Acórdão nº 583/18 de Tribunal Constitucional (Port, 08 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução08 de Novembro de 2018
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 583/2018

Processo n.º 188/2018

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. O Ministério Público (o ora Recorrente), confrontado com a sentença de fls. 116/124, vº, datada de 20/11/2017, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, contendo uma decisão de recusa de aplicação do artigo 2.º, n.º 8, do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial (doravante, NRFGS), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, interpôs o presente recurso de constitucionalidade, nos termos do artigo 280.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa (CRP) e do artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC).

Surgiu esta decisão de recusa no contexto processual que descreveremos de seguida.

1.1. A. (Autor na ação e Recorrido no contexto do presente recurso) intentou, no Tribunal Administrativo antes referido, uma ação administrativa especial contra o Fundo de Garantia Salarial, pedindo: (1) a declaração de nulidade ou anulação do despacho do Senhor Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial que indeferiu o pedido do Autor para pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho, com fundamento na intempestividade daquele pedido; e (2) a condenação do Fundo de Garantia Salarial no pagamento dos referidos créditos, acrescidos de juros.

Nesta ação alegou o Autor ter sido trabalhador de certa sociedade comercial até 08/05/2012. Em 18/05/2012, foi requerida a insolvência da entidade patronal, que veio a ser decretada em 14/07/2015. Entretanto, em julho de 2012, o Autor havia impugnado, no (então designado) Tribunal do Trabalho de Coimbra, a regularidade e licitude do despedimento, obtendo, em 27/05/2013 sentença favorável à sua pretensão, a qual declarou a ilicitude do despedimento e condenou a entidade empregadora no pagamento de certas quantias a título de indemnização e retribuições intercalares até ao trânsito em julgado da decisão. Em 31/03/2016, na sequência de impugnação pelo Autor, a senhora administradora da insolvência reconheceu-lhe o crédito emergente de contrato de trabalho. Em 02/05/2016, o Autor pediu o pagamento dos créditos pelo Fundo de Garantia Salarial, pedido esse que viu indeferido com fundamento na sua intempestividade.

1.2. Pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra foi proferida sentença, já referida em 1. supra, cujo trecho dispositivo afirma o seguinte:

“[…]

Recuso a aplicação, neste caso concreto, por materialmente inconstitucional, [do] n.º 8 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21/4 [querendo referir-se o n.º 8 do artigo 2.º, do NRFGS] ;

– Julgo a presente ação procedente e, em consequência, condeno o Réu a praticar o ato administrativo devido de deferir os pedidos de pagamento de créditos laborais apresentado pelo Autor em 02/05/2016, no valor de €3.300,00 (deduzidos os descontos legais).

[…]” (sublinhado acrescentado).

…justificado com os seguintes fundamentos:

“[…]

Descendo ao caso dos autos, verifica-se que a Entidade Demandada, não se limitando a contradizer o alegado pelo Autor na PI, afirma nos artigos 12.º e 13.º da contestação que, considerando a data de insolvência da entidade empregadora, que reporta a 09/12/2015, o período de referência, relativamente ao qual o FGS cobre os créditos, se iniciou em 09/06/2015, pelo que, uma vez os créditos peticionados se venceram com a cessação do contrato de trabalho, em 08/05/2012, não se englobam naquele período.

Conforme resulta da breve exposição que fizemos supra, a data a atender, nos termos do artigo 2.º, n.º 4, do Regime do FGS, não é a da declaração de insolvência (que, de todo o modo, não é a referida pelo Réu, mas sim 14/07/2015, como resulta do probatório), mas sim a da “propositura da ação de insolvência”.

A propositura da ação de insolvência ocorreu a 18/05/2012 (cf. ponto 4 do probatório), pelo que, conforme afirma o réu, se os créditos do Autor se venceram em 08/05/2012, dúvidas não restam de que o seu pagamento não pode ser recusado com fundamento no n.º 4 do artigo 2.º do Regime do FGS.

Passemos então a analisar se o facto de o Autor ter apresentado o requerimento mais de um ano depois do dia seguinte ao da cessação do respetivo contrato de trabalho, implica, sem mais, o seu indeferimento .

Da leitura da PI resulta que o Autor considera que exerceu o seu direito tempestivamente, defendendo que apenas em 31/03/2016 viu reconhecidos os créditos reconhecidos no processo de insolvência da entidade empregadora, pelo que só aí reuniu todos os requisitos que lhe permitiriam requerer o pagamento dos mesmos ao FGS.

Mais alega que a sua situação específica tem de ser integrada com o regime do FGS e o regime da prescrição e respetiva interrupção, ou seja, entende que o prazo fixado no n.º 8 do artigo 2.º é um prazo de prescrição.

Por sua vez, o Réu alega que o Instituto do FGS resulta da transposição de Diretivas Comunitárias e remete para o artigo 4.º da Diretiva 2008/94/CE […].

[…]

Considera o Réu que, tendo o Autor requerido o pagamento de créditos emergentes do contato de trabalho e da sua violação ou cessação em 02/05/2016 e tendo o seu contato de trabalho cessado em 08/05/2012, não tinha possibilidade legal de efetuar quaisquer pagamentos, atendendo a que, nos termos do artigo 2.º, n.º 8, do Regime do FGS, cuja interpretação não deixa margem para dúvidas, o “Fundo só assegura o pagamento dos créditos quando o pagamento lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contato de trabalho”.

Efetivamente, não parece que o prazo previsto no artigo 2.º, n.º 8, do Regime do FGS possa ser configurado como um prazo de prescrição .

[…]

No regime da caducidade, o prazo visa preestabelecer o lapso de tempo dentro do qual ou a partir do qual, há de exercer-se o direito, por imposição da Lei ou vontade negocial, configurando esse prazo condição de admissibilidade e procedibilidade, por ser elemento constitutivo do direito .

O prazo de caducidade é um prazo pré-fixo que, pressupondo o interesse na rápida definição do direito, não se compadece com dilações e, por isso, por oposição ao prazo de prescrição, não comporta interrupções nem suspensões.

Assim, exceto nos casos em que a lei o determine, os prazos de caducidade não se suspendem nem se interrompem (cf. artigo 328.º do CC).

Dispõe o artigo 329.º do CC que, se a lei não fixar outra data, o prazo da caducidade começa a correr a partir do momento em que o direito puder ser legalmente exercido, sendo que que a única forma de evitar a caducidade do mesmo direito é praticar, dentro do prazo correspondente, o ato a que a lei atribua efeito impeditivo (cf. artigo 331.º do CC).

Pois bem, no caso, o prazo do artigo 2.º, n.º 8, do Regime do FGS, e de acordo com o mencionado artigo 329.º do CC, começa a correr na data ali fixada – o dia seguinte àquele em que cessou o contato de trabalho .

Mas nem por isso resulta do Regime do FGS que o direito do requerente possa, nessa mesma data, ser legalmente exercido, uma vez que esse mesmo regime pressupõe, não só que tenha sido proferida sentença de declaração da insolvência (cf. artigo 1.º, n.º 1, alínea a)), como também que o pedido seja instruído com declaração do empregador comprovativa da natureza e do montante dos créditos em dívida declarados no requerimento pelo trabalhador “quando o mesmo não seja parte constituída” – o que significa que, tendo havido ação laboral e de insolvência, o que se exige para o exercício do direito é, sem alternativa, o documento mencionado na al. a) do n.º 2 do artigo 5.º: declaração do administrador da falência ou cópia autenticada de documento comprovativo dos créditos reclamados pelo trabalhador na insolvência. A haver processo de insolvência, os créditos têm de ser aí reclamados e isso mesmo demonstrado ao Fundo, em documento anexo ao requerimento, conforme dispõe o artigo 5.º, n.º 2, al. a), do Regime do FGS.

Se assim é, os trabalhadores veem o seu direito condicionado pelo desenvolvimento do processo de insolvência do empregador, que não controlam. Nada garante que, ainda que a insolvência seja requerida no dia da cessação do contrato de trabalho, ela venha a ser declarada no prazo de um ano e o trabalhador possa reclamar e ver reconhecidos os seus créditos nesse mesmo período .

Basta atentar na factualidade do caso sub judice, em que a insolvência foi requerida dez dias depois da cessação do contrato de trabalho do Autor, e apenas em 14/07/2015 veio a ser proferida sentença de declaração da insolvência.

Dir-se-ia, assim, transcrevendo sentença proferida pelo signatário no processo n.º 585/16.0BECBR, “que os trabalhadores estão sujeitos ao decurso inexorável do tempo, por mais diligentes que possam ser na criação das condições legais – formais e materiais, para o exercício do seu direito a haverem do Réu o pagamento dos créditos salariais sobre a entidade patronal insolvente de facto”.

Efetivamente, conforme salienta o Réu na sua contestação, não nos parece que a interpretação do artigo aqui em causa suscite dúvidas, nem parece que, à luz do regime da caducidade a que aludimos supra, o prazo ali previsto comporte causas suspensivas ou interruptivas das quais resulte que o exercício em tempo do direito depende exclusivamente da atuação do seu titular.

Contudo, e embora o Autor não o alegue, não pode considerar-se que uma norma que prevê um prazo de caducidade com início expressamente fixado numa data determinável, sem que preveja quaisquer causas de suspensão ou interrupção, de tal maneira que não garante que o titular possa ter oportunidade legal de exercer o seu direito dentro do prazo,...

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