previsto no art. 2.º da CRP, do princípio da tutela jurisdicional efetiva, garantido no art. 20.º, n.º 4, da CRP, das garantias de defesa do Arguido, previstas no art. 32.º da CRP, e do princípio da igualdade, consagrado no art. 13.º da CRP.

2. A referida questão foi alegada pelo Arguido na sua Motivação de Recurso, no Capítulo lll, pág. 21 da Motivação e nos pontos da Motivação e 6 a 10 das Conclusões, bem como no ponto 7 da arguição de nulidade do Acórdão.

3. Mais se nota que a sentença primitiva foi declarada nula por despacho de 06.06.2013, por deficiência de gravação, tendo o Tribunal a quo decidido proceder à repetição parcial do julgamento, na parte correspondente às deficiências de gravação alegadas, através da tomada de declarações do arguido C. e demais testemunhas inquiridas no dia 12.02.2013.

4. A continuação do julgamento que teve lugar em 23.04.2014 e a leitura da sentença em 26.06.2014.

5. Assim, este Tribunal é chamado a decidir a questão colocada à luz do preceituado no art. 328.º, n.º 6, do CPP, com a redação da Lei n.º 59/98, de 25 de agosto, em vigor à data dos factos.

Nestes termos, deve a presente interposição de recurso para o Tribunal Constitucional ser admitida por V.ªs Ex.ªs, seguindo-se a tramitação prevista nos artigos 76.º e seguintes da Lei do Tribunal Constitucional.

[…]”.

1.4. No Tribunal Constitucional apresentou o Recorrente alegações que culminaram nas seguintes conclusões:

“[…]

1. A norma segundo a qual a reabertura da audiência decorrente de ausência ou deficiente de documentação de prova, nos termos do art. 364.º do CPP, [não] deve obediência ao art. 328.º, n.º 6, do CPP, não perdendo eficácia a prova realizada há mais de 30 dias, é, em tal interpretação restritiva, inconstitucional, por violação dos princípio da legalidade previsto no artigo 2.º da CRP, do princípio da tutela jurisdicional efetiva garantido no artigo 20.º, n.º 4, da CRP, das garantias de defesa do Arguido, previstas no artigo 32.º da CRP e do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP.

2. Admitir que, terminada a audiência de julgamento e tendo-se verificado uma deficiente gravação da prova produzida oralmente perante o juiz em sede de audiência, seja admissível voltar a ouvir essa testemunha ou arguido, permanecendo válida toda a prova testemunhal ou por depoimento produzida em audiência, muitas das vezes tendo passado um longo período de tempo após a produção da restante prova, não possibilita nem fomenta a tomada de uma decisão justa.

3. A reabertura da audiência, para suprimento de deficiente gravação, depois de toda a prova já ter sido produzida não garante que o depoimento prestado pela segunda vez seja igual ao da primeira.

4. Afirmar que a declaração de qualquer interveniente processual ou depoimento de testemunha perante um juiz é sempre o mesmo, independentemente da altura em que é prestado, é uma fantasia. A própria natureza humana é que não permite que tais declarações sejam exatamente iguais da segunda vez que são prestadas, pelos mesmos motivos que o legislador estipulou o prazo-limite de 30 dias da norma em questão: após esse período de tempo, o ser humano não se recorda da mesma forma e com o mesmo pormenor dos acontecimentos que vier a relatar em audiência. Assim, a prova produzida após reabertura da audiência distorce a finalidade que os princípios da imediação e da oralidade prosseguem: a descoberta da verdade.

5. Não se pode afirmar, como faz a decisão recorrida, ao citar o acórdão de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2016, de 12/11/2015, que a reabertura da audiência para suprir as deficiências de gravação apenas é válida se já estiver determinada a sanção. A ser assim, a prova a reproduzir será em certa medida, inútil para tal determinação. E, se assim é, então qual o motivo para voltar a reproduzi-la? Qual a sua utilidade? Entendido deste modo, nenhuma.

6. Com efeito, a referida norma viola o princípio da legalidade previsto no artigo 2.º da CRP, uma vez que não tem qualquer correspondência com o preceituado no artigo 328.º, n.º 6, do CPP, que não distingue as situações de interrupção e de adiamento da audiência que tenham lugar em cumprimento de decisão do Tribunal a quo, daquelas que decorram de vicissitudes ocorridas com o agendamento do julgamento, ou outras, em primeira instância.

7. Do mesmo modo, viola o princípio da tutela jurisdicional efetiva garantido no artigo 20.º, n.º 4, da CRP e as garantias de defesa do Arguido, previstas no artigo 32.º da CRP, uma vez que o princípio da continuidade da audiência e da imediação asseguram a memória da prova produzida em julgamento pelo julgador, e, portanto, a afirmação de uma decisão justa. Transcrevendo-se, novamente, o Ac. do STJ, já identificado: ‘Como forma de reduzir os riscos que o tempo e a duração do processo podem provocar na memória do julgador inscreve-se o princípio da concentração, que sublinha a necessidade de proximidade entre os diversos atos processuais para que o juiz possa valer-se da impressão deixada no seu espírito pelos testemunhos e depoimentos’.

8. Consequentemente, para que a oralidade seja efetiva e traga todos os benefícios inerentes à sua aplicação, torna-se necessária a produção de um mínimo de sessões...

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