Acórdão nº 410/17 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Julho de 2017

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução13 de Julho de 2017
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 410/2017

Processo n.º 452/2017

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. A. (o ora Recorrente) foi condenado, no âmbito do processo n.º 1286/02.1TDPRT, que corre os seus termos no Juízo Central Criminal do Porto, pela prática de um crime de abuso de confiança, previsto e punido pelo artigo 205.º, n.ºs 1 e 4, alínea b), do Código Penal na pena de dois anos e seis meses de prisão. O arguido apresentou nos autos um requerimento em que pediu que se declarasse que a prescrição do procedimento criminal havia ocorrido em momento anterior àquele que corresponderia ao trânsito em julgado da decisão condenatória, pretensão que o tribunal de primeira instância não acolheu.

1.1. O arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto do despacho que, por acórdão de 30/11/2016, indeferiu o pedido de declaração de prescrição do procedimento criminal, negando provimento ao recurso e confirmando a decisão recorrida.

1.1.2. O arguido pretendeu, então, interpor recurso desta decisão para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), recurso esse que foi rejeitado por despacho do senhor juiz desembargador relator, com fundamento na circunstância de tal decisão não ter conhecido, a final, do objeto do processo, “o mesmo é dizer, da condenação do arguido na pena de dois anos e seis meses de prisão” (fls. 212).

1.2. O arguido apresentou reclamação do despacho de não admissão do recurso, dirigida ao STJ, nos termos do artigo 405.º do CPP. No respetivo requerimento pode ler-se, designadamente, o seguinte:

“[…]

Restará para decidir a questão a análise e interpretação do teor da alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, que considera irrecorríveis os ‘acórdãos preferidos, em recurso, pelas Relações, que não conheçam, a final, do objeto do processo’.

Matéria interpretativa, pois que se trata de avaliar se a decisão em causa conheceu, ou não, do objeto do processo, pondo-lhe fim.

Não terá sido por acaso que o legislador formulou literalmente esta alínea com uma certa abertura interpretativa, porque, sendo o STJ o tribunal mais elevado e aquele a quem cabe interpretar direito controverso, criando caso precedente e/ou, fixando jurisprudência, não se poderá coartar perentoriamente a possibilidade dessa intervenção.

De resto, não se poderia cumprir cabalmente, o preceito constitucional do artigo 32.º, n.º 1, da CRP, que abrange, expressamente, o direito ao recurso com formulações processuais tão fechadas que não permitissem a reapreciação, pelo STJ, de casos de injustiça mais gritantes.

[…]

A decisão condenatória que o arguido sofreu – a pena em concreto, de prisão efetiva – nunca foi objeto de revisão em recurso – numa primeira decisão porque a questão ficou prejudicada pela nulidade do Acórdão e quanto à segunda, porque o recurso foi rejeitado por extemporâneo, devido a dissonância sobre qual o prazo aplicável, se o de 20 dias se o de 30 dias, que ainda vigoravam (meses mais tarde, o prazo passou a ser único, 30 dias, mas o Recorrente, que apresentara o recurso nesse prazo, não pôde beneficiar dele).

O processo penal, longe de servir apenas o exercício de direitos assegurados pelo direito penal material, visa a comprovação e realização, a definição e declaração do direito do caso concreto, válido e aplicável, aqui e desde já.

Sendo o STJ a instituição superior para a interpretação e aplicação do Direito e a realização da Justiça, em caso de normas adjetivas que permitem diferentes interpretações, entende o me. que deverá optar pelo sentido mais consentâneo com a justiça do caso concreto, postergando uma visão estritamente formalista e prejudicial. Só dessa forma, dará cumprimento ao preceito constitucional do artigo 32.º, n.º 1, da CRP.

O artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa – interpretação do artigo 400.º, n.º 1, alínea c), em conformidade com o estatuído e garantido na norma do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

No entender do Recorrente, a interpretação da norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea c), do CPP no sentido de que a decisão recorrida se subsume à sua previsão e por conseguinte a torna irrecorrível, consubstanciará uma inconstitucionalidade por violação de garantias de defesa consagradas nos artigos 32.º, n.º 1, e 202.º, n.º 2, da CRP.

As garantias de defesa referidas na norma do artigo 32.º, n.º 1, da CRP constituem a cláusula geral abrangente de todas as garantias que hajam de decorrer do principio da proteção global e completa dos direitos de defesa do arguido em processo criminal.

No processo penal, o arguido está sempre numa posição de fragilidade, quando confrontado com a acusação, apresentada pela instituição Estado, com todo o seu poder.

Por outro lado, nem sempre a sequência do formalismo puro e duro permite uma verdadeira defesa dos direitos do arguido.

Mas, no caso em apreço, pelas razões acima expostas, a admissibilidade do recurso pelo STJ é a única decisão consentânea com uma efetivação do direito fundamental ao recurso, previsto no artigo 32.º, n.º 1, da CRP.

O direito constitucional ao recurso não pode bastar-se com uma previsão formal, normatizada.

Para o respeitar e necessário que as normas atinentes aos recursos permitam um efetivo acesso ao tribunal superior, quando a instância intermédia decide notoriamente com fundamentos errados e com ostensivo vício decisório.

E a norma em causa – o artigo 400.º, n.º 1, alínea c), do CPP –tem uma margem interpretativa que permite a admissão pelo STJ do recurso interposto pelo Reclamante.

[…]

Admitindo-se a interpretação de que a decisão é irrecorrível – já acima se expôs porque se entende que não o é – viola-se a proteção constitucional da norma do artigo 32.º, n.º 1, da CRP, preceito que, no ensinamento dos mais ilustres comentadores do texto fundamental – Canotilho/Vital Moreira – “pode ser fonte autónoma de garantias de defesa. A «orientação para a defesa» do processo penal revela que ele não pode ser neutro em relação aos direitos fundamentais (um processo em si, alheio aos direitos do arguido), antes tem neles um limite infrangível”.

Violação que desde já se alega, para efeitos do disposto no artigo 72.º da LTC.

[…]” (sublinhados acrescentados).

1.2.1. No STJ, foi proferida decisão negando provimento à reclamação, com os seguintes fundamentos (no que ora importa considerar):

“[…]

A alínea b) n.º 1 do artigo 432.º do Código de Processo Penal estabelece que o STJ é competente para conhecer os recursos das deliberações das Relações, nos termos do artigo 400.º do CPP.

Mas a alínea c) do n.º 1 deste último preceito estabelece serem irrecorríveis «os acórdãos preferidos, em recurso, pelas Relações, que não conheçam, a final, do objeto do processo».

O objeto do processo penal é delimitado pela acusação ou pela pronúncia e constitui a definição dos termos em que vai ser julgado e decidido o mérito da causa – ou seja, os termos em que, para garantia de defesa, possa ser discutida a questão da culpa e, eventualmente, da pena.

E a decisão do Tribunal da Relação, proferida em recurso, ao manter o despacho da 1.ª instância, que considerara não verificada a extinção do procedimento criminal, por prescrição, não conheceu do objeto do processo, isto é, não se pronunciou sobre o mérito da causa.

A decisão que conheceu a final do objeto do processo, para efeitos do citado artigo 400.º, n.º 1, alínea c), do CPP, foi a decisão, que condenara o arguido na pena de 2 anos e 6 meses de prisão.

E, no caso, estamos perante um incidente surgido após a decisão final.

A causa, com o sentido da determinação do direito do caso – ilícito, culpa e pena – terminou com a decisão condenatória.

O recurso não é, assim, admissível (artigos 432.º, alínea b), e 400.º, n.º 1, alínea c), do CPP).

De qualquer modo, ainda que se entendesse que este argumento não valeria, sempre a decisão em causa seria irrecorrível, por a pena imposta ao arguido (2 anos e 6 meses de prisão), não o permitir, face ao disposto no artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP.

Assim sendo, não é o recurso admissível para o Supremo Tribunal de Justiça.

[…]” (sublinhado acrescentado).

1.3. Ainda inconformado, o arguido interpôs recurso desta última decisão para o Tribunal Constitucional, o qual deu origem aos presentes autos, nos termos seguintes (juntando logo a motivação do recurso, a que não se atenderá autonomamente, porquanto as alegações de recurso são sempre produzidas no Tribunal Constitucional, se o relator assim o determinar – artigos 78.º-A, n.º 5, e 79.º, n.º 1, da LTC):

“[…]

[V]em interpor recurso para o Tribunal Constitucional, do acórdão contra si proferido na 1.ª secção do TRP em 30.11.2016, bem assim da decisão do Exmo. Sr. Conselheiro Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que indeferiu reclamação do ora Recorrente, sobre a não admissão do recurso daquela decisão.

Recurso interposto ao abrigo da norma do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC), para o qual o recorrente tem legitimidade e está em tempo – artigos 72.º, n.º 1, alínea b), e 75.º, n.º 1, da LOTC.

Estão esgotadas todas as possibilidades de recurso ordinário.

Dando cumprimento ao disposto no artigo 75.º-A, n.º 2, da LOTC, o Recorrente (Rte) indica como tendo sido violadas as seguintes normas e princípios constitucionais, conforme invocou no recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça:

a) os artigos 32.º, n.º 1, e 202.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, ao interpretar-se a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea c), do CPP no sentido de não admitir o recurso interposto...

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