Acórdão nº 17/18 de Tribunal Constitucional (Port, 10 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução10 de Janeiro de 2018
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 17/2018

Processo n.º 388/2017

3ª Secção

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em que é recorrente o Ministério Público e recorrida a A., S.A., foi interposto recurso, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (doravante, «LTC»), em 6 de janeiro de 2017, da sentença proferida por aquele Tribunal, em 27 de dezembro de 2016, que recusou a aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade orgânica decorrente da violação da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, consagrada na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.° da Constituição da República Portuguesa, das normas constantes dos artigos 2.°, n.° 1, 3.º, n.° 2, e 4.º, n.º 2, todos do Regulamento da Taxa Municipal de Proteção Civil de Vila Nova de Gaia (em seguida, «RTMPC de Vila Nova de Gaia»), e, em consequência, anulou o ato de liquidação das taxas, no valor total de € 531,72, impugnado pela ora recorrida.

2. Através do recurso interposto, pretende-se que este Tribunal aprecie a questão que decorre do excerto da decisão recorrida que seguidamente se transcreve:

«(…)

Volvendo ao caso concreto, está em causa nos presentes autos o RMPC de Vila Nova de Gaia, aprovado por deliberação da Assembleia Municipal de Vila Nova de Gaia de 1 5/06/20 1 1, pelo qual este município criou a TMPC.

De acordo com o disposto no n.° 1 do artigo 2° do RIVIPC, o regulamento estabelece as disposições respeitantes à liquidação, cobrança e pagamento da taxa municipal de proteção civil devida pela prestação de serviços no domínio da prevenção de riscos e da proteção civil .

No n° 2 do referido artigo do RMPC é estabelecido que a TMPC destina-se a compensar financeiramente o Município pela despesa pública local, realizada no âmbito da prevenção de riscos e da proteção civil, constitui a contrapartida do Município por:

a) Prestação de serviços de bombeiros e de proteção civil,•

b) Funcionamento da comissão municipal de proteção civil;

c) Funcionamento da comissão municipal de defesa da floresta contra incêndios;

d) Cumprimento e execução do plano de emergência municipal;

e) Prevenção e reação a acidentes graves e catástrofes, de proteção e socorro de populações, e

j) Promoção de ações de proteção civil e de sensibilização para prevenção de riscos .

No que contende com a incidência subjetiva da taxa, esta é definida no artigo 3° do RMPC que estabelece da seguinte forma:

1 - A TMPC aplica-se às pessoas singulares ou coletivas proprietárias de prédios urbanos ou rústicos sitos na área do Município de Vila Nova que Gaia.

2 - A TMPC aplica-se, de igual forma, às entidades gestoras das infraestruturas instaladas, total ou parcialmente, no Município de Vila Nova de Gaia, designadamente as rodoviárias e ferroviárias, de gás, de eletricidade, televisão, telecomunicações, portuárias e de abastecimento.

3 - Para efeitos do n.° 1 do presente artigo, considera-se proprietário o sujeito passivo de Imposto Municipal sobre Imóveis .

Ora, o que resulta da análise dos preceitos acima elencados é que a TMPC criada pelo Município de Vila Nova de Gaia procura compensar financeiramente aquele Município pela despesa pública que realiza no âmbito da prevenção de riscos e da proteção civil.

Nas diversas alíneas do n.° 2 do artigo 2° do RMPC são elencadas diversas situações que dão origem a despesa pública, à qual o Município pretende fazer face mediante a imposição de uma taxa com vista à sua compensação financeira. Assim, identifica o Município de Vila Nova de Gaia como facto causador de despesa pública local quer a prestação de serviços de bombeiros e de proteção civil, quer o próprio funcionamento da comissão municipal de proteção civil e da comissão municipal de defesa da floresta contra incêndios, quer o cumprimento e execução do plano de emergência municipal, quer a prevenção e reação a acidentes graves e catástrofes, de proteção e socorro de populações, quer a promoção de ações de proteção civil e de sensibilização para prevenção de riscos.

O artigo 6° do RGTAL prescreve que as taxas municipais incidem sobre utilidades prestadas aos particulares ou geradas pela atividade dos municípios , elencando como exemplo, na alínea f) do n.° 1 daquele artigo 6°, que as taxas poderão incidir sobre a prestação de serviços no domínio da prevenção de riscos e da proteção civil , o que parece conduzir no sentido de que as autarquias poderão criar taxas que não incidem sobre prestações públicas concretas de que o sujeito passivo seja o efetivo causador ou beneficiário (cfr. Sérgio Vasques, in Regime das Taxas Locais Introdução e Comentário, Cadernos IDEFF, n.° 8, Almedina, 2009, pág. 1 1 3). Algo que também já parecia resultar do disposto no n.° 2 do art. do RGTAL que dispõe que as autarquias locais podem criar taxas para financiamento de utilidades geradas pela realização de despesa pública local, quando desta resultem utilidades divisíveis que beneficiem um grupo certo e determinado de sujeitos, independentemente da sua vontade”.

Todavia, não se pode esquecer que a qualificação de um tributo local como taxa assenta na bilateralidade, ou seja, o tributo tem, por princípio, que incidir sobre concretas prestações efetivamente provocadas ou aproveitadas pelo particular e não sobre abstratas prestações de que este particular seja o presumível causador ou beneficiário.

Refira-se, no entanto, que às taxas não é negada a possibilidade de incidir sobre prestações presumidas. Assim como também não se nega a nível conceptual que as taxas possam incidir sobre prestações futuras.

Quanto a estas, deve referir-se que o facto de serem futuras não retira grau de certeza às prestações que estão na base da liquidação da taxa, pois que logo que seja paga a taxa, é conferido ao particular o efetivo direito de usufruir do bem ou serviço em causa. Pode, então, dizer-se que o momento em que é pago o tributo não releva para a sua qualificação (cfr. Sérgio Vasques, in O Princípio da Equivalência como Critério de Igualdade Tributária, Almedina, 2008, pp. 160 e 161).

Já no que contende com as prestações presumidas, estas são suscetíveis de causar dificuldades na delimitação conceptual das taxas. Assim, para que uma prestação presumida seja passível de ser configurada como objeto de tributação através da figura tributária das taxas, é essencial que essa presunção seja de tal modo forte que se possa dizer como certa a prestação por parte da administração, bem como que o particular irá aproveitar essa prestação pública. Já quando uma prestação não se revela assim tão forte que permita considerar como efetiva a prestação administrativa em causa ao ponto de apenas admitir como razoavelmente provável que o particular irá aproveitar contribuições, deixando de ser possível a tributação por via da taxa. Por fim, quando uma prestação não é forte o suficiente levando ao ponto de considerar que não será efetiva nem sequer razoavelmente provável a prestação administrativa ao ponto de apenas se ter por possível o seu aproveitamento pelo particular, então, neste caso, já estaremos perante uma situação somente tributável por via de um imposto (por tudo, cfr. Sérgio Vasques, in “O Princípio da Equivalência como Critério de Igualdade Tributária”, Almedina, 2008, pp 162 a 169).

Feito este enquadramento teórico para tornar mais compreensíveis as conclusões a que se chegará adiante, cumpre regressar à análise dos normativos supra elencados

Assim, muito embora o RGTA] estabeleça dois normativos (artigos 5º e 6º) que parecem apontar no sentido de permitir o lançamento de taxas que não incidem sobre prestações públicas concretas de que o sujeito passivo seja o efetivo causador ou beneficiário, a verdade é que cada tributo terá que ser analisado per si, no sentido de passar nos diversos testes que permitirão aferir se o tributo criado pela autarquia é uma verdadeira taxa ou se é um imposto ou uma contribuição.

No caso em apreço nos presentes autos, estamos em presença de uma taxa municipal de proteção civil que incide sobre a “prestação de serviços no domínio da prevenção de riscos e da proteção “ (cfr. n.° 1 do financeiramente o Município de Vila Nova de Gaia pela realização de despesa pública âmbito da prevenção de riscos e da proteção civil (cfr. n.° 2 do artigo 2° do RMPC), constituindo contrapartida do Município pela prestação de serviços de bombeiros e de proteção civil; pelo funcionamento da comissão municipal de proteção civil; pelo funcionamento da comissão municipal de defesa da floresta contra incêndios; pelo cumprimento e execução do plano de emergência municipal; pela prevenção e reação a acidentes graves e catástrofes, de proteção e socorro de populações; e pela promoção de ações de proteção civil e de sensibilização para prevenção de riscos.

Conjugando a norma de incidência objetiva com a tabela de taxas publicada em anexo ao RMPC, é possível concluir que não é isolada nem agrupada qualquer prestação administrativa concreta que conduza à liquidação da taxa aos sujeitos passivos.

A TMPC não é fixada em função de uma concreta prestação que haja sido causada ou de que haja beneficiado o contribuinte.

Com efeito, a TMPC é fixada em função do sujeito passivo e dos custos que o Município prevê que os mesmos possam dar causa numa eventual e futura prestação municipal, tendo em consideração os riscos inerentes à sua atividade ou à sua propriedade.

Do preâmbulo do diploma consta que no âmbito da proteção civil, o Município atua nos mais diversos domínios como sejam o levantamento, previsão, avaliação e prevenção dos riscos coletivos; a análise permanente das vulnerabilidades perante situações de risco; a informação e formação das populações, visando a sua sensibilização em matéria de...

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