Acórdão nº 725/17 de Tribunal Constitucional (Port, 15 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelCons. Maria Clara Sottomayor
Data da Resolução15 de Novembro de 2017
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 725/2017

Processo n.º 490/17

3ª Secção

Relatora: Conselheira Maria Clara Sottomayor

Acordam, em Confer ência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. A Decisão Sumária n.º 402/2017, deste Tribunal Constitucional, não admitiu o recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade interposto pelo arguido, aqui Recorrente, A., ao abrigo do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, referida, de ora diante, como LTC).

Para tanto e para o que ora releva, fundamentou-se a decisão de não admissão do aludido recurso, por um lado, na circunstância de o objeto do recurso se mostrar destituído de normatividade e, por outro lado, no facto de a questão de constitucionalidade cuja sindicância se pretendia ver apreciada por este Tribunal Constitucional não se mostrar adequada e previamente suscitada (fls. 456 a 458):

«(…)

6. Em segundo lugar, é manifesto que soçobram vários dos legais requisitos cumulativos acima elencados.

Desde logo, percorrido o teor do requerimento de recurso, constata-se que é deste modo que se mostra enunciada a questão de constitucionalidade em que fundamenta o seu recurso:

“(…) seja apreciada a constitucionalidade da interpretação normativa do artigo 127.º do Código de Processo Penal que conduz à violação e não aplicação do princípio in dubio pro reo, que assegura as garantias de defesa do arguido, violando consequentemente o disposto no dito artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, por incorreta interpretação do artigo 127.º do Código de Processo Penal”.

7. A mencionada enunciação não reúne os legais pressupostos acima elencados.

Senão vejamos.

8. Como é sabido, o recurso de constitucionalidade consubstancia um meio de impugnação de normas ou interpretações normativas, pelo que, pretendendo o Recorrente impugnar um determinado preceito ou conjunto de preceitos adotado num certo sentido incumbe-lhe o ónus de enunciação desse mesmo sentido, o que não se mostra observado na enunciação acima transcrita que se circunscreve à invocação da pretensa violação do artigo 32.º da Constituição.

Na verdade, o que resulta do requerimento de recurso do Recorrente não é um qualquer padrão decisório assacado ou assacável aos preceitos legais cotejados mas antes um juízo de censura dirigido ao ato de julgamento e à ponderação casuística da operação de valoração e concatenação dos meios de prova produzidos em audiência de discussão e julgamento – “o ora recorrente considera que a sentença recorrida ao ter não aplicado o princípio in dubio pro reo viola o verdadeiro corolário do princípio constitucional da presunção de inocência do arguido, ínsito no art. 32.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, incorrendo assim em erro de julgamento, por deficiente apreciação da prova (fls. 444).

É, pois, manifesto que o juízo de censura que respalda o recurso apresentado mostra-se invariavelmente dirigido ao teor concreto das operações de subsunção realizadas pelas instâncias infraconstitucionais, matéria excluída do poder de sindicância deste Tribunal Constitucional que não intervém em “contencioso de decisões” ou enquanto “recurso de amparo”.

Acresce que, pretendendo-se a sindicância de uma determinada interpretação normativa, ao Recorrente incumbia o ónus de enunciação da interpretação de determinados preceitos legais que tinha por violadores da Constituição destacados da situação concreta e de potencial aplicação genérica e abstrata, o que, notoriamente, não se verifica, dado que o que se contesta não é um padrão decisório mas a aplicação da interpretação do direito infraconstitucional mobilizado com reporte às vicissitudes casuísticas e irrepetíveis do caso concreto (sobre os poderes de cognição do Tribunal a este respeito cf. os arestos n.ºs 303/02, 633/08, 381/2000).

9. Ex abundantis e apreciando da verificação de outro dos legais pressupostos exigidos, é manifesto que o Recorrente também não observou os requisitos de suscitação adequada de uma questão de constitucionalidade, tal como exigido pelo artigo 72.º, n.º2, da LTC.

Com efeito, o cumprimento do ónus de suscitação prévia e processualmente adequada demanda que o Recorrente tenha observado tal ónus junto do Tribunal recorrido, enunciando-o de forma expressa, clara e percetível, de molde a criar no Tribunal a quo um dever de pronúncia sobre a matéria a que tal questão se reporta.

Além disso, demanda uma fundamentação, em termos minimamente concludentes, com indicação das razões porque se considera ser inconstitucional a norma ou, no caso de se questionar certa interpretação de uma determinada norma, o sentido da dimensão normativa do preceito que se tem por violador da Constituição, de molde a que, como se decidiu no aresto deste Tribunal n.º 367/94 (disponível no respetivo site), “esse sentido do preceito há de ser enunciado de forma a que, no caso de vir a ser julgado inconstitucional, o...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT