Acórdão nº 51/17 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelCons. Maria Clara Sottomayor
Data da Resolução13 de Fevereiro de 2017
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 51/2017

Processo n.º 865/16

3.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria Clara Sottomayor

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I - Relatório

1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Tribunal da Relação de Guimarães, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, a relatora proferiu a Decisão Sumária n.º 773/2016, a qual, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decidiu não conhecer do objeto do recurso, com os seguintes fundamentos:

«9.1. Cabendo ao recorrente delinear o objeto do recurso (norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade pretende ver apreciada), a aferição do preenchimento dos requisitos de que depende a admissibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional e, bem assim, a delimitação do objeto do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, devem ter por base o invocado no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional e reportar-se à decisão recorrida (ou decisões recorridas), tal como identificada(s) pelo recorrente no seu requerimento de interposição de recurso e que fixa o respetivo objeto, in casu, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 10 de outubro de 2016.

9.2. No requerimento de interposição de recurso, o recorrente colocou duas questões de constitucionalidade: 1) a formação da livre convicção do juiz, que alega ter limitado o convencimento ou persuasão racional, desfavorecendo o arguido (art. 61.º, n.º 1, al. c), do CPP) e violado o princípio in dubio pro reo, por desconformidade com os artigos 32.º, n.º 2, da CRP e 18.º, n.º 1, da CRP; 2) o vício de não fundamentação da decisão judicial, por violação do artigo 205.º, da CRP.

A primeira questão não tem natureza normativa porque se refere à decisão judicial em concreto e à avaliação factual que lhe é inerente, e não a uma interpretação normativa.

A segunda reporta-se a um vício da decisão em si mesma considerada, o que o próprio recorrente denuncia, peticionando que «Ao não fundamentar a sua decisão, deverá ser inconstitucional a norma do art. 374.º, n.º 2 do CPP por violação do art. 205.º da CRP, quando interpretada no sentido de que “O Juiz não está obrigado a proceder ao exame crítico das provas podendo limitar-se a efetuar meros juízos conclusivos”.»

No requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, o recorrente reproduz as alegações para o tribunal recorrido, o que indicia que coloca em crise questões relacionadas com o ato de julgamento, enquanto ponderação casuística da singularidade própria e irrepetível do caso concreto exclusivamente imputável à conformação interna da decisão judicial.

No fundo, o que o recorrente pretende é obter uma nova apreciação e valoração da prova, que permita uma atenuação especial da pena e a suspensão da sua execução.

Ora, as competências do Tribunal Constitucional não envolvem seguramente o controlo das operações subsuntivas realizadas pelo julgador nem a forma como fundamenta a sua convicção na apreciação da prova.

A invocação de questões relacionadas com a imediação da prova não pode ser o fundamento para interpor um recurso de constitucionalidade no Tribunal Constitucional, sendo essencial, para que a questão da inconstitucionalidade seja corretamente colocada, que ela tenha uma dimensão normativa, isto é, que se refira a uma norma ou interpretação normativa e não à avaliação dos factos do caso, nem à interpretação e aplicação do direito ordinário.

O recorrente não enuncia, a propósito das normas do Código de Processo Penal impugnadas, uma interpretação normativa que, a ser declarada inconstitucional, não possa ser aplicada pelos tribunais. As normas são tomadas com o sentido genérico e “objetivo”, plasmado nos preceitos que as contêm, e não em função do modo como foram perspetivadas e aplicadas à dirimição de certo caso concreto pelo julgador. E, só é sindicável pelo Tribunal Constitucional uma “interpretação normativa” que tenha uma vocação de generalidade e abstração na enunciação do “critério normativo” que lhe está subjacente – de modo a autonomizá-lo claramente da pura atividade subsuntiva do caso concreto.

Ora, o que o recorrente questiona, na verdade, tal como resulta do requerimento de interposição de recurso, que reproduziu as alegações para o tribunal recorrido, é a determinação da medida concreta da pena, por erro notório na apreciação da prova, isto é, a atividade judicial conducente à individualização da pena correspondente à prática dos factos típicos, ilícitos e culposos que lhe foram imputados.

10. Em conclusão, por não ter a questão da inconstitucionalidade, nos termos em que foi colocada pelo recorrente, dimensão normativa, não se pode admitir o recurso, que não será conhecido, devido à falta deste requisito legalmente exigível».

2. Notificado da decisão, o recorrente reclamou para a Conferência, ao abrigo do n.º 3 do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, alegando, a fls 761 a 767, quanto à decisão de não conhecimento do recurso interposto, o seguinte:

«A., Arguido nos autos à margem referenciados e aí melhor identificado, notificado da douta decisão sumária, que nos termos do disposto no n.º 11, do artigo 78.º-A da LTC decidiu não conhecer do objeto do presente recurso vem, mui respeitosamente, nos termos do n.º 3, do mesmo artigo,

RECLAMAR PARA A CONFERÊNCIA

O que faz nos termos e com os fundamentos que se seguem:

1 - Por douta decisão sumária prolatada pela Exma. Senhora. Relatora, decidiu não conhecer do objeto do recurso por a questão da inconstitucionalidade, nos termos em que foi colocada pelo recorrente, não ter dimensão normativa e assim, não se mostrar cumprido este requisito legalmente exigível.

2 - Salvo o devido e necessário respeito não podemos concordar com a decisão da Senhora Relatora,

Senão vejamos,

3 - Preclaros Conselheiros. é efetivamente verdade, como aliás verte a Exma. Relatora, que o Recorrente pretende ver apreciada a conformidade à Constituição, do artigo 61.º, n.º 1, al. c) (direito de informação), conjugado com os artigos 343.º, n.º 1 (declarações do arguido) e 374.º, n.º 2 (requisitos da sentença), todos do CPP, isto por violação, além do mais, dos artigos 32.º, n.º 2, 18.º, n.º 1 e 205.º, n.º da CRP.

No que ao caso sub judice interessa, quanto à dimensão normativa deste preceito (205.º, n.º 1), que salvo o devido respeito ordenou desde sempre, a necessidade, obrigatoriedade dos Tribunais fundamentarem as suas doutas decisões, fazendo o respetivo exame crítico da prova,

4 - Mas, tão-só com a reforma do CPP, operada pelo DL 34/2008, de 26 de fevereiro, o legislador ordinário, resolveu, de forma clara e precisa obedecer ao imperativo Constitucional vertido na norma supra citada, obrigando o decisor e aplicador da lei nas suas decisões a fazer o exame crítico da prova e isto, tão-só e porque, o dever de fundamentar e fazer o respetivo exame critico nas decisões tem que levar o destinatário das mesmas (que são todos os...

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