Acórdão nº 717/17 de Tribunal Constitucional (Port, 15 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução15 de Novembro de 2017
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 717/2017

Processo n.º 1013/2016

3ª Secção

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

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Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos de Tribunal Arbitral constituído junto do Centro de Arbitragem Administrativa – CAAD, em que é recorrente a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira e recorrida a sociedade A., S.G.P.S., S.A., foi interposto recurso, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (doravante, «LTC»), em 5 de dezembro de 2016, do acórdão proferido por aquele Tribunal, em 20 de novembro de 2016.

2. A ora recorrida apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral coletivo, nos termos do artigo 2.°, n.° 1, alínea a), e 10.°, n.os 1 e 2, e 17.°-A do Decreto-Lei n.° 10/2011, de 20 de janeiro («Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária»), com vista à declaração de ilegalidade e anulação do ato de indeferimento da reclamação graciosa e do ato de correção da matéria tributável, levado a cabo pela ora recorrente, relativo ao exercício de 2012, bem como da subsequente liquidação de IRC.

3. O acórdão recorrido julgou procedente o pedido, declarando a ilegalidade da correção da matéria tributável da ora recorrida, no montante de € 6 084 536,41, aplicada pela liquidação de IRC, bem como da decisão da reclamação graciosa que mantivera tal correção, anulando ambas.

Com interesse para a decisão que haverá de seguir-se, pode ler-se no referido acórdão o seguinte:

3. Matéria de direito

«Na sequência de uma inspeção tributária, a Autoridade Tributária e Aduaneira efetuou correções à matéria tributável do exercício de 2012 do grupo A., de que a Requerente é sociedade dominante.

Entre as correções efetuadas inclui-se uma no montante de € 6.084.536, 41, relativa a «encargos financeiros não dedutíveis face ao disposto nos artigos 32.º do EBF e 23.º do CIRC (...) ».

Esta correção foi feita em relação ao lucro tributável individual da Requerente, sendo efetuado o correspondente ajustamento ao lucro tributável do grupo, em conformidade com o disposto no artigo 70.°, n.° 1, do CIRC.

A correção referida reporta-se a encargos financeiros suportados pela Requerente com a realização de prestações suplementares (e prestações acessórias com o mesmo regime) efetuadas a participadas suas, que foram considerados na determinação do lucro tributável.

(...)

3.1. Questão da qualificação das prestações suplementares como «partes de capital» para efeitos do artigo 32.°, n.° 2, do EBF, na redação vigente em 2012

O artigo 32.°, n.° 2, do EBF estabelecia, na redação vigente em 2012, introduzida pela Lei n.° 64-B/2011, de 30 de dezembro, estabelece o seguinte:

2 - As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.

Da parte final desta norma resulta que os encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital não concorrem para a formação do lucro tributável das SGPS.

No caso em apreço, os encargos financeiros em causa foram suportados pela Requerente para efetuar prestações suplementares (ou prestações acessórias com o mesmo regime), às suas participadas, pelo que a aplicabilidade desta norma à situação depende da qualificação destas prestações como «partes de capital».

«Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que às mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis» (artigo 11.°, n.° 1, da LGT), o que constitui uma remissão para o artigo 9.° do Código Civil.

No n.° 2 do mesmo artigo 11.° estabelece-se que «sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei»

Desta norma resulta que, embora a regra seja a de os termos utilizados nas normas fiscais deverem ser interpretados com o mesmo alcance que têm noutros ramos do direito, há uma exceção, que é decorrer diretamente da lei fiscal que o sentido do termo utilizado na lei fiscal é diferente do que tem noutros ramos do direito.

(...)

Ora, no caso em apreço, para esclarecimento da questão de saber se as prestações suplementares são abrangidas no conceito de «partes de capital» há uma norma da qual decorre diretamente que aquelas não se englobam neste conceito, que é o n.° 3 do artigo 45.° do CIRC, na redação do Decreto-Lei n.° 159/2009, de 13 de julho, vigente no ano de 2011.

Estabelece-se neste n.° 3 do artigo 45.° o seguinte:

3 - A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.

(...)

Tal como está redigida a norma, as prestações suplementares englobar-se-ão no conceito de «outras componentes do capital próprio» e não nas «partes de capital», pois a referência àquelas aparece a seguir a este último conceito e não ao primeiro.

(...)

Esta delimitação do conceito de «partes de capital» que se extrai do referido n.° 2 do artigo 45.° é feita para efeitos de determinação de menos-valias, que se inclui na matéria de que trata o artigo 32.°, n.° 2, do EBF (é uma norma que afasta em relação às SGPS a relevância tributária em geral prevista no CIRC para as mais-valias e menos-valias) pelo que, tendo-se de presumir que o legislador exprimiu o seu pensamento em termos adequados (nos termos do referido artigo 9.°, n.° 3, do Código Civil), justifica-se a conclusão de que foi utilizada na norma especial o mesmo conceito de «partes de capital» que foi utilizado na norma que prevê a relevância tributária regra.

Para além disso, a norma do artigo 32.°, n.° 2, do EBF foi reformulada pela Lei n.° 64- B/2011, de 30 de dezembro, já depois da alteração introduzida pela Lei n.° 60-A/2005 no artigo 45.° do CIRC e a nova redação daquela norma mantém a referência apenas às «partes de capital» sem qualquer alusão às «outras componentes do capital próprio» a que alude o artigo 45.°, n.° 2.

Esta conclusão, extraída do teor literal do artigo 32.°, n.° 2, do EBF, conjugado com o artigo 45.°, n.° 2, é confirmada pela razão de ser do regime especial das mais-valias e menos- valias realizadas pelas SGPS, que não vale em relação às prestações suplementares, como proficientemente se explica no acórdão do CAAD proferido no processo n.° 12/2013-T (...).

Por isso, as correções efetuadas não têm suporte legal no artigo 32.°, n.° 2, do EBF.

(...)

3.3.5. Questões de inconstitucionalidade suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira

No que concerne a hipotética violação do princípio da igualdade por não enquadramento das prestações suplementares no regime do artigo 32.°, n.° 2, do EBF, é manifesto que as prestações suplementares são diferentes das partes de capital aí referidas, designadamente ações e quotas de sociedades.

Na verdade, se, como defende a Autoridade Tributária e Aduaneira, o fundamento para as SGPS serem penalizadas com a indedutibilidade dos encargos financeiros previstos na parte final daquela norma com aquela norma fosse a neutralização do benefício previsto na parte inicial da irrelevância das mais-valias para a determinação do lucro tributável, então tem de se concluir que essa hipotética atenuação do benefício ou reequilíbrio não se justificam em relação às prestações suplementares, pois, à face do seu regime legal, elas não são restituídas por valor superior àquele por que foram prestadas, não sendo, consequentemente fonte de mais-valias.

Por outro lado, no que concerne ao princípio da capacidade contributiva, se as prestações suplementares são restituídas pelo seu valor e nem sequer vencem juros (artigo 210.°, n.° 5, do Código das Sociedades Comerciais) não se vislumbra como quem as presta possa ter, por esse facto, capacidade contributiva igual à de quem utiliza financiamentos para adquirir ações ou quotas e as transmitir com mais-valias para efetuar mútuos remunerados.

Isto é, em vez de o não enquadramento das prestações suplementares no regime da parte final do artigo 32.°, n.° 2, do EBF violar o princípio constitucional da tributação em função da capacidade contributiva e o princípio da igualdade, essas violações poderiam ocorrer se as prestações suplementares fossem equiparadas às partes de capital (ações e quotas de sociedades), para efeito de proibição de dedutibilidade dos encargos financeiros suportados com financiamentos com aquelas conexionados.

Por isso, a consideração destes princípios constitucionais, em vez de impedir a interpretação aqui adotada, antes a corrobora».

4. Notificado desta decisão, a recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, através de requerimento com o seguinte teor:

«A Autoridade Tributária e Aduaneira requerida nos autos à margem identificados, tendo sido notificada e não se conformando com a decisão arbitral proferida no processo n.° 264/2016-T, de fls. vem, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 280.° n.° 1, alínea b) da Constituição da República Portuguesa e 70° n.° 1 alínea a), 75°, 75°-A e 76°, n° 1 da Lei n.° 28/82, de 15 de novembro - Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC) - e 25.°...

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