Acórdão nº 441/16 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Julho de 2016

Magistrado ResponsávelCons. Catarina Sarmento e Castro
Data da Resolução13 de Julho de 2016
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 441/2016

Processo n.º 77/16

3.ª Secção

Relator: Conselheira Catarina Sarmento e Castro

Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional,

I - Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, A. veio interpor recurso, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante designada por LTC).

2. No Tribunal Constitucional, foi proferida decisão sumária de não conhecimento do recurso, com a seguinte fundamentação:

“(…) O Tribunal Constitucional tem entendido, de modo reiterado e uniforme, serem requisitos cumulativos do recurso, previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a existência de um objeto normativo - norma ou interpretação normativa - como alvo de apreciação, o esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC), a aplicação da norma como ratio decidendi da decisão recorrida, a suscitação prévia da questão de constitucionalidade normativa, de modo processualmente adequado e tempestivo (artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa e artigo 72.º, n.º 2, da LTC).

Importa, assim, verificar, se tais requisitos se verificam, no caso.

(…) A primeira questão é enunciada, pelo recorrente, como correspondendo à “norma constante dos arts. 249º e 258º, respetivamente, do Código do Trabalho de 2003 e 2009, interpretada no sentido de que a utilização do veículo automóvel e telefone, fornecidos pela entidade empregadora no âmbito da vigência da relação laboral, quando afetos à vida privada do trabalhador e na medida em que constituem para este um benefício, sem que a empregadora faça distinção entre utilização funcional e privada, não constituem retribuição, nem integram o conceito legal de retribuição previsto nas normas atrás citadas”. Refere o recorrente que tal entendimento ofende o artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa.

Relativamente a esta questão, torna-se pertinente, desde logo, analisar, com mais profundidade, a natureza do objeto do recurso de constitucionalidade.

No nosso ordenamento jurídico, o Tribunal Constitucional apenas pode sindicar a constitucionalidade de normas ou interpretações normativas e não de decisões, nomeadamente jurisdicionais. Assim, a admissibilidade do recurso de constitucionalidade depende da enunciação de uma verdadeira questão normativa.

Nestes termos, impende sobre o recorrente o ónus de enunciar uma norma ou interpretação normativa, reportando-a, de forma certeira, a uma concreta disposição ou conjugação de disposições legais, em cuja literalidade o critério normativo enunciado encontre um mínimo de correspondência.

No presente caso, a formulação da questão apresentada denuncia a sua natureza não normativa.

De facto, por um lado, o recorrente não seleciona um específico segmento de disposição legal, bem delimitado, que pudesse servir, certeiramente, de base a um critério normativo do mesmo extraível. Pelo contrário, indica duas disposições, constituídas por vários números, e, necessariamente, plurinormativas.

Igualmente falha quanto à autonomização e enunciação de uma dimensão normativa, adotada pela decisão recorrida, como ratio decidendi.

Aparentemente, o que o recorrente verdadeiramente pretende é a sindicância do juízo subsuntivo, a que o tribunal a quo procedeu, e que conduziu à conclusão, no caso concreto, da não inclusão, na retribuição, das despesas privadas decorrentes da utilização do veículo automóvel e telefone, em momento em que o trabalhador não efetuou qualquer uso profissional de tais bens, ao serviço da empregadora.

Diga-se, aliás, que, independentemente da formulação da questão,- que, como referimos, denuncia a sua natureza não normativa - a mesma não encontra, em rigor, fidedigna projeção na fundamentação da decisão recorrida.

A este propósito, refere-se, com especial relevância, na decisão recorrida, o seguinte:

“(…) a atribuição de veículo automóvel, com despesas a cargo do empregador, para uso (também) particular constitui ou não retribuição consoante se prove que o empregador ficou ou não vinculado a efetuar essa prestação, configurando a prestação, na negativa, um ato de mera tolerância ou liberalidade (…).

Tratando-se de uma prestação regular (em espécie), o trabalhador beneficia da presunção legal (ilidível) de que se trata de prestação retributiva, competindo ao empregador, no caso, a demonstração de que o uso do veículo atribuído ao A. era, no uso privado que dele fazia, mera extensão do uso profissional e, por isso, simples ato de tolerância.

Ora, reportando-nos à...

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