Acórdão nº 452/17 de Tribunal Constitucional (Port, 07 de Agosto de 2017

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução07 de Agosto de 2017
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 452/2017

Processo n.º 603/2017

3ª Secção

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante designada por LTC), do acórdão proferido por aquele Tribunal, em 7 de junho de 2017, que negou provimento ao recurso interposto pelo ora recorrente do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, em 20 de março de 2017, confirmando assim a respetiva condenação, pela prática de um crime de homicídio, previsto e punível pelo artigo 131.º do Código Penal, na pena de doze anos de prisão.

2. Pela Decisão Sumária n.º 400/2017, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso.

Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«4. O recurso de constitucionalidade interposto nos presentes autos funda-se na previsão da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, preceito segundo o qual cabe recurso para o Tribunal Constitucional “das decisões dos tribunais (…) que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo”.

Conforme reiteradamente afirmado na jurisprudência deste Tribunal, constitui pressuposto de admissibilidade dos recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC que a decisão recorrida haja feito aplicação, como sua ratio decidendi, da norma ou conjunto de normas cuja constitucionalidade é posta em causa pelo recorrente.

Tal pressuposto decorre do caráter instrumental dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade: não visando tais recursos dirimir questões meramente teóricas ou académicas, um eventual juízo de inconstitucionalidade, formulado nos termos reivindicados pelo recorrente, deverá poder “influir utilmente na decisão da questão de fundo” (cf. Acórdão n.º 169/92), o que apenas sucederá se o critério normativo cuja validade constitucional se questiona corresponder à interpretação feita pelo tribunal a quo dos preceitos legais indicados pelo recorrente, isto é, ao modo como o comando destes extraído foi efetivamente perspetivado e aplicado na composição do litígio. Por isso, quando seja requerida a apreciação da constitucionalidade de uma norma segundo uma certa interpretação, esta deverá coincidir, em termos efetivos e estreitos, com o fundamento jurídico do julgado.

5. Considerada a interpretação normativa enunciada no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, a questão que cumpre resolver consiste, assim, em saber se o preceito de direito infraconstitucional indicado pelo recorrente foi aplicado no Acórdão recorrido, como sua ratio decidendi, no sentido ali tido por inconstitucional. Ou, mais concretamente ainda, se, como fundamento decisório da improcedência do recurso interposto do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, o Supremo Tribunal de Justiça extraiu do artigo 70.º do Código Penal, ainda que de forma implícita, a interpretação segundo a qual “a mera ausência de arrependimento é suficiente para se considerar que o arguido possui elevadas exigências de prevenção especial e é, por isso, merecedor de pena mais elevada”.

A resposta – adiante-se desde já – é indubitavelmente negativa.

De acordo com o disposto no corpo único do artigo 70.º do Código Penal – que tem por epígrafe “[c]ritério de escolha da pena” –, se “ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

Ora, tendo o ora recorrente sido condenado pela prática de um crime de homicídio previsto no artigo 131.º do Código Penal e punível com pena de prisão de oito a quinze anos, o preceito que define o critério a seguir em matéria de escolha da pena não só não foi convocado pelo Tribunal recorrido, como não poderia, na realidade, tê-lo sido: na medida em que a estatuição inserta na previsão do artigo 131.º do Código Penal não contempla qualquer pena alterativa à pena de prisão que estabelece a título principal e a medida da pena concretamente fixada, por exceder os cincos anos de prisão, não consente que se pondere a aplicação qualquer uma das penas de substituição previstas no Código Penal, a convocação do critério atinente à escolha da pena, estabelecido no artigo 70.º do referido diploma legal, encontrava-se aprioristicamente excluída do thema decidendum fixado pelo objeto do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça.

6. Numa interpretação do requerimento de interposição do recurso mais favorável à pretensão expressa pelo ora recorrente, poder-se-ia admitir, todavia, a possibilidade de ter ocorrido lapso na indicação do preceito do qual foi alegadamente extraída a asserção pretendida sindicar. Esta teria sido na verdade extraída, não do artigo 70.º do Código Penal, mas sim do n.º 1 do artigo 71.º do mesmo diploma legal.

Embora em tal hipótese se verifique já a correspondência entre a matéria regulada no preceito legal indicado e a dimensão normativa pretendida sindicar, pressuposta pelo requisito da ratio decidendi, o certo é que a conclusão para que se apontou já permaneceria em todo o caso inalterada por ser indubitável que, para concluir pela improcedência do recurso interposto do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, que fixou em 12 anos a pena de prisão contestada pelo ora recorrente, o Supremo Tribunal de Justiça não aplicou, expressa ou implicitamente, qualquer critério de acordo com o qual a “mera ausência de arrependimento é suficiente para se considerar que o arguido possui elevadas exigências de prevenção especial e é, por isso, merecedor de pena mais elevada”.

Vejamos mais de perto.

Na sindicância do juízo subjacente à definição das consequências jurídicas do crime fixadas pelo Tribunal da Relação de Guimarães, o Supremo Tribunal de Justiça não aplicou expressamente a proposição impugnada − facto que, não só decorre inquestionavelmente da fundamentação constante do acórdão recorrido, como o próprio recorrente reconhece sem reservas no requerimento de interposição do recurso.

Atentando no facto de o quadro factual traçado em juízo não incluir qualquer referência à existência e/ou inexistência de arrependimento, o Supremo Tribunal de Justiça excluiu a relevância, no caso sub judice, da discussão em torno da relação entre presença/ausência de arrependimento e a graduação das exigências de prevenção especial a considerar no âmbito da determinação da medida concreta da...

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