Acórdão nº 154/18 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelCons. Fernando Vaz Ventura
Data da Resolução14 de Março de 2018
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 154/2018

Processo n.º 535/2016

2.ª Secção

Relator: Conselheira Fernando Ventura

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional de acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ), em 21 de abril de 2016. Invocou, para tanto, no requerimento de interposição de recurso, as alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (doravante LTC), vindo ulteriormente referir que a menção à alínea c) se deveu a lapso de escrita.

2. O presente recurso inscreve-se em ação declarativa, emergente de contrato individual de trabalho, interposta pelo ora recorrente (bailarino do Corpo de Baile) contra B., EPE (entidade que integrou a Companhia Nacional de Bailado, nos termos do artigo 1.º do Decreto-Lei nº 160/2007, de 27 de abril), pedindo que seja declarada nula a estipulação do termo aposta no contrato de trabalho celebrado entre o A. e a Ré em 1 de setembro de 2008, e consequentemente considerar-se inexistentes as renovações subsequentes; seja o contrato celebrado em 1 de setembro de 2008 havido como contrato sem termo, desde essa data; seja declarado nulo por ilícito o despedimento do trabalhador; seja a Ré condenada a pagar o valor das retribuições que o A. deixou de aferir desde a data do despedimento, bem como as vincendas até à data do trânsito em julgado, acrescido de juros; seja a Ré condenada a pagar ao A. indemnização a fixar pelo tribunal de montante entre 15 e 45 dias de retribuição base por cada ano completo ou fração de ano, nos termos do artigo 391.º do Código do Trabalho; seja o R. condenado no pagamento de indemnização por danos não patrimoniais, no valor de €3.500,00. E, caso assim não se entenda, que seja a Ré condenada a pagar ao A. compensação pela caducidade do contrato no valor de €6 079,54, para o caso de se considerar que a mesma ocorreu a 31 de agosto de 2011, ou de €8 106,05 para o caso de se considerar que a mesma ocorreu a 31 de agosto de 2012.

Por sentença de 2 de maio de 2014, a 1.ª instância julgou a ação parcialmente procedente e declarou a caducidade do vinculo laboral entre A. e Ré, com efeitos reportados a 31 de agosto de 2012, e fixada uma compensação de caducidade de €8 106,05.

Recorreram ambas as partes para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão de 1 de julho de 2015, julgou procedente a apelação do A. e parcialmente procedente a apelação da Ré. Revogando a sentença recorrida, declarou nula a estipulação do termo aposta no contrato de trabalho celebrado entre o A. e a Ré em 1 de setembro de 2008; declarou ilícito o despedimento do A., ocorrido em 31 de agosto de 2012; condenou a Ré a pagar as remunerações peticionadas; condenou a Ré a pagar ao A. uma indemnização por antiguidade equivalente a um mês por cada ano ou fração de ano, desde o despedimento até transito em julgado da decisão, a apurar em incidente de liquidação. Mais determinou o prosseguimento do processo com vista à realização de julgamento a fim de ser produzida prova sobre os factos alegados relativamente aos danos não patrimoniais (fls. 189-225).

No que releva ao presente recurso, fundou-se essa decisão no entendimento de que aos contratos de trabalho celebrados entre as partes são aplicáveis os requisitos formais impostos no artigo 131.º do Código do Trabalho de 2003 e no 141.º Código de Trabalho de 2009, por força do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 4/2008, de 7 de fevereiro, considerando que o fundamento invocado para a contratação a termo não comportava justificação para o efeito, dado que a atividade desempenhada pelo A. correspondia a uma necessidade permanente da Ré e não configurava uma tarefa ocasional ou uma função temporária.

Inconformada, a Ré B. interpôs recurso de revista, defendendo em alegações que «O art. 7/1 conjugado com o seu nº 2, da Lei 4/2008 apenas não constituirão uma redundância do regulado no CT, se o seu sentido for estabelecido como (I) permitindo a estipulação de termo resolutivo sem necessidade de outra fundamentação que não o exercício de uma atividade artística (destinada a espetáculo ao público) por parte do prestador da atividade, (II) permitindo a determinação da duração do vínculo contratual laboral apenas sujeita ao Livre Arbítrio Consensual de ambos os declarantes negociais e (III) exigindo estipulação expressa no tocante à possibilidade da renovação do vínculo» (fls. 233- 245; 243, conclusão i.). Nas suas contra-alegações, o A. manifestou discordância quanto à interpretação avançada pela Ré, defendendo que «as normas dos artigos 1.º n.º 2 e 7.º nºs 1 e 2 da Lei 4/20[0]8 interpretadas no sentida da admissibilidade do contrato a termo celebrado com trabalhadores pelo simples facto de serem artistas e prestarem a sua atividade a uma entidade organizadora de espetáculos, afigura-se como uma restrição arbitrária do direito à segurança no emprego, dado que é desproporcionada, desadequada para atingir os fins que visa e demasiado onerosa para o trabalhador que se encontra numa situação de especial vulnerabilidade» e que «Mesmo a admitir a constitucionalidade per si, das normas dos artigos 1.º n.º 2 e 7.º nºs 1 e 2 da Lei 4/2008, o que não se concede, sempre subsistirá a inconstitucionalidade assente numa interpretação, a da Revidente, que admita a ausência de justificação do termo aposto ao contrato» (fls. 253-273; fls. 269, conclusões D. e E.).

Através do acórdão ora recorrido, o STJ julgou totalmente procedente a revista interposta pela Ré e, em consequência, revogou o acórdão recorrido.

3. No requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade, o recorrente A., termina com a indicação, para os efeitos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 75.º da LTC, de que «pretende que o Tribunal Constitucional aprecie a inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 1.º nº 2 e 7º nºs 1 e 2 da Lei 4/2008, supra citadas e bem assim a desconformidade da interpretação das mesmas, independentemente da sua constitucionalidade, com os princípios constitucionais» (fls. 345-348; fls. 347, artigo 14.º).

Admitido o recurso e remetidos os autos a este Tribunal, o Relator convidou o recorrente a indicar, de forma clara e precisa, qual o exato sentido ou dimensão normativa da interpretação reportada aos artigos 1.º, n.º 2 e 7º, nºs 1 e 2, da Lei nº 4/2008, na sua redação original.

Em resposta, veio o recorrente apresentar duas peças. Na primeira, dirigida a este Tribunal, refere, que «a alusão aos preceitos da Lei 4/2008 de 7.2. na sua versão original, ocorre em vista do momento do início da relação laboral objeto dos autos, isto como é evidente sem prejuízo das alterações sofridas por aquela em face das Lei 195/2009, de 14.9 e n.º 28/2011 de 16.6». Na segunda, consubstanciando reformulação do requerimento inicialmente apresentado, com extensão acrescida, e dirigido ao STJ, diz o que segue:

«1º O Acórdão recorrido ao efetuar, em primeira linha a aceitação da constitucionalidade, da conjugação de normas constantes dos artigos 1º nº 2, 7º nºs 1 e 2 da Lei 4/2008 (na sua versão original) atualmente artigos 1º, 1º A al a) e d) e 7º nº 1 da lei 4/2008 na redação que lhe foi dada pela Lei 28/2011 de 16.6, enquanto acervo normativo fundador de admissibilidade de contratação a termo, sem necessidade de qualquer justificação, pelo simples preenchimento objetivo da condição de artista, pelo trabalhador, e de entidade organizadora de espetáculos para o público por parte da entidade empregadora, violou o direito à segurança no emprego (53º e 58º CRP) e bem assim as limitações decorrentes do artigo 18º da CPR e a proibição de discriminação negativa associada (artigo 13º CRP)

2º Em segunda linha está em causa, e para o caso de claudicar o pedido de inconstitucionalidade do complexo normativo referido (recurso por constitucionalidade - recurso por decisões negativas), a interpretação efetuada pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, das disposições conjugadas dos Artigos 1, 1º-A alíneas a) e d), 7º nº 1 (Lei 4/2008 na versão vigente) (Artigos 1º nº 2 artigo 7º nºs 1 e 2 versão original), no sentido de permitir a existência de contratos a termo resolutivo, sem necessidade de justificação dos motivos fundadores do referido termo (pedido de prolação de decisão interpretativa de acolhimento), já que a mesma colide com os princípios constitucionais contidos nos artigos 53º, 58º e 13º da CRP.

[...]

15º De facto, e de acordo com o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional, desde já o recorrente esclarece que, com o presente recurso, pretende que o Tribunal Constitucional aprecie

a) Se o complexo normativo formado pelos artigos 1, 1º A a) e d), 7º nº 1 (Lei 4/2008 na versão vigente) (Artigos 1º nº 2 artigo 7º nºs 1 e 2 versão original), constitui enquanto enformador fáctico auto sustentado de contratação a termo, uma violação dos princípios contidos nos artigos 53º, 58º e 18º da CRP.

b) Se a interpretação efetuada pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, das disposições conjugadas dos Artigos 1º, 1º-A a) e d), 7º nº 1 e nº 2 (Lei 4/2008 na versão vigente) (Artigos 1º nº 2 artigo 7º nºs 1 e 2 versão original), no sentido de permitir a existência de contratos a termo resolutivo, sem necessidade de justificação dos motivos fundadores do referido termo viola: (i) o artigo 13º da CRP, porquanto gera discriminação negativa insustentável, (ii) os princípios constantes dos artigos 53º e 58º da CRP, porquanto inverte o paradigma da contratação a termo, enquanto regime excecional, tornando-o regra e violando assim a estabilidade e segurança no emprego

tudo com base no disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, ao abrigo da qual o presente recurso é interposto.

16º A aceitação da constitucionalidade, de per si...

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